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O contexto das entrevistas formais na escola rural

No documento A escola e a opção pelos pobres (páginas 58-62)

1.2 O MÉTODO E O CAMPO

1.2.5 O contexto das entrevistas formais na escola rural

Logo após a qualificação do Projeto de Tese, em fevereiro de 2013, cheguei à escola rural sob muita chuva. Conversei com a diretora, Conceição, e com a vice- diretora, Cecília. Ambas me atenderam com muita distinção. Falei-lhes de como tinha ocorrido a qualificação da tese no mês de dezembro de 2012. Entreguei-lhes os documentos referentes à autorização e à informação da pesquisa. Sondei se era possível fotografar o ambiente escolar, evitando-se imagens de pessoas, e elas, de imediato, concordaram. Falamos sobre a minha coleta de dados e pedi-lhes, mais uma vez, apoio. Informaram-me sobre a próxima reunião de professores e que na oportunidade eu poderia fazer o convite para as entrevistas formais. Acertei alguns detalhes sobre a imersão no campo. Na ocasião, percebi a escola bem cuidada para o início do ano letivo, encontrava-se pintada, decorada nos mínimos detalhes, conforme FIGURA 6.

FIGURA 6 – Vista da escola rural. Fonte: Acervo particular, 2013.

Retornei na semana seguinte à escola. Cheguei em meio à reunião pedagógica; encontravam-se cinco professores planejando as atividades pedagógicas. Conversei sobre a pesquisa de tese, os objetivos e a colaboração daqueles educadores na coleta de

dados. Ao perguntar, ao final, quem gostaria de ser voluntária, a professora Dilma se colocou à disposição e apontou Jaqueline, que na ocasião faltara, mas que desejava participar da pesquisa. Ao final da conversa, Dilma e eu combinamos de nos encontrarmos em momento de formação docente para realizarmos as entrevistas – o que de fato ocorreu, havendo dois momentos de conversas com essas duas professoras. Todos os encontros se realizaram no espaço de uma sala de atendimento pedagógico, sala reservada na qual elas afixaram, antes de entrarmos para conversar, uma placa de “em atendimento”, na garantia de que a nossa concentração não fosse violada. Ao abordá-las, entreguei a Carta de Informação sobre a pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos professores (Apêndice C).

Em conversa com a vice-diretora, ela entregou-me o nome de seis pais de alunos que moravam em um assentamento rural e que se colocaram voluntários em reunião de pais para serem colaboradores da pesquisa. Reunião da qual eu não participei. Como essas famílias tinham dificuldades de transporte, elas sugeriram que eu fosse até ao assentamento para realizar as entrevistas; sugestão que acolhi e coloquei-me de prontidão para ir ao encontro delas. Realmente, saí da escola e fui à procura do Assentamento Liberdade. Precisava, diante dos nomes selecionados pela gestora antecipadamente, combinar com essas famílias qual seria o melhor dia para nos encontrar. A uns quatro quilômetros da escola, em estrada de barro, como mostra a FIGURA 7, encontrei o referido assentamento. Consegui ter contato com alguns colaboradores listados e marcamos o encontro com esses pais. Mesmo sem perguntarem o porquê da pesquisa, antecipei para aqueles camponeses minha intenção. No dia marcado para a reunião com as famílias, compareceram cinco pais: Alcides, Marli, Maria, Cíntia e Juna. O detalhamento de meu encontro com as famílias do Assentamento Liberdade estão no ensaio “Histórias de vida entrelaçadas à escola”, à página 136.

FIGURA 7 – Assentamento Liberdade à beira do caminho, à direita. Fonte: Acervo particular, 2013.

Depois da convivência com o grupo de pais, em outro momento, fui à procura dos alunos colaboradores. Nessa busca, encontrei o apoio da direção em sugerir que eu fizesse as entrevistas com alunos de uma mesma turma, para facilitar a saída deles no período de aulas, uma vez que fora do horário de aulas, dificultaria o encontro com essas crianças. Ao chegar à escola, a direção já tinha entrado em contato com a professora dos cinco alunos: Josué, Marisaldo, Elias, Renata e Rafaela, bem como a coordenada pedagógica já tinha enviado a Carta de Informação da pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido destinado aos pais ou responsáveis (Apêndice D). Esses documentos foram entregue por mim, anteriormente, para que a escola enviasse às famílias. De prontidão, as coordenadoras entregaram-me todas as autorizações assinadas pelos pais dos alunos. Essas crianças estudavam no 5º ano do Ensino Fundamental, moravam com seus familiares, pessoas com baixa escolaridade e com grandes dificuldades para “ganhar a vida” no campo ou na cidade.

Como estratégias para captar o ponto de vista dessas crianças, utilizei entrevistas semiestruturadas, guiadas por um roteiro previamente elaborado, abordando informações sobre aspectos específicos da experiência familiar e escolar: as suas percepções acerca da escola, as condições em que viviam em suas casas, como eram tratadas na escola, os conhecimentos sobre as suas rotinas etc. As entrevistas realizaram-se na própria escola rural, no espaço da biblioteca, local reservado pela coordenação da escola.

Tive uma conversa preliminar com os cincos alunos, explicando como seria a nossa conversa, dizendo-lhes que as suas falas iriam contribuir para a minha pesquisa, bem como haveria o retorno à comunidade. Assegurei-lhes que iria gravar o encontro e o sigilo da identidade de todos eles seria assegurado de minha parte, como momento de nossa confidencialidade.

Para introduzir o tema da pobreza, escolhi uma fábula e pedi-lhes que complementassem a história. A história poderia permitir outras possibilidades de expressão dessas crianças e que me possibilitaria o acesso ao conteúdo de pobreza. Antes do término da história ser contado às crianças, elas foram incentivadas a imaginarem como a história findaria. Ao solicitar as entrevistas, levei em consideração a história ser complementada pelas crianças, pois tinha claro que se tratava de um adulto interessado no que elas diziam. Quis o tempo todo estar atento às suas falas, lembrando que a motivação para essa atividade era minha e que não partiu dessas crianças. Outra diferenciação que teria de levar em conta foi a da assimetria entre pesquisador e pesquisados. Afinal, eram crianças pobres frente a um adulto que elas desconheciam e teríamos, em princípio, somente aquele encontro. De fato, queria que os testemunhos desses alunos, da experiência vivida, da presença de uma interioridade se tornassem audíveis ao nosso tempo de convívio.

Liguei o gravador, pedi-lhes que cada um deles se apresentasse e em seguida contei-lhes uma fábula de Esopo (620 a.C.): “o rato da cidade e o rato do campo”, de forma que, próximo ao final da história, eles complementariam de acordo com a sua imaginação. A história se passava assim:

Um rato que morava na cidade, pensando em ir ao campo, foi convidado para jantar por outro rato que lá morava.

Este o levou à sua toca e preparou a refeição com coisas do campo, como frutas, ervas e raízes. Disse o rato da cidade ao outro:

- Compadre, tenho pena de você e da pobreza em que vive. Vem morar comigo na cidade e verá a riqueza e a fartura na qual eu vivo. O rato do campo aceitou o convite e lá foram para uma casa grande e rica. Entrando na despensa, comeram boas e abundantes comidas, quando de repente entra o despenseiro e dois gatos atrás deles. Assustados, os ratos correram cada um para seu lado...

O de casa achou logo o seu buraco, e o de fora subiu pela parede, dizendo:

- Fica com a sua fartura, que eu antes quero comer frutas ou raízes no campo, onde não há gato nem ratoeira e se vive sem medo de ser engolido.

Logo após a leitura de: “assustados, os ratos correram cada um para seu lado...”, pedi aos estudantes que complementassem a história. As complementações que vieram foram que os dois ratos fugiram, o rato da cidade foi morar com o rato do campo, o rato do campo nunca mais foi à cidade e preferiu a vida simples e rural, pelo motivo da “vida no campo ser mais livre”, afirmou um deles.

Depois da entrevista com esse grupo de alunos, dirigi-me ao Assentamento Liberdade, pois tinha marcado com Laura para realizar a sua entrevista. Ao chegar ao destino, encontrei vários assentados na entrada, os quais aguardavam um ônibus para levá-los à Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Marcamos um outro dia, mas a referida mulher não pôde me atender. Como já era a terceira vez que nos desencontrávamos, julguei melhor não mais insistir em seu depoimento. A primeira vez foi no dia em que ela chegou ao final da reunião dos pais. A segunda vez foi pelo movimento em prol da reforma agrária, ocorrido na Esplanada dos Ministérios e, por fim, ela se encontrava na cidade, quando da minha visita.

Outro momento de conversa na escola foi o com Fernanda, auxiliar de serviços gerais.

No documento A escola e a opção pelos pobres (páginas 58-62)