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Os educadores da escola urbana

No documento A escola e a opção pelos pobres (páginas 160-162)

Professor Pedro – Jovem professor que trabalhava na escola urbana havia poucos meses. Estudou toda a Educação Básica em escola particular. Percebia a escola em que trabalhava como violenta e os alunos, com comportamentos agressivos. Segundo disse, “a violência está enraizada numa brincadeira, num jogo”. Considerava que os alunos não tinham valores e muitos deles não respeitavam os professores. “Com todo respeito, a cultura dessas pessoas é diferente da bagagem que eu tenho”, reconheceu Pedro. Disse que ainda não se acostumara àquela “cultura escolar” de normas e práticas tacitamente veiculadas sob formas de conhecimentos e condutas incorporadas nas atitudes das pessoas. Falou-me de sua insegurança em relação à escola e da passagem de sua formação acadêmica para a prática docente. Isso me faz confrontar com os estudos de Cavaco (1999), que apontam os primeiros tempos da profissão docente em relação à insegurança e à sobrevivência na carreira, bem como as redes de apoio e de resistência criadas no interior da escola.

Professora Léia – Realizou a Educação Básica em escola pública urbana e se formou em faculdade particular. Morava na comunidade havia quatro anos; via muita violência e drogas no entorno. Não se considerava pobre, mesmo tendo nascido e vivido em comunidade pobre. A resistência em reconhecer-se como uma pessoa pobre pode ser uma aprendizagem decorrente da desqualificação social que cerca a noção de pobreza. De acordo com Paugam (2007, p. 69), as pessoas, “quando vivem em bairros de má reputação, preferem dissimular porque se sentem humilhadas se as comparam com outras pessoas, cujo descrédito” já se conhece. Léia julgou que a pobreza possibilitava a criatividade; ela “ensina você a ser forte, ensina a ser criativo, inventa mil maneiras de viver melhor; com poucos recursos, podemos ser criativos e isso é valor”.

Professora Sônia – Morava em Brasília havia anos; estudou fora do Brasil. Foi aluna de escola confessional católica e estava no serviço público havia 30 anos. Fez

grandes críticas à escola pública, mostrando não acreditar mais que a educação pode transformar as pessoas: “quando comecei, eu pensei que fosse transformar alguma coisa, mas você vai descobrindo que não é bem assim, que a educação, por si, não transforma nada”, expressou desanimadamente a educadora. Para ela, o papel do professor era o de ensinar; reconheceu que a localidade em que a escola se encontrava tinha muita droga e que os alunos dali eram vítimas do abandono social e familiar, típicos da pobreza urbana e produto da “economia da pobreza” (SANTOS, 2009).

Afirmou haver muita indisciplina e desinteresse por parte dos alunos e que alguns deles iam parar no Conselho Tutelar. As circunstâncias em que crianças e adolescentes viviam junto às suas famílias pareciam levá-los à mesma sina de seus familiares: a de permanecerem na pobreza. De acordo com Sônia, a escola “lida com marginal, com delinquente, são vítimas da delinquência e da marginalidade, não estamos preparados para lidar com isso. (...) São os filhos dos filhos da violência urbana; parece até uma sina e nada muda”. Isso pode gerar a dificuldade dessas crianças e adolescentes de permanecerem na escola, atraindo o desestímulo, a exemplo de seus familiares, seja porque a escola não tenha sido suficientemente estimuladora e sedutora para o campo das aprendizagens, seja pelo motivo de essa população pobre ingressar muito cedo no mercado de trabalho e ter de competir com o tempo de escola e do trabalho.

Isso confirma o entendimento de Silva (2004, p. 55), segundo o qual jovens filhos de pais com baixa instrução escolar associada às dificuldades de sobrevivência carregarão a sina de, provavelmente, reproduzir “as mesmas dificuldades que seus pais tiveram para se manter na escola”. Aponto aqui o determinismo fatalista que a sociedade, de modo geral, alimenta em relação à população pobre. Quando a educação formal não consegue romper com esse mito estabelecido da imobilidade social, do preconceito social, nivela-se, por assim dizer, a escola a um padrão dissipador de morte.

Sônia assinalou que a escola pública tinha que resgatar a sua autoridade diante dos alunos pobres, perpassando valores, tais como honestidade, justiça e solidariedade. O seu depoimento pareceu-me coincidir com o ideal da escola humanista, capaz de completar os sonhos individuais e de facilitar a convivência coletiva. Porém, o sistema social vigente opera, contrariamente, ao satisfazer as necessidades socioeconômicas em vista da formação de cada indivíduo como encaminhamento profissional e social, instalando-se, dessa feita, a máquina competitiva e excludente no seio da escola. Além

do mais, valores como honestidade, justiça e solidariedade independem de classes sociais.

Professora Amália – Ensinou em escola particular e percebeu, durante o seu trabalho nessa escola, que os alunos eram mais estudiosos e curiosos, pois os pais eram mais exigentes. Já os alunos da rede pública, a seu ver, seriam acomodados e desinteressados. Para esta professora, o desinteresse deveu-se à falta de exigência por parte dos pais que eram pobres. Portanto, para ela, o ambiente da escola pública não ajudaria ao estudante, desmotivando-o.

De acordo com Amália, as carências existentes na escola ultrapassavam as condições materiais, uma vez que existia carência entre os alunos também no âmbito afetivo. Afirmou haver muitos problemas de drogas na escola e no entorno. Para ela, os pais não acompanhavam seus filhos porque trabalhavam e o lugar de criança era na escola. Por isso, posicionava-se favoravelmente à ideia de a escola ter uma educação integral em tempo integral: “A escola daria mais assistência aos filhos, eles estando aqui na escola do que eles ficando nas ruas ou ficando em casa sem fazer nada, ociosos. Acho que a escola complementaria isso e os alunos ficariam menos nas ruas, ficariam mais dentro da escola”, pensou a professora.

No documento A escola e a opção pelos pobres (páginas 160-162)