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CULTO RELIGIOSO E DEVOÇÃO POPULAR EM PORTUGAL E EM ESPANHA

1. O culto institucional e o apoio da monarquia em Portugal

Pode-se afirmar que o culto a Santo António teve início no momento da sua morte, não esquecendo, contudo, que ainda em vida muitos o procuravam para lhe pedir ajuda na resolução dos mais variados problemas, conforme relatam as fontes atrás referidas.

Em Pádua, apesar da tentativa de ocultar a notícia da sua morte com o objectivo de evitar conflitos, as crianças rapidamente saíram à rua gritando “Morto he o Padre Santo; morto he o S. António.”56 Resolvido o impasse relativamente ao local de sepultar o santo, quando o seu corpo foi levado para Santa Maria de Pádua, a 17 de Junho de 1231, acorreu uma verdadeira multidão para assistir às cerimónias. Todos queriam tocar-lhe com qualquer objecto que servisse depois como lembrança ou relíquia e muitos saravam à sua passagem57. Estes milagres e todos aqueles que foram operados junto do seu túmulo e após a sua sepultura deram consistência ao pedido de canonização, fundamentado igualmente no reconhecimento das virtudes demonstradas ao longo da vida e enviado à Cúria Pontifícia, logo em Julho de 1231.

De imediato, deu-se início ao processo de canonização, provavelmente o mais rápido de sempre58, que culminou a 30 de Maio de 1232, dia do Espírito Santo, em

56 Fr. Fortunato de S. BOAVENTURA (tradução e edição bilingue latim/português), op.cit., p. 77. 57 Há descrições deste tipo de manifestações relativamente a outros santos, nomeadamente à Rainha Santa

Isabel, cujo culto assumiu bastante representatividade e se mantém na memória colectiva. Cf. Maria de Lourdes CIDRAES: “O Mito da Rainha Santa – uma tradição popular e religiosa”, in Revista Lusitana (Nova Série), 19-21, (1999-2001), Lisboa, Centro de Tradições Populares Portuguesas “Prof. Manuel Viegas Guerreiro”, Universidade de Lisboa, 2005, pp. 31-80; Os Painéis da Rainha, Lisboa, Edições Colibri/Câmara Municipal de Estremoz, 2005.

58 Apesar de Santo António ser indicado como o santo que mais rapidamente foi canonizado, Vergilio

GAMBOSO, na nota 9, da página 439, da Assidua, refere o caso do mártir dominicano S. Pedro de Verona, falecido a 6 de Abril de 1252 e canonizado a 9 de Março do ano seguinte. Santo António, franciscano e canonizado em 1232, tornou-se o segundo santo português, depois de São Teotónio, agostiniano, co-fundador do convento de Santa Cruz de Coimbra, canonizado em 1163 e muito associado à fundação da nacionalidade, contribuindo, assim, para o reconhecimento da nação portuguesa enquanto espaço de fé junto da Santa Sé. Aliás, podemos considerar que as rápidas canonizações de ambos se enquadram na acção muito concreta da Igreja Católica relativamente a processos de canonização e de beatificação de figuras religiosas portuguesas.

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Spoleto, quando o Papa Gregório IX inscreveu Santo António no Catálogo dos Santos, entoando-lhe o Te Deum e a Antífona dos Doutores da Igreja. O Papa fixou ainda a sua festa no dia 13 de Junho, o que permitiu que poucos dias depois, aquando do primeiro aniversário da sua morte, em vez de um ofício fúnebre se celebrasse já uma festa em sua honra, em Pádua.

Percebendo-se rapidamente que a ermida de Santa Maria de Pádua era demasiado pequena para o número de devotos que aí se deslocavam, decidiu-se construir, nesse mesmo local, um monumento de dimensão adequada. Em 1237 já existia a Praça do Santo e, em Abril de 1263, o corpo de Santo António foi trasladado para a Basílica, na presença de S. Boaventura que testemunhou a descoberta da língua incorrupta do santo, como prova da sua excepcional eloquência59, relíquia que se encontra guardada em Pádua60. A 14 de Junho de 1310, o corpo foi transferido para o altar que fora entretanto concluído. A 15 de Fevereiro de 1350 abriu-se a urna e fez-se o reconhecimento do corpo que foi encerrado numa nova urna de prata, onde se mantém. Esta cerimónia ficou conhecida como a Trasladação de Santo António, assinalada com festa litúrgica. A actual capela de Santo António ficou concluída em 150061 e conserva no altar-mor a sua imagem representada na estátua da autoria de Donatelo, um dos mais importantes escultores italianos.

Pádua constituiu-se desde cedo como foco irradiador do culto religioso a Santo António, que rapidamente se estendeu a Lisboa, sua cidade natal, bem como ao sul de França e a Espanha. Largamente difundido em Portugal com o apoio da monarquia e no seio da Ordem Franciscana, a partir do século XV assiste-se à propagação do culto um pouco por toda a Europa cristã, facilitada pela imprensa e vindo a receber um notável

59 Marionela GUSMÃO, Álbum Comemorativo do 750º Aniversário da Morte de Santo António (1231- 1981), p. 70.

60

Pe José ROLIM, op.cit., p. 16.

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impulso no século XVI. As determinações decorrentes do Concílio de Trento com vista ao reforço da doutrina católica terão concorrido para a afirmação do culto de Santo António, a par de outros santos. A expansão marítima ajudou à propagação do culto e da imagem do santo por diversas províncias portuguesas, aquém e além-mar62. Pensa-se que esta difusão tenha sido favorecida pela acção dos franciscanos que, aquando dos Descobrimentos, se faziam acompanhar de imagens deste santo ao longo das suas viagens, o que pode justificar a devoção antoniana manifestada para além das (actuais) fronteiras de Portugal, de Espanha e da Europa. Com efeito, é possível encontrar centros de devoção a Santo António em diferentes partes do mundo que ainda hoje apresentam marcas do seu culto, concretamente através da iconografia, muitas vezes sujeita a apropriação da sua figura por parte da cultura em que passou a integrar-se, miscigenando-se com divindades locais. Santo António transforma-se e pode ser o “negro, ou o indu ou o de tradição afro-brasileira”63

, como podemos verificar através da representação africana oriunda do Congo que se encontra actualmente no Museu Nacional de Arte Antiga (Anexo I, Figura 44).

De acordo com estudos empreendidos na década de 80 do século passado no seio da Ordem Franciscana, é possível encontrar ainda viva a presença e a devoção antonianas nos cinco continentes64. Na Europa são conhecidos fortes núcleos de devoção em Inglaterra, Holanda, Bélgica, Suiça, Luxemburgo, Áustria, Alemanha, Bósnia e Croácia. Em África, podemos encontrar a tradição do culto antoniano em Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné. No continente asiático deve-se referir também, como exemplos de locais de devoção antoniana, Singapura, Jerusalém, Goa e

62 Isabel M. R. Mendes Drumond BRAGA e Paulo Drumond BRAGA, “Santo António na Terra e Santo

António no Mar: Breve Estudo das Invocações Antonianas”, in AA.VV., Actas do Congresso

Internacional Pensamento e Testemunho: 8º Centenário do Nascimento de Santo António, 2º Vol., p.

1046.

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Mª de Lourdes Sirgado GANHO, O essencial sobre Santo António de Lisboa, p. 54.

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Macau. Na Austrália, Santo António goza ainda de grande popularidade. No Brasil é muito forte a devoção antoniana, bem como em outros pontos da América Latina.

Note-se o caso do Convento de San Antonio, em Izamal, de forte tradição religiosa, no centro da península de Yucatán, no México, estabelecido no lugar onde existira anteriormente um centro cerimonial maia. Este majestoso convento, fundado em 1549 pelo padre Fray Diego de Landa conjuntamente com os missionários franciscanos, possui um enorme átrio, apenas superado pelo de São Pedro no Vaticano, e foi sede da cerimónia dirigida por Sua Santidade o Papa João Paulo II quando, de visita ao México, reuniu diferentes grupos étnicos, o que demonstra que este templo continua a exercer a sua missão ecuménica.

Na verdade, a devoção antoniana ultrapassa os limites do mundo católico e estende-se a confissões religiosas cristãs não católicas (protestantes e ortodoxas) e a religiões não cristãs, como o islamismo ou o budismo. Assim, encontramos santuários em locais inesperados como Istambul (Turquia), Lac-Sebaste (Albânia), Asmara (Etiópia), Colombo (Sri-Lanka), Karachi (Paquistão)65.

Em Portugal, conta-se que no momento em que se procedia à canonização de Santo António em Itália, os sinos das igrejas de Lisboa começaram a tocar em uníssono, como sinal da preferência do santo pela sua cidade natal, motivo pelo qual se “hedificou homrradamente ho altar mayor da igreja cathedral em onor de samto Amtonio”66

e se erigiu um templo sobre a casa onde nasceu, que tem sofrido várias remodelações ao longo dos tempos e que é actualmente denominado Igreja-Casa de Santo António de Lisboa.

Neste espaço, que corresponde ao quarto onde supostamente terá nascido Santo António e que foi convertido em local de culto religioso, funcionava a Casa

65

Henrique Pinto REMA, “A piedade popular e Santo António”, Cultura, p. 33. 66 José Joaquim NUNES, op.cit, Vol. I, p. 264.

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Consistorial da Cidade de Lisboa onde reuniu o Senado entre 1339 e 175367. Embora as diferentes fontes se refiram indistintamente a este local de culto como capela, oratório, igreja ou ermida, Jorge Cardoso indica que em 1431 já aí existia uma igreja para onde foram trasladados os restos mortais da mãe de Santo António, que se encontram actualmente no Mosteiro de São Vicente de Fora. Uma capela anexa à casa do santo é mencionada numa Bula do Papa Eugénio IV, de 1433, que atesta também a existência de uma Confraria68.

Os templos de culto em honra de Santo António foram-se multiplicando por todo o território e em escalas bastante desiguais, desde pequenas ermidas a imponentes edificações. As diferentes ordens religiosas foram responsáveis pela fundação de mosteiros e conventos sob a advocação do santo, associados muitas vezes à prestação de cuidados de saúde, facto que está na origem da abundante existência, até à actualidade, de equipamentos como hospitais, hospícios, casas de repouso, lares, entre outros, dedicados a Santo António.

Por outro lado, a coroa portuguesa mostrou desde cedo grande devoção pelo santo. Ao que parece, D. Sancho II aderiu de imediato ao seu culto, tendo sido amortalhado com um traje de franciscano, a seu pedido, como forma de venerar o santo69. Com a dinastia de Avis, a monarquia intensificou os seus laços de devoção a Santo António, certamente dentro de uma estratégia política, para agradar à população lisboeta. Uma iluminura quatrocentista com a representação do santo consta no Livro

de Horas de D. Duarte70. O culto a Santo António recebeu um forte impulso quando,

67 Gabriella de Barbosa TEIXEIRA, “Algumas notas histórico-críticas sobre a Igreja de Santo António”,

in AA.VV., Igreja de Santo António, p. 43. No entanto, o Pe ROLIM, in Santo António de Lisboa, p. 30, e Irisalva MOITA, “Do culto e das festas de Santo António em Lisboa”, in A.VV., O Santo do Menino

Jesus: devoção e festa, p. 26, referem que em 1326 já aí funcionava a Casa do Senado Camarário de

Lisboa.

68 Ibidem, p. 43.

69 Irisalva MOITA, op.cit., p. 23. 70

Dagoberto Lobato MARKL, “Livro de Horas de D. Duarte”, in AA.VV., O Santo do Menino Jesus.

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em 1428, o Infante D. Pedro trouxe, de Pádua, uma relíquia constituída por uma parte do crânio do santo, que se encontra num relicário na Sé de Lisboa71. Note-se que o crânio de Santo António se encontra, aparentemente intacto, na Capela das Relíquias em Pádua, juntamente com a sua língua incorrupta e parte do aparelho fonador, entre outros elementos.

Há notícia de um contrato celebrado entre a Infanta D. Isabel, Duquesa de Borgonha, e o Senado de Lisboa, em 1471, pelo qual é instituído in perpetuum o encargo pio de rezar uma missa diária e um solene aniversário por alma do Infante D. Fernando, seu irmão72. Não se sabe concretamente até quando se cumpriu esta determinação. Sabe-se que em 1877 ainda se celebravam missas por intenção do Infante Santo73, mas actualmente tal prática já não consta dos ofícios diários da igreja. D. Afonso V, antes de partir para a conquista de África, dirigiu as suas preces a Santo António e não a S. Vicente, como seria de esperar e era habitual entre os monarcas, já que este era o santo padroeiro da família real portuguesa e de Lisboa. Alcançados os seus intentos, em 1472, D. Afonso V presenteou a igreja com uma porta de bronze trazida de Tânger e, entre 1470 e 1474, mandou construir o Convento do Varatojo, às portas de Torres Vedras, que colocou sob a invocação de Santo António e que se tornou o local privilegiado dos retiros espirituais do monarca74, para além de ter vindo a constituir-se como um importante núcleo de formação franciscana na região centro e litoral do país, com repercussões também na difusão do culto antoniano nesta zona e a partir desta época.

71 Irisalva MOITA, op.cit., p. 24.

72 Gabriella de Barbosa TEIXEIRA, op.cit., p. 43. 73

Marionela GUSMÃO, op.cit, p. 108.

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Terá sido igualmente no período quinhentista que a Igreja de Santo António, em Lisboa, enquanto local de culto, terá começado a ganhar “importância dentro do tecido urbano, assumindo-se como um dos eixos da vida cívica e religiosa da cidade”75.

D. João II e a rainha D. Leonor foram grandes devotos de Santo António, que ocupa um lugar de destaque no Breviário da rainha76. Ambos os monarcas ficaram bastante ligados ao culto que se prestava na igreja de Santo António, tendo a rainha chegado a dirigir um pedido ao Senado, no sentido de aí mandar fazer procissões e devoções por vida e saúde do rei, numa ocasião em que este se encontrava doente. Parece que foi até em cumprimento de uma promessa que o próprio D. João II, em 149377 ou 149578, manifestou o desejo de construir um oratório no local da casa onde nascera Santo António, tendo chegado a propor à Câmara de Lisboa que ali erguesse um templo79. Não tendo conseguido ver concretizado este seu desejo, deixou em testamento o dinheiro e o encargo, a partir dos quais D. Manuel I, cuja devoção por Santo António pode ser atestada também no seu Livro de Horas80 (Anexo I, Figura 1), concluiu a construção do templo, insuficiente para abarcar a crescente devoção a Santo António.

A crescente importância do culto antoniano foi-se manifestando, nomeadamente, no facto de António se ter tornado, o nome masculino mais popular e frequente, ultrapassando o de João, na região de Lisboa81, escolhido pelas famílias, confiantes na protecção do santo, para os seus filhos e afilhados.

Mas a devoção a Santo António foi-se estendendo a todo o território e começaram a surgir igrejas, conventos e hospícios sob a sua invocação, reflectindo o número crescente de devotos espalhados por todo o mundo português, e também

75 Gabriella de Barbosa TEIXEIRA, op.cit., p. 45.

76 Mário MARTINS, “O Breviário Franciscano da Rainha D. Leonor”, Brotéria, 72, pp. 512, 520 e 521. 77

Mário Gonçalves VIANA, Santo António de Lisboa, p. 30.

78 Gabriella de Barbosa TEIXEIRA, op.cit., p. 108. 79 Irisalva MOITA, op.cit., p. 24.

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Dagoberto Lobato MARKL, op.cit., p. 139.

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espanhol, aumentado em resultado da expansão marítima. O pujante Siglo de Oro espanhol dignificou o culto antoniano, sobretudo no período da unificação das coroas.

O nacionalismo restauracionista da dinastia de Bragança contribuiu para a solidificação do culto antoniano, ao longo da segunda metade do século XVII e durante o século XVIII. D. João V destacou-se pela forma como quis elevar Portugal no contexto europeu setecentista, promovendo os valores nacionais, nomeadamente através de uma inteligente política de formação e intercâmbio no campo das artes e das letras, que fomentou ao apoiar quer a deslocação de artistas portugueses ao exterior, principalmente a Itália, quer a recepção de artistas estrangeiros em Portugal “para a edificação dos seus faustosos projectos”82

, subsidiados essencialmente pelo ouro vindo do Brasil. Um caso exemplar é o programa artístico e arquitectónico de Mafra.

Com efeito, pode-se considerar que o culto antoniano atingiu uma dimensão extraordinária no século XVIII, com D. João V, cuja enorme devoção por Santo António se manifestou na construção da grandiosa Basílica de Mafra, “a mais monumental, no mundo, de todas as edificações em louvor de Santo António”83

, juntamente com o Palácio e o Convento, como forma de agradecimento pelo nascimento de um herdeiro para o trono de Portugal. Constituindo, assim, o maior ex-voto dedicado a Santo António, este templo foi mandado construir em 1711 e a primeira pedra foi lançada a 17 de Novembro de 1717, pelo próprio monarca, que viria a presidir à inauguração da igreja dedicada a Nossa Senhora e a Santo António, em 1730. As obras de construção do edifício, envolvendo a Igreja, o Palácio e o Convento, prolongaram-se pelos dois reinados seguintes. É de notar que a construção deste conjunto veio ao encontro dos anseios da Ordem Franciscana no sentido de reforçar a sua acção, estabelecendo-se numa região pobre e árida com o intuito de estimular a devoção dos

82

António Fialho de BRITO, Lisboa de Santo António, p. 78.

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camponeses e de expandir a dimensão do franciscanismo, geralmente associado ao culto antoniano.

Foi no reinado de D. João V que o culto antoniano atingiu o auge do seu esplendor em todo o país e principalmente na Real Casa de Santo António, remodelada e enriquecida em 1728 e onde se celebravam anualmente 31.800 missas, ultrapassando a própria Sé como centro de devoção lisboeta84. Nela se instituiu, em 173085, uma Colegiada com capela musical86, cujo reportório era abundante e rico em qualidade, de acordo com as manifestações de grande magnificência que o culto a Santo António implicava.

Foi ainda na primeira metade do século XVIII que se deu início a um programa profundo de remodelação da capela e do Convento de Santo António dos Olivais, em Coimbra, local emblemático do percurso religioso do santo, por ter sido aí que professou na Ordem Franciscana, antes de partir para Marrocos em 1220. Nesse tempo, o templo encontrava-se ainda sob a invocação de Santo Antão, conforme tinha sido cedido por D. Urraca, esposa do rei D. Afonso II, aos franciscanos recentemente chegados a Portugal. Após a canonização de Santo António, foi colocado o modesto convento sob a sua invocação. Porém, em 1247, os franciscanos estabeleceram-se no amplo Convento de São Francisco, junto à Ponte de Santa Clara, deixando o pequeno templo na posse do cabido catedralício. Em finais do século XV, teve que ser ampliado devido ao aumento do número de devotos que aí acorriam, procurando em particular o local que correspondia à cela onde tinha vivido Santo António. As obras realizadas no século XVIII vieram conferir à igreja, à sacristia e ao espaço envolvente as características que mantêm, tornando este templo uma jóia artística, especialmente pelos painéis de azulejos (Anexo I, Figura 84) e pelas pinturas que representam

84 Pe ROLIM, Santo António de Lisboa, p. 38. 85

Ibidem.

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episódios da vida e da taumaturgia de Santo António, das quais se destaca a tela que retrata o momento da mudança de hábito, assinada por Pascoal Parente e datada de 1796 (Anexo I, Figura 23).

Neste mesmo ano, deu-se início à reedificação da Igreja de Santo António de Lagos, arrasada pelo terramoto de 1755. As obras foram encomendadas por Hugo Beaty, irlandês instalado em Lagos desde a guerra com Espanha e Comandante do Regimento de Infantaria de Lagos, que administrava a Confraria de Santo António, existente desde 1702. Trata-se de outra jóia no panorama artístico de tema antoniano, destacando-se o notável trabalho em talha dourada que emoldura as pinturas atribuídas ao pintor louletano F. J. Rasquilho e que retratam cenas da vida e da taumaturgia do santo (Anexo I, Figura 25). Versando o mesmo tema encontram-se as pinturas setecentistas, atribuídas a André Gonçalves87, que forram também a parte superior das paredes e o tecto da Capela de Santo António da Igreja da Madre de Deus, em Lisboa (Anexo I, Figuras 18 e 19).

Verifica-se que em meados do século XVIII são já muitos, de dimensões razoáveis e artisticamente dotados os templos sob a invocação de Santo António que servem para receber o cada vez maior número de devotos que procuram assistir às cerimónias religiosas em sua honra. Com efeito, estava instalado o hábito de celebrar anualmente duas datas importantes no calendário antoniano: o dia 15 de Fevereiro, com a Festa da Trasladação do corpo do santo, e o dia 13 de Junho, dia da sua morte. Às