• Nenhum resultado encontrado

O direito à saúde e o acesso aos medicamentos

A relação de continência entre o direito à vida e o direito à saúde e entre eles e o direito ao acesso aos medicamentos, produtos farmacêuticos da mais alta relevância, já ficou evidenciada pela exposição feita até aqui acerca dos direitos humanos fundamentais à vida e à saúde, consagrados pela Constituição brasileira.

Ora, como conceber políticas sociais e econômicas e ações e serviços públicos de saúde que possam prevenir os riscos de agravo à saúde e recuperar os cidadãos das doenças que os acometem sem ter em mente o acesso a medicamentos?

110 Letra “d” do § 2º do artigo 12. 111 Item 17.

Como se pautar pela garantia do atendimento integral sem assegurar o fornecimento dos medicamentos necessários?

Esta essencial relação também foi reforçada pelas letras do artigo 12 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, cujo alcance foi delineado pela Observação Geral n. 14, e do artigo 10 do Protocolo de San Salvador.

A respeito da fundamentalidade do direito ao acesso aos medicamentos, bem como sua relação com outros direitos humanos fundamentais, em especial com o direito à saúde, o professor Xavier Seuba ensina que:

Atualmente, há muitos instrumentos normativos e órgãos de implementação, tanto nacionais como internacionais, e já são muitos os tribunais e leis que têm protegido e garantido o acesso aos produtos farmacêuticos argüindo distintos direitos fundamentais, direitos tão distintos como o direito à vida, à liberdade de movimentos, o direito à saúde e o direito de participar do progresso científico e técnico. Entre os direitos argüidos para garantir o acesso a produtos farmacêuticos sobressai o direito à saúde, pelo qual se entende o direito ao mais alto nível possível de saúde física e mental e que remete a uma série de obrigações estatais, tanto de caráter negativo como positivo.112

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os medicamentos constituem um tema complexo, que envolve muitos interesses – políticos, sanitários, sociais, entre outros. Por esta razão, a OMS recomenda que os países formulem e implementem uma política nacional de medicamentos (PNM), que deve promover a eqüidade e a sustentabilidade do setor farmacêutico, tendo como principais objetivos a promoção do acesso, da qualidade e do uso racional de medicamentos.113

Ao longo da história, os medicamentos tiveram sua utilização relacionada à magia, à ciência, à saúde e, mais recentemente, embora de modo determinante, ao

112 Acceso a Medicamentos como Derecho Humano. Impacto de las Disposiciones ADPIC-plus.

113 OMS (Organização Mundial da Saúde), 2001. How to implement and develop a national drug policy. Second

mercado. Com o passar do tempo, a ciência passou a ser utilizada no processo de produção de medicamentos, que se tornaram mais eficientes com o advento de novas tecnologias. A partir da Revolução Industrial, as indústrias farmacêuticas registraram crescimento impressionante, tornando-se megacorporações.

Atualmente, podemos dizer que ciência e mercado passaram a ter pesos semelhantes no setor de medicamentos. O peso econômico e mercadológico, adquirido ao longo dos anos, por vezes coloca a saúde das pessoas em segundo plano, quando esta deve ser o objetivo principal e último dos medicamentos e daqueles que se dedicam, por meio de pesquisas e investimentos, a aperfeiçoá-los, a descobri-los e mesmo a comercializá-los.114

Por ora, basta pontuar que os medicamentos são insumos de extrema relevância para os seres humanos. Para os médicos, são instrumentos terapêuticos essenciais, e para os pacientes muitas vezes vitais.115 Ressaltando tal importância pontua Ginés González García:

Nada valoriza a gente mais do que o medicamento. De maneira tal que, se ele não está assegurado às pessoas que o necessitam, a percepção social é de injustiça mais do que mera desigualdade. Seguramente, nada mais é vivido como uma injustiça social inaceitável, diferentemente da posse ou carência de outros bens, do que a persistência do sofrimento ligado à enfermidade pela carência do medicamento que aliviaria os sintomas ou curaria a

114

GARCÍA, Ginés González. Medicamentos – Ese raro objeto entre la ciencia, el mercado y la magia. Acceso a

Medicamentos: Derecho Fundamental, Papel del Estado. ZEPEDA BERMUDEZ, Jorge Antonio (org.). Rio de Janeiro: ENSP, 2004, p. 13 e ss. Tradução livre. Para o autor, “podemos dizer que estamos vivendo a era da ciência, mas quase em idêntica proporção afirmar que estamos vivendo na civilização do mercado, o grande triunfador ideológico dos últimos anos. É o supermercado mundial onde os medicamentos são uma estrela de primeiro nível. Há 50 anos, no ranking de rentabilidade, a taxa de ganâncias das indústrias farmacêuticas mais importantes nunca foi inferior a 20% por ano. Esta megaindústria que cresce de maneira impressionante na verdade sempre teve um componente de mercado, o que tem ocorrido nos últimos anos é que justamente este componente de mercado passou a governar o todo”. Sendo assim, pontua: “[...] se o mercado continua com esta posição e está claro que o fará, é evidente que o ator chamado a buscar soluções é o Estado, não apenas como organizador social, mas também como garantidor das igualdades que se devem tomar como ponto de partida para uma sociedade democrática” (Acceso a

Medicamentos: Derecho Fundamental, Papel del Estado, cit., p. 16 e 21. Tradução livre).

115 A Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – define medicamento como produto farmacêutico,

tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico. Esta definição é encontrada na Lei n. 6.360/76, que dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, e outros produtos e em resoluções da Agência.

enfermidade.116