• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I Princípios fundamentais da política urbana na Constituição Federal

1.5. Funções sociais da cidade

1.5.6. O direito à moradia como função social das cidades

A moradia integra o conceito de direito à cidade e figura como foco central desta dissertação. Nessa linha de pensamento, concorda-se com o entendimento de Ligia MELO, a seguir transcrito, que reflete bem a intenção de classificar a moradia urbana como elemento para cidades justas, democráticas e sustentáveis:

O direito à cidade está positivado na Constituição Federal no capítulo da Política Urbana. Sob tal perspectiva, o rol de direitos fundamentais que foi incorporado por nosso ordenamento constitucional, incluindo o direito à moradia expressamente e a descrição do capítulo sobre a Política Urbana, arts. 182 e 183, tratando das funções sociais da cidade, identificando qual instrumento normativo definirá a função social da propriedade no Município, como se dá a aquisição da propriedade para fins de moradia e quais as sanções aplicadas no caso de violação de tais normativas, compõem o arcabouço constitucional do direito à cidade, baseado em princípios de solidariedade, justiça social, igualdade e dignidade, o que inclui o respeito às diferenças de toda ordem e o equilíbrio da relação entre urbano e rural, ambos pertencentes ao território da cidade. O direito à cidade tem no direito à moradia adequada grande parte de sua configuração, sendo fundamental para a sua realização que o acesso à moradia esteja à disposição de quem dela necessite. Ou seja, não há que se falar em direito à cidade quando um

preservação ambiental - área verde - nem mesmo de que se trata de área pública, havendo, inclusive, diversas outras moradias no local, e, diante da presença de um direito fundamental social - direito à moradia, deve este prevalecer frente ao direito a um meio urbano ordenado. Apelação desprovida. (TJRS - AC 70022505044 – Bagé - Segunda Câmara Cível - Rel. Des. Arno Werlang - DJ 06/05/2009 - DOERS 20/05/2009).

município possui grande número de pessoas sem ter onde morar, sem moradia adequada.191

De pleno acordo com esse raciocínio, entende-se que a moradia é elemento de extrema importância na consecução do direito fundamental à cidade imaginado pelo constituinte originário, em que o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade através do planejamento urbano e do cumprimento da função social da propriedade tem como finalidade o bem-estar dos habitantes, mediante a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como acesso à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, aos transportes e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, às presentes e futuras gerações.

Por fim, vale transcrever a opinião de Nelson SAULE JUNIOR, ao afirmar que o direito à moradia dos habitantes é o núcleo central do direito a cidades sustentáveis, e que a violação do direito à moradia com o desatendimento às necessidades básicas das pessoas que vivem nos assentamentos informais, do direito à moradia coletivo dos grupos vulneráveis (loteamentos, conjuntos habitacionais, favelas, cortiços, ruas e avenidas), do direito à moradia coletivo de comunidades com identidade histórica e cultural em determinadas regiões e do direito à moradia a serem adotados nos projetos e urbanização dos assentamentos informais nos padrões de uso, ocupação e edificação de acordo com os usos e costumes da comunidade, deságua na violação do direito às cidades sustentáveis e na ilegalidade das políticas públicas que contrariarem esses direitos.192

191 MELO, Lígia. Direito à moradia no Brasil: política urbana e acesso por meio da regularização fundiária. – Belo Horizonte:

Fórum, 2010, p. 32.

Capítulo II

Direito fundamental social à moradia

2.1. Direito à moradia nas Constituições e nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos

A inserção gradual do direito à moradia nas constituições dos Estados e nos Tratados Internacionais de Direitos Humanos é resultado da positivação dos direitos sociais em âmbito internacional, verificada a partir do século XX. Essa positivação não impede argumentos contrários à justiciabilidade dos direitos sociais, como a indeterminação do conteúdo do direito, além de outros já vistos, mas representa um marco fundamental de reconhecimento dos direitos voltados à satisfação dos meios necessários à existência digna dos seres humanos. Segundo Gerardo PISARELLO, grande parte das constituições e ordenamentos jurídicos do planeta estabelecem obrigações distintas dos Estados em relação ao direito à moradia. O autor afirma que a metade deles reconhece o direito à moradia de forma específica dentro do ordenamento jurídico, elegendo-o como um elemento essencial ao gozo dos demais direitos fundamentais, tais como a vida, a dignidade, a igualdade e a privacidade, e que quase todas as constituições modernas reconhecem ainda que implicitamente o direito à moradia.193

Esse movimento de positivação do direito à moradia teve origem na Organização Internacional do Trabalho (OIT), no início do século XX, e contribuiu para a visibilidade jurídica dos conflitos habitacionais à época. Em 1919, a Constituição de Weimar dedicou um artigo específico ao tema e de forma pioneira, estabelecendo que o Estado fiscalizasse a utilização do solo, a fim de impedir o abuso e propiciar a todo cidadão uma moradia saudável e a todas as famílias, principalmente as numerosas, uma moradia e um patrimônio que correspondesse às suas necessidades.194

Ao exemplificar a constitucionalização do direito à moradia, o referido autor afirma que a Constituição espanhola de 1978 o fez de maneira mais restrita, mas ao menos identificou objetivos claros ao legislador, ao dispor sobre o dever de utilizar o solo de acordo com o interesse geral, o dever de impedir a especulação e de outorgar direitos de participação

193 PISARELLO, Gerardo. Vivienda para todos: um derecho em (de)construcción. El derecho a uma vivienda digna y

adecuada como derecho exigible. Observatório de Derechos Humanos (DESC). Icaria Editorial: Barcelona, 2003, p. 43.

da comunidade nas ações urbanísticas dos entes públicos. Já a Constituição portuguesa de 1976, consagrou no texto o direito à moradia de um tamanho adequado, com níveis satisfatórios de higiene e comodidade e que preserve a intimidade pessoal e familiar, além de estabelecer diversos deveres ao Estado em matéria urbanística, dos quais destacamos o dever de permitir o acesso à propriedade da moradia, sempre que possível.195

Na América Latina, o direito à moradia é reconhecido constitucionalmente por muitos países. No Equador, México e Uruguai, o direito à moradia é reconhecido como direito fundamental e concedido pelo Estado. No Peru e na Nicarágua, o direito à moradia está associado à garantia de inviolabilidade do lar. Na Bolívia, Costa Rica e no Paraguai, é previsto como dever do Estado. Na Colômbia, o direito à moradia é um precedente da dignidade da pessoa humana. Na Venezuela, o direito à moradia constituiu uma obrigação do Estado e dos cidadãos a ser implementada progressivamente. Por fim, na Argentina, o direito à moradia deve ser interpretado à luz dos instrumentos internacionais de direitos humanos.196

No Brasil, antes mesmo da Emenda Constitucional nº 26/2000, que introduziu o direito à moradia no artigo 6º, da Constituição Federal de 1988, conferindo-lhe status de direito fundamental social, o direito à moradia era protegido de forma esparsa pelo texto constitucional197 e reconhecido, expressamente, por algumas decisões proferidas pelos Tribunais pátrios.198

Ao comentar o regramento constitucional brasileiro, PISARELLO observa que o direito à moradia recebe extenso tratamento não só no que diz respeito ao seu conteúdo, como também no nexo estabelecido com outros direitos sociais e civis básicos, o que torna a Constituição brasileira uma das mais garantistas da América Latina em relação aos direitos habitacionais, ao menos no plano formal.199

195 I PISARELLO, Gerardo, Idem, p. 47/48.

196 OSÓRIO, Letícia Marques. Acesso à terra e legislação na América Latina, p. 88.

197 Nesse sentido, confira-se a obra de Eliana Maria Barreiros AINA, onde relata que o Parecer nº 279, de 1997, proferido

pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidade sobre a Proposta de Emenda Constituição nº 28, de 1996 (posteriormente aprovada como EC nº 26/2000), reconhecendo a existência do direito à moradia no texto constitucional antes da referida Emenda, nos seguintes termos: ―Por outro lado, é bom anotar que o direito à moradia está consignado na Lei Maior de 05 de outubro de 1988, se não no art. 6º, em outros dispositivos do Estatuto Supremo. Assim, o art. 23, IX, da Constituição Federal, estabelece que é da competência comum da União, dos Estados e dos Municípios promover programas de construção de moradia e a melhoria das condições habitacionais e do saneamento básico. No mesmo rumo do reconhecimento da importância do direito à moradia é que o art. 7º da Carta Magna preceitua, no seu inciso IV, que o salário mínimo deverá ser capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Como conclusão, ante o exposto, votamos pela aprovação da Proposta de emenda à Constituição nº 28, de 1996‖. (O direito à moradia nas relações privadas. - Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 66).

198 STJ – REsp nº 213.422 - BA – Primeira Turma – Rel. Min. José Delgado – 19/08/99 – DJ 27/09/99. 199 Idem, p. 48/49.

O direito à moradia também é protegido pelos Tratados Internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil e, por este motivo, essas normas integram o arcabouço jurídico nacional, por força do artigo 5º, §2º, da Constituição Federal.

No sistema global de proteção dos Direitos Humanos (ONU), a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, inseriu a moradia (habitação) no inciso XXV, item 1, ao tratar do direito de todos os cidadãos a um padrão de vida adequado.200

O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966 (PIDCP) dispôs expressamente sobre o direito à moradia no artigo 17, ao proteger a inviolabilidade do domicílio. Da mesma forma, o Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966 (PIDESC), cujo maior objetivo foi expandir o rol de direitos e conferir obrigatoriedade à Declaração Universal de Direitos Humanos em relação aos direitos sociais, previu expressamente o direito à moradia como direito humano.201 Nas palavras de Nelson SAULE JUNIOR:

O artigo 11 deste Pacto contém o principal fundamento de reconhecimento do direito à moradia como direito humano, do qual gera, para os Estados- partes signatários, a obrigação legal de promover e proteger esse direito, sendo este o principal fundamento para o Estado brasileiro ter essa obrigação e responsabilidade, uma vez que o Brasil ratificou não somente esse Pacto, mas também o de Direitos Civis e Políticos no ano de 1992.202

O direito à moradia também foi incluído em outras Convenções Internacionais de Direitos Humanos, em especial naquelas que tratam da proteção especial de grupos e pessoas vulneráveis como a Convenção Internacional Sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 (artigo 21), a Convenção Internacional de Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965 (artigo V, e, iii), a Convenção Internacional de Proteção dos Trabalhadores Migrantes e Membros de sua Família de 1977 (artigo 43), a Convenção de Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher de 1979 (artigo 14.2, h), e a Convenção Sobre os Direitos da Criança de 1989 (artigo 21, item 3).203

200 SAULE JUNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares, p. 89/90.

Inciso XXV, item 1 - Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou em outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora do seu controle.

201 Artigo 11 - Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si

próprio e para a sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.

202 Idem, p. 90. 203 Idem, p. 90.

As Conferências das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – HABITAT I e II realizadas, respectivamente, em Vancouver, no Canadá (1976) e Istambul, na Turquia (1996), também contribuíram de forma decisiva para a inclusão do direito à moradia como humano e definição do seu conteúdo, assim como fizeram a Declaração sobre o Desenvolvimento (1986) e a Agenda 21 (1992).204

Vale destacar, com apoio na lição de SAULE JUNIOR, que o artigo 43 da Declaração de Istambul sobre Assentamentos Humanos, definiu o conteúdo de habitação adequada como sendo mais do que um telhado sobre a cabeça. Conforme exposto pelo autor, em síntese, habitação adequada significa adequada privacidade, adequado espaço, acesso físico, adequada segurança incluindo a garantia de posse, durabilidade e estabilidade da estrutura física, adequada iluminação, aquecimento e ventilação. Adequada infraestrutura básica, fornecimento de água, saneamento e tratamento de resíduos, apropriada qualidade ambiental e de saúde, adequada localização com relação ao trabalho e a serviços básicos, com um custo acessível para todos.205

Além desses documentos internacionais, o Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (Comitê DESC), editou o Comentário Geral nº 4 sobre moradia adequada, em 1991, tendo por fundamento o artigo 11, do PIDESC. Esse Comentário Geral é a interpretação mais impositiva no sistema de direitos humanos em relação ao direito à moradia adequada, eis que fornece uma definição clara desses direitos e dos princípios que o informam, e serve como base para incorporação do direito à moradia dentro do sistema de direitos humanos nacionais.206

De início, vale assinalar que o Comentário Geral nº 4 reconhece no artigo 11, do PIDESC, o mais abrangente e, talvez, a mais importante provisão de direitos humanos sobre moradia adequada, conforme o disposto na seção 3. Em seguida, o referido Comentário Geral estabelece diversos princípios em relação ao direito à moradia adequada, identificados a seguir:

Na seção 6, o Comentário Geral explicita o princípio da universalidade e não- discriminação ao analisar o disposto no artigo 11, do PIDESC, concluindo que o direito habitação aplica-se a todas as pessoas, cujo gozo não deve estar sujeito a qualquer forma de

204 Para maior detalhamento sobre as Declarações nas Agendas Globais das Nações Unidas: SAULE JUNIOR, Nelson. A

proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares, p. 119/132.

205 Idem, p. 124.

discriminação. Essa seção aduz que as expressões ―a si próprio e sua família‖ contidas no artigo 11, do PIDESC, devem ser interpretadas de maneira ampla e irrestrita no tocante à aplicabilidade do direito aos indivíduos ou a domicílios chefiados por mulheres ou outros grupos.

Nas seções 7 e 9, o Comentário Geral conclui que o direito à moradia é interdependente e indivisível em relação aos outros direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, constituindo expressão dos princípios da dignidade da pessoa humana e da não-discriminação, e deve ser assegurado a todas as pessoas independentemente da renda ou do acesso a recursos econômicos.

A seção 11, por sua vez, complementa o disposto nas seções anteriores, entendendo que os Estados têm o dever de dar prioridade aos grupos sociais que vivem em condições desfavoráveis, inclusive na formulação de políticas públicas e legislativas, sendo que o ―declínio geral nas condições de vida e habitação, diretamente atribuíveis a decisões políticas e legislativas pelos Estados-partes e à falta de medidas compensatórias que se façam acompanhar, seria inconsistente com as obrigações assumidas no Pacto‖.

Na seção 14, o Comentário Geral estabelece que o monitoramente da situação referente à habitação é outra obrigação de efeito imediato aos Estados signatários do PIDESC. O Comentário Geral nº 4 dispõe, ainda, na seção 17, que o direito à moradia adequada só pode ser considerado consistente quando precedido da disponibilização de remédios jurídicos voltados à sua justiciabilidade, dos quais destacamos, em especial, a provisão de apelos jurídicos, objetivando evitar demolições planejadas através da emissão de uma contra ordem judicial (alínea a), vez que a seção 18 considera que os despejos forçados são incompatíveis com o PIDESC, salvo quando justificados nas condições mais excepcionais e estiverem de acordo com os princípios relevantes da legislação internacional, que serão verificadas ao analisarmos o Comentário Geral nº 7, do mesmo Comitê DESC.

Portanto, em resumo aos princípios elencados acima, vê-se que o Comentário Geral nº 4 estabelece impositivamente aos Estados signatários do PIDESC o dever de propiciar o acesso universal e não-discriminatório ao direito à moradia, de reconhecer tal direito de forma interdependente e indivisível de todos os outros direitos humanos, de promover políticas públicas e legislativas, dando prioridade aos grupos social e economicamente vulneráveis, de monitorar a situação da moradia no âmbito interno, de assegurar remédios jurídicos à

justiciabilidade do direito à moradia e, por fim, de coibir todo e qualquer despejo forçado que não estiver em consonância com o regramento de direitos humanos.

Tais dispositivos já justificariam a classificação do Comentário Geral nº 4 como normativa internacional mais completa e importante em relação ao direito humano à moradia no âmbito internacional. Todavia, além dos princípios, o Comentário define criteriosamente o conteúdo do direito humano à moradia adequada nas seções 7 e 8, a partir da seguinte constatação contida na seção 7:

Segundo o ponto de vista do Comitê, o direito à habitação não deveria ser interpretado em sentido estrito ou restrito que o equipara com, por exemplo, o abrigo provido meramente de um teto sobre a cabeça dos indivíduos ou julga o abrigo exclusivamente como uma mercadoria. Diferentemente, isso deveria ser visto mais propriamente como um direito a viver, onde quer que seja, com segurança, paz e dignidade.

Deste norte interpretativo, o Comitê DESC elege sete aspectos indispensáveis à caracterização do conceito de moradia adequada pelo artigo 11, do PIDESC. São eles: a) segurança legal de posse; b) disponibilidade de serviços, materiais, facilidades e infra- estrutura; c) custo acessível; d) habitabilidade; e) acessibilidade; f) localização; g) adequação geral.

A segurança na posse pressupõe que os Estado adotem medidas imediatas com o objetivo de conferir segurança jurídica sobre pessoas e domicílios em que falta proteção legal contra despejos forçados, pressões incômodas e outras ameaças, extensiva à locação (pública e privada), acomodação, habitação cooperativa, arrendamento, uso pelo proprietário, habitação de emergência e assentamentos informais, incluindo ocupação de terreno ou propriedade (seção 8, item a).

Por disponibilização de serviços, materiais, facilidades e infraestrutura entende-se o acesso sustentável aos recursos naturais e comuns, como água apropriada para beber, energia para cozinhar, aquecimento e iluminação, facilidades sanitárias, meios de armazenagem de comida, depósito de resíduos e de lixo, drenagem do ambiente e serviços de emergência (seção 8, item b).

O postulado de custos acessíveis envolve a mensuração dos gastos de acesso à moradia em conjunto com as demais necessidades básicas dos indivíduos, de modo a não restringir ou comprometer a satisfação dessas necessidades. Isso pode ocorrer através da fixação dos custos de forma proporcional ao nível de renda das pessoas, do oferecimento de

subsídios por parte dos Estados, da proteção contra aumentos de aluguéis desarrazoados e da facilitação do acesso a materiais naturais como fonte para a construção de moradias (seção 8, item c).

O aspecto da habitabilidade deriva da proteção contra o frio, umidade, calor, chuva, vento ou outras ameaças à saúde, riscos estruturais e riscos de doença. O Comitê DESC estimula a aplicação dos princípios de saúde na habitação, deflagrados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que vê a habitação como fator ambiental mais frequentemente associado a condições para doenças em análises epidemiológicas, isto é, condições de habitação e de vida inadequadas e deficientes são invariavelmente associadas com as mais altas taxas de mortalidade e morbidade (seção 8, item d).

A acessibilidade pressupõe moradias bem adequadas aos grupos desfavorecidos como os idosos, as crianças, deficientes físicos, os doentes terminais, os portadores de HIV, pessoas com problemas crônicos de saúde, os doentes mentais, vítimas de desastres naturais, pessoas vivendo em áreas propensas a desastres, e outros que devem ter um patamar de consideração prioritária na esfera da política habitacional, objetivando um direito a todos de um lugar seguro para viver com paz e dignidade, incluindo o acesso para o terreno como um direito reconhecido (seção 8, item e).

A moradia deve ainda estar em uma localização que permita acesso a opções de trabalho, serviços de saúde, escolas, creches e outros equipamentos sociais, bem como distante dos locais poluídos ou da proximidade de fontes de poluição que ameacem o direito à saúde dos habitantes do entorno (seção 8, item f).

Por fim, a adequação cultural gira em torno da preservação da identidade e da diversidade cultural da habitação no processo de escolha de materiais e construção das moradias (seção, item g).

Vê-se, destarte, que os padrões de moradia estabelecidos acima pelo Comentário Geral nº 4, integram o arcabouço jurídico nacional por força do artigo 5º, §2º, da Constituição Federal, devendo serem observados pelo Estado brasileiro, em sentido amplo, não apenas na promoção de políticas públicas e legislativas destinadas ao acesso à moradia, como também na solução de conflitos urbanos marcados, principalmente, pela ausência de segurança na posse. Esses são os aspectos que devem ser perseguidos na promoção do direito fundamental