• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III – Justiciabilidade do direito fundamental social à moradia

3.2. A justiciabilidade do direito à moradia na perspectiva defensiva e

3.3.6. Proibição de despejos forçados sem prévia alternativa de moradia

O Comitê DESC editou o Comentário Geral nº 7, em 1997, versando sobre a responsabilidade dos Estados signatários do PIDESC em relação aos despejos forçados em virtude do disposto no artigo 11 do referido Pacto. Nos termos desse Comentário Geral, despejo forçado é aquele com objetivo de retirar pessoas, famílias ou comunidades dos locais que ocupam, de forma permanente ou provisória, sem oferecer meios apropriados de proteção legal ou sem permitir de outra forma o acesso a esses meios.

Sempre que houver, portanto, a desocupação forçada de pessoas, famílias ou comunidades dos locais que ocuparem sem a concessão de alternativas de moradia ou assistência social por parte do Estado, haverá violação ao artigo 11, do PIDESC, por ofensa ao direito humano à moradia, especialmente aqueles envolvendo sujeitos hipervulneráveis. Tal violação ofende outros direitos humanos além do direito à moradia, em virtude da interdependência e indivisibilidade desses direitos.

A propósito, destaca-se o julgado da lavra do Juiz Federal Roger Raupp RIOS, em que ressalta a obrigação do Estado em prestar alternativa habitacional aos sem teto em caso de despejo forçado justificável, a partir da normativa internacional de direitos humanos:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIRETO AMBIENTAL. DIREITO À MORADIA. DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS. DESOCUPAÇÃO FORÇADA E DEMOLIÇÃO DE MORADIA. ÁREA

DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. POSSE ANTIGA E

INDISPUTADA. AQUIESCÊNCIA DO PODER PÚBLICO.

363 TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: Direitos das coisas, volume 4. – São Paulo: Método, p. 2008. 364 OLIVEIRA, Francisco Cardozo. Op. Cit., p. 143.

DISPONIBILIDADE DE ALTERNATIVA PARA MORADIA. TERRENO DE MARINHA. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA JUDICIAL. PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA, DESPEJO E DEMOLIÇÃO FORÇADAS PARA PROTEÇÃO AMBIENTAL. PREVENÇÃO DE EFEITO DISCRIMINATÓRIO INDIRETO.

1. Não há nulidade pela não realização de perícia judicial quanto à qualificação jurídica da área onde reside a autora como terreno de marinha, à vista dos laudos administrativos e da inexistência de qualquer elemento concreto a infirmar tal conclusão.

2. A área de restinga, fixadora de dunas, em praia marítima, é bem público da União, sujeito a regime de preservação permanente.

3. A concorrência do direito ao ambiente e do direito à moradia requer a compreensão dos respectivos conteúdos jurídicos segundo a qual a desocupação forçada e demolição da moradia depende da disponibilidade de alternativa à moradia.

4. Cuidando-se de família pobre, chefiada por mulher pescadora, habitando há largo tempo e com aquiescência do Poder Público a área de preservação ambiental em questão, ausente risco à segurança e de dano maior ou irreparável ao ambiente, fica patente o dever de compatibilização dos direitos fundamentais envolvidos.

5. O princípio de interpretação constitucional da força normativa da Constituição atenta para a influência do conteúdo jurídico de um ou mais direitos fundamentais para a compreensão do conteúdo e das exigências normativas de outro direito fundamental, no caso, o direito ao ambiente e direito à moradia. 6. Incidência do direito internacional dos direitos humanos, cujo conteúdo, segundo o Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU ( The Right to adequato housing (art. 11.1): forced

evictions : 20/05/97. CESCR General comment 7), implica que "nos casos

onde o despejo forçado é considerado justificável, ele deve ser empreendido em estrita conformidade com as previsões relevantes do direito internacional dos direitos humanos e de acordo com os princípios gerais de razoabilidade e proporcionalidade" (item 14, tradução livre), "não devendo ocasionar indivíduos"sem-teto"ou vulneráveis à violação de outros direitos humanos. Onde aqueles afetados são incapazes para prover, por si mesmos, o Estado deve tomar todas as medidas apropriadas, de acordo com o máximo dos recursos disponíveis, para garantir que uma adequada alternativa habitacional, reassentamento ou acesso a terra produtiva, conforme o caso, seja disponível." 8. Proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que o sujeito diretamente afetado seria visto como meio cuja remoção resultaria na consecução da finalidade da conduta estatal, sendo desconsiderado como fim em si mesmo de tal atividade. 9. Concretização que busca prevenir efeitos discriminatórios indiretos, ainda que desprovidos de intenção, em face de pretensão de despejo e demolição atinge mulher chefe de família, vivendo em sua residência com dois filhos, exercendo, de modo regular, a atividade pesqueira. A proibição da discriminação indireta atenta para as consequências da vulnerabilidade experimentada por mulheres pobres, sobre quem recaem de modo desproporcional os ônus da dinâmica gerados das diversas demandas e iniciativas estatais e sociais. (TRF – 4ª Região – Terceira Turma – Apelação Cível nº 2006.72.04.003887-4/SC – Rel. Juiz Roger Raupp Rios – DJ 12/05/2009)

Essa decisão sintetiza a proteção do direito à moradia em conflitos possessórios urbanos, quando emprega a força normativa da Constituição Federal à consecução do princípio da dignidade humana para dar eficácia ao direito à moradia, valendo-se, para tanto,

da normativa internacional de direitos humanos sobre o tema. Note-se, ainda, que a decisão considerou o princípio da igualdade na perspectiva defensiva dos direitos fundamentais em favor da hipervulnerabilidade da mulher pobre e chefe de família, cujo direito à moradia enquadra-se no contexto de mínimo existencial defendido nesta dissertação.

Entende-se, assim, que os princípios acima mencionados orientam a atividade judicial a denegar ordens de desocupações, em sentido amplo, quando envolvidas pessoas que merecem proteção especial do Estado, dando prioridade à permanência dos ocupantes no mesmo local em se tratando de bem público, salvo existência de risco à saúde ou à integridade física dos moradores, como fez o julgado abaixo transcrito:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR. BEM PÚBLICO. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. No caso, embora a área invadida seja bem público, necessário observar questões de maior relevância, de cunho constitucional, como a dignidade da pessoa humana, o direito à moradia, entre outros. Não pode o município pretender simplesmente expulsar os agravantes da área, sem que estes tenham para onde ir. Deram provimento.

(TJRS - Agravo de Instrumento Nº 70008228561 – Décima Nona Câmara Cível – Rel. Des. José Francisco Pellegrini - DJ 08/06/2004)

Por outro lado, em se tratando de bem público em que há grave risco ambiental ou urbanístico, ou áreas particulares ocupadas de forma coletiva em que vivam crianças, idosos, mulheres e portadores de necessidades especiais, há necessidade de vincular a desocupação de áreas públicas à disponibilização de alternativas de moradia aos cidadãos envolvidos, seja através de uma solução temporária como a prestação de auxilio habitacional pelo Estado ou, diretamente, pela solução definitiva de acesso à moradia, através da inscrição em programas habitacionais de interesse social, sob pena de violação do artigo 11, do PIDESC, expressamente ratificado pelo Brasil.

Essa providência atende ao disposto na seção 14, do Comentário Geral nº 7 do Comitê DESC, que recomenda que os despejos justificados só possam ocorrer com estrito cumprimento das normas internacionais de direitos humanos, e cujas decisões judiciais devem ser balizadas pelos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Compartilhando da mesma opinião, vale trazer a visão de Tiago FENSTERSEIFER, ao analisar o tema com apoio em precedentes jurisprudenciais no contexto aparentemente conflitivo do direito à moradia em face do direito ao meio ambiente, como prestação mínima existencial:

a legitimidade e constitucionalidade, por exemplo, da retirada de famílias pobres de uma área de preservação permanente em razão da proteção ambiente, como nos julgados referidos, deve estar vinculada à disponibilização, pelo Poder Público, de outro local onde possam tais pessoas morarem em condições minimamente dignas ou mesmo a sua inscrição em programas governamentais de habitação popular. Portanto, a bandeira constitucional dos direitos fundamentais determina, sem maniqueísmos, a harmonia do sistema de proteção da dignidade da pessoa humana, no sentido de garantir sempre a preservação do núcleo essencial do direito fundamental subjugado no processo de ponderação, caso contrário a inconstitucionalidade da medida seria patente.365

Não parece ser outro o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que possui vários precedentes vinculando a demolição de moradias por edificação irregular ao remanejamento da população afetada para um local adequado, a exemplo da decisão abaixo reproduzida:

AÇÃO DEMOLITÓRIA. EDIFICAÇÃO IRREGULAR. A edificação realizada irregularmente nas adjacências da via férrea está sujeita à demolição, por força das normas urbanísticas municipais. Não obstante, forte nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da moradia (arts. 1º, III, e 6º), antes deverá o Município realojar as famílias nessas condições em outra moradia digna, dentro da mesma localidade.

(TJRS – Apelação Cível nº 70007571813 – Segunda Câmara Cível –

Comarca de Bento Gonçalves – Rel. Des. Roque Joaquim Volkweiss – DJ

27/09/2006).

Da leitura do voto proferido pelo Desembargador relator, verifica-se que a decisão estabelece parâmetros constitucionais adequados à solução das controvérsias envolvendo direitos fundamentais, em homenagem ao direito social à moradia. No caso, foram sopesados os princípios constitucionais da dignidade humana e da moradia (artigos 1º, III, e 6º) com o direito coletivo à organização urbanística das cidades (artigos 30, VIII, e 182, todos da CF), aplicando-se a solução de acordo com o princípio da proporcionalidade.

Constou, ainda, no voto condutor, expressa menção à moradia no contexto da dignidade humana, ressaltando-se que a exclusão social também é de responsabilidade do Poder Público, ―que deixa de implementar programas para combater os problemas sociais, como a falta de saneamento, emprego, moradia, saúde, educação‖.

Ao final, a demolição da edificação irregular foi autorizada pelo TJRS, determinando- se, todavia, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da

365 Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana no marco jurídico

moradia (artigos 1º, III, e 6º), o prévio realojamento da apelada e sua família em outra moradia digna dentro da mesma localidade, às custas do erário Municipal.

Esse posicionamento não é isolado no Tribunal de Justiça gaúcho, que vem promovendo maior justiciabilidade do direito à fundamental social à moradia, principalmente na sua esfera defensiva frente às ações de desocupação ajuizadas pelo Poder Público Municipal, por dano ambiental ou urbano:

APELAÇÃO CÍVEL. Direito público não especificado. Ação de nunciação de obra nova. Construção em zona de preservação ambiental. Não- comprovação da real localização. Existência de várias outras residências no local. Prevalência do direito social da moradia (artigo 6º, CR) frente ao direito a um meio urbanístico ordenado. Critério da proporcionalidade. Precedentes deste Tribunal. Possibilidade de realojar aqueles que por ventura, com a omissão dos responsáveis pela fiscalização, tenham construído suas casas em condições irregulares. Opção de que deve prevalecer, sempre que possível, à sumária demolição como se o ente público, com sua omissão, não tivesse nenhuma responsabilidade pela situação consolidada. Apelação provida.

(TJRS – Apelação Cível nº 70021040878 – Comarca de Tramandaí – Des.

Rel. Arno Werlang – DJ 13/05/2009).

No bojo do acórdão, o Desembargador relator também se utiliza da técnica de ponderação de interesses para dirimir o conflito entre as normas constitucionais, reconhecendo a fundamentalidade do direito social à moradia e dando-lhe prevalência, a princípio, em face de um meio urbano ordenado, como, aliás, fizeram as seguintes decisões do mesmo Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DEMOLITÓRIA. O conflito entre o direito a um meio urbanístico ordenado (artigos 30, VIII, e 182 da CF/88) e o direito fundamental à moradia (art. 6º da CF/88), há de ser resolvido tendo em vista o critério da proporcionalidade, pautado pela dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Carta Magna). O só fato de construção irregular e em local perigoso não autoriza, por desproporcionalidade, a simples demolição da residência da pessoa, colocando-a na vida da rua, como se o ente público não tivesse qualquer tipo de responsabilidade no processo de favelização da cidade, que é gradativo e conta com a participação do próprio Município. Homenagem aos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança. Faz-se necessário, isso sim, realojar o apelante e sua família em outra área da cidade. Impossibilidade de se autorizar a demolição, no caso concreto. Deram provimento ao apelo.

(TJRS - Apelação Cível Nº 70017600990 – Vigésima Primeira Câmara Cível

– Des. Rel. Francisco José Moesch - DJ 28/03/2007).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DEMOLITÓRIA. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada. Demanda que deve ser aforada contra o responsável da obra, e não contra o proprietário do terreno, como pretende o apelante. Construção em desacordo com a legislação municipal. Hipótese em que a

simples ausência de projeto e de autorização municipal não justifica a demolição de inúmeras residências de pessoas pobres. Princípio constitucional da dignidade humana e do direito social à moradia que prevalece sobre o descumprimento da legislação municipal. Municipalidade, ademais, que deve buscar a regularização da situação, não a pura e simples demolição das moradias. Precedente. Recurso provido. Unânime.

(TJRS - Apelação Cível nº 70007327760 – Décima Oitava Câmara Cível –

Des. Rel. Pedro Luiz Pozza – DJ 16/12/2004).

Não resta dúvida, destarte, que as ordens de despejos forçados estão vinculadas aos preceitos da razoabilidade, proporcionalidade e informação das ações estatais, nos termos do Comentário geral nº 7, do Comitê DESC. Tal princípio é de fundamental importância, também, para a proteção das pessoas atingidas pelas grandes obras públicas, especialmente no tocante à segurança da posse e na busca de alternativas às remoções e despejos quando absolutamente indispensáveis, encontrando soluções adequadas e efetivas ao direito social fundamental à moradia, em observância à Resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre o impacto dos megaeventos.

No contexto normativo interno, o Comentário Geral nº 7 recomenda aos Estados a elaboração de medidas legislativas que compreendam a máxima segurança possível na ocupação de moradias e terras, o enquadramento dessas medidas ao PIDESC e a regulamentação expressa das circunstâncias que podem autorizar os despejos coletivos.

Por outro viés, em uma perspectiva mais prestacional dos direitos fundamentais, sobretudo àqueles que separam especificamente os direitos ao procedimento como direitos de cunho positivo, é indispensável assegurar as garantias processuais aos demandados em ações coletivas e individuais, públicas ou particulares366, que envolvam desocupações forçadas, principalmente no tocante à implementação e oferecimento do serviço de assistência jurídica gratuita prestado pela Defensoria Pública.

No Estado de São Paulo, a Defensoria Pública atua em favor das comunidades carentes contra a desocupação forçada dessas pessoas, de maneira mais acentuada através do respectivo Núcleo de Habitação de Urbanismo e em parceria com outros segmentos da

366 EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. REINTEGRAÇÃO DE IMÓVEIS EM ÁREA

OCUPADA POR COMUNIDADE CARENTE. DIVERSOS RÉUS NÃO ENCONTRADOS. ALTA ROTATIVIDADE DOS SUPOSTOS ESBULHADORES. AUSÊNCIA DE UTILIDADE.

1. Ação de reintegração de posse, aforada pela União em relação a alguns dentre centenas de imóveis localizados em área ―favelizada‖ de grande densidade. Correta é a observação, fruto do bom senso, que assinala que a prestação jurisdicional pretendida seria inútil em face da alta rotatividade dos supostos esbulhadores, bem como das enormes dificuldades de individualizá-los (admitida pela própria União) e de manter a posse dos imóveis em caso de reintegração (pois, sem vigilância constante, nova invasão seria inevitável).

2. Apelação desprovida. Sentença mantida.

sociedade civil e movimentos sociais. Em resumo, essa atuação gira em torno da garantia do direito fundamental social à moradia, visando impedir a desocupação das comunidades ou, no mínimo, pleiteando a vinculação ao oferecimento de alternativas de reassentamento da população diretamente atingida, além da atuação em relação à conformidade das medidas legislativas e administrativas do Poder Público em matéria urbanística.

Como exemplo dessa atuação na seara dos despejos forçados em que houve acolhimento dos argumentos em defesa do direito social à moradia, cita-se a Ação Civil Pública proposta em face do Município de São Paulo, para obrigá-lo a não praticar qualquer intervenção na Comunidade Pantanal, de modo a demolir edificações, sem ordem judicial, sob pena de multa diária, cuja medida liminar concedida em antecipação de tutela foi mantida pelo TJSP, nos seguintes termos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO - Reconhecimento conferido pelos arts. 5o da Lei n° 7.347/85 e 82 da Lei n° 8.078/90 e ratificado pela Lei Complementar Estadual n° 988/2006. Agravo de Instrumento - Ação Civil Pública - Adequação da via eleita - Instrumento de defesa da cidadania com a finalidade de implementar preceitos constitucionais. — Agravo de Instrumento - Ação Civil Pública - Medida liminar que determinou que a Prefeitura Municipal de São Paulo se abstenha da prática de ato consistente da desocupação e demolição de edificações na Comunidade Pantanal - Ineficiência dos órgãos fiscalizadores comprovada pela ocupação irregular consolidada há vinte anos - Inexistência de programa de moradia aos ocupantes da área - Decisão mantida.

(TJSP - AI nº 843.490-5/0-00, Décima Terceira Câmara de Direito – Rel. Des. Ferraz de Arruda – DJ 19/08/2011)

Incidentalmente, essa decisão impediu a demolição das moradias na comunidade afetada sem ordem judicial, reconheceu o direito à concessão de uso especial para fins de moradia dos habitantes que residem no local e vinculou a desocupação a um programa habitacional digno de acomodação dos ocupantes. Vale, portanto, transcrever trecho do voto condutor:

(...) Há vinte anos houve a ocupação da área e não é juridicamente admissível que depois de tanto tempo, venha a Administração Municipal pretender sua imediata desocupação. Tal conduta viola o direito à concessão especial de uso para fins de moradia das famílias que lá residem, inclusive com instalações regulares de água, energia elétrica, telefonia, etc. Ademais, comprova a ineficiência do órgão de fiscalização da administração pública que deveria coibir ao tempo certo, ocupações irregulares. Em realidade é a própria Administração Pública Municipal a responsável pelo caos social no que pertine à permissão de ocupação de terras públicas. Não fiscaliza e depois quer jogar nas costas do Judiciário a tragédia de uma desocupação abrupta. Inadmissível a desocupação e demolição das construções lá erguidas sem um programa de acomodação digna aos seus ocupantes.(...)

Vê-se, assim, que o acórdão impediu a desocupação de área publica sem o prévio oferecimento de programa habitacional adequado às necessidades dos moradores.

Por tudo o que foi exposto até aqui, conclui-se que a desocupação forçada de imóvel público, ou áreas particulares ocupadas de forma coletiva em que vivam crianças, idosos, mulheres e portadores de necessidades especiais, está vinculada ao oferecimento de alternativas de moradia aos cidadãos envolvidos, cuja obrigação do Poder Público em disponibilizar tais moradias enquadra-se num contexto misto, tanto defensivo quanto prestacional dos direitos fundamentais sociais, o que pode ser feito, por exemplo, através da locação social e da inscrição em programas de habitação de interesse social.