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A Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394 de 20 de de- zembro de 1996) reintroduz a expressão ensino médio para designar o antigo ensino de 2º. Grau que passa a constituir – juntamente com a educação infantil (creches, pré- escolas, para crianças de 0 a 6 anos) e o ensino fundamental (obrigatório a partir dos 7 anos de idade e com duração mínima de oito anos) uma das etapas da Educação Básica. Ainda segundo Moraes (1996) a análise das funções sociais historicamente atribuídas ao ensino médio indica claramente, em consonância com a divisão do tra- balho existente em nossa sociedade, o caráter dual que marca a educação escolar brasileira, na qual, nesse nível de ensino, tem-se estabelecido uma divisão entre um ensino propedêutico, dirigido às elites e àqueles que pretendem frequentar cursos su- periores e outro, voltado para uma profissionalização, destinados à população traba- lhadora.

A atual LDB define que é finalidade da Educação Básica “desenvolver o edu- cando, assegurar-lhe a formação indispensável para o exercício da cidadania e forne- cer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Esta especifici- dade, citada no seu artigo 22, conforme Ramos (2004, p. 37), relaciona-se especial- mente com o Ensino Médio e, de acordo com a autora, a sua consolidação procura superar o modelo de educação média que admitia dois percursos relativos à formação escolar em nível secundário: uma formação de caráter propedêutico, destinada a pre- parar o educando para acesso a níveis superiores de ensino e uma formação de ca- ráter técnico-profissional.

A possibilidade de o ensino médio preparar o educando para o exercício de profissões técnicas foi admitida pelo parágrafo 2º do artigo 36 desta lei, desde que assegurada a formação básica. A referida lei apresenta em seu Artigo 39 um novo paradigma para a educação profissional: “A educação profissional e tecnológica, no

cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia”.

O ensino médio, especificamente, na LDB 9394/96, passa a ser etapa final da Educação Básica. Em seu Art. 40 ficou determinado que: “A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho”, articulação esta que, segundo Saviani (1998), permitiu as mais diferentes interpreta- ções na aplicação da lei.

Entretanto, já no governo de Fernando Henrique Cardoso, após a lei 9394/96 ser sancionada, ao regulamentar os dispositivos da LDB que tratavam da educação profissional e tecnológica, o Decreto 2.208, de abril de 1997, estabeleceu uma inde- pendência entre a educação profissional de nível médio e o ensino médio.

Assim, a articulação entre o Ensino Médio regular e a educação profissional prevista no artigo 40 da LDB, ficou restrita a uma relação que só poderia ocorrer de forma concomitante ou subsequente, entendendo-os como segmentos distintos, esta- belecendo que o diploma de técnico somente seria validado mediante a conclusão do ensino médio. Para Garcia e Lima Filho (2010, p.42),

Uma das consequências do Decreto 2.208/97, que regulamentou os artigos da LDB 9.394/96 relativos à educação profissional, foi a extinção do curso técnico integrado, modalidade de ensino praticada nas Escolas Técnicas e Cefets desde 1942 e que visava a formação de técnicos de nível médio, uma das atividades nas quais essas escolas demonstraram, durante décadas, te- rem bastante sucesso.

A esse respeito, Frigotto, Ciavatta e Ramos (2006) ponderam que se trata de um decreto que “expressava, de forma emblemática, a regressão social e educacional sob a égide do ideário neoconservador ou neoliberal e da afirmação e ampliação da desigualdade de classes e do dualismo na educação” (p. 45).Na continuidade, a Por- taria MEC 646/1997limitou a oferta de ensino médio nas instituições federais já exis- tentes, de forma que essas instituições não poderiam oferecer mais do que 50% das vagas para tal modalidade, induzindo a abertura de cursos exclusivamente profissio- nalizantes. Já as instituições criadas a partir desse momento, por sua vez, deveriam oferecer apenas o ensino profissional.

Para colocar em prática os dispositivos legais relativos à educação – Lei de Diretrizes e Bases 9.394/1996, Decreto 2.208/1997 e Portaria MEC 646/1997 - em

1997 foi instituído o Programa de Educação Profissional (PROEP), resultado do em- préstimo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), principal agência financiadora da reforma da educação profissional que, segundo Ortigara e Ganzeli (2013, p. 265) destinava-se à “modernização e à expansão do então denominado Sis- tema Nacional de Educação Tecnológica, mediante aporte de recursos para escolas da Rede Federal, para os segmentos estaduais e para o segmento comunitário (Brasil, 2002)”. Para esses autores,

Dentre os objetivos estabelecidos pelo guia de execução do PROEP, estava a separação formal entre o ensino médio e a educação profissional e o orde- namento de currículos sob a forma de módulos. Foi previsto apenas o finan- ciamento para infra-estrutura, construção e reforma de prédios, montagem de laboratórios, capacitação de profissionais da educação profissional e consul- torias. A capacitação de profissionais era quase sempre destinada a treina- mentos de pessoas para operar os novos equipamentos que estavam sendo introduzidos nos processos produtivos baseados nos avanços tecnológicos. (ORTIGARA E GANZELI, 2011, p. 5)

O restabelecimento do ensino técnico como parte do ensino médio sinalizava um avanço, mas a separação entre a rede de educação profissional e a estrutura edu- cacional regular propedêutica reforçava o velho sistema de dualidade escolar carac- terístico da educação profissional brasileira. Para Ramos (2004, p. 40):

O Decreto no. 2.208, de 17/04/97, porém, ao regulamentar a educação pro- fissional, incluindo parágrafo 2º do artigo 36, impossibilitou a construção de um projeto de ensino médio que integrasse formação básica e profissional de forma orgânica num mesmo currículo. Na verdade, buscou-se conferir uma identidade ao ensino médio mediante decreto, reduzindo a construção da uni- tariedade do ensino médio a problema unicamente pedagógico, solucionável pela aplicação de uma dada estrutura educacional.

No primeiro mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Decreto 2.208/97 foi revogado pelo Decreto nº 5.154 (BRASIL, 2004) através do qual foram definidas novas orientações para a organização da educação profissional e as escolas federais puderam voltar a oferecer o ensino técnico de forma integrada com o ensino médio, além da forma concomitante e subsequente.

A novidade foi a introdução da modalidade integrada como forma de articula- ção a ser oferecida aos concluintes do ensino fundamental, em curso plane- jado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno (ORTIGARA E GANZELI, 2013, p. 268).

Resultado de um intenso debate que se estabeleceu desde a edição do Decreto 2208/97, o Decreto 5154/04 procurou vencer a clássica dicotomia entre conhecimen- tos específicos e gerais, possibilitando aos estudantes o acesso a novos níveis de aprendizagem. Para Garcia e Lima Filho (2010, p. 45), o Decreto 5.154/04

(...)traz dentro de si as mesmas contradições, deixando claro que a definição e condução da política educacional dependerão fundamentalmente da ação das instituições da sociedade civil organizada que tenham compromisso com a construção e o avanço da democracia social e da capacidade de interlocu- ção e pressão destes com os governos, reforçando o que já havia sido colo- cado por Kuenzer (2000a, p. 20) que “a elaboração de uma nova proposta pedagógica que conduza a essa formação de novo tipo não é um problema pedagógico, mas um problema político” e considerando ademais que, embora os instrumentos jurídicos direcionem e condicionem as ações, ao fim e ao cabo, a negação ou a afirmação de uma lei dependem das forças sociais em disputa.

No mesmo sentido, esses autores ponderam que, no que se se refere às mo- dalidades de técnico e tecnológico, o decreto 5.154/04 expressa a continuidade da lógica da dualidade estrutural dos sistemas educacionais:

No Ensino Médio, a separação da educação profissional do ensino regular amplia a dualidade que se estende ao ensino superior por meio de cursos de tecnologia, de duração reduzida, destituídos de aprofundamento científico e tecnológico, limitados à atividade de ensino dissociada da extensão e da pes- quisa, constituindo um modelo de ensino superior de baixo custo, alternativo ao modelo universitário. (GARCIA e LIMA FILHO, 2010, p. 44),

Atualmente, a LDB conta com um capítulo específico para a Educação Profis- sional e Tecnológica- EPT, inserido através da Lei 11741/2008, e que divide a educa- ção em dois níveis: Educação Básica e Educação Superior, sendo que a Educação Profissional e Tecnológica pode permear os dois níveis, através da oferta de cursos de formação inicial e continuada, de cursos técnicos ou de cursos de tecnologia. Além dessa modificação, a atual LDB também passou a chamar a atenção sobre a neces- sidade de um currículo que integrasse prática e teoria, formasse cidadãos e universa- lizasse a educação básica. Para Frigotto e Ciavatta (2006),

A nova LDB– Lei n. 9.394/96, e o Decreto n. 2.208/97 vieram desfazer todas as ilusões em torno de uma formação profissional emancipadora. Com a re- vogação daquele decreto e a aprovação do novo Decreto n. 5.154, reacen-

dem-se as expectativas, mas sempre com um travo de dúvida, em uma soci- edade cuja hegemonia está nas leis do lucro do capital. (FRIGOTTO e CIA- VATTA,2006, p. 110)

De maneira geral, pode-se constatar que as mudanças que ocorreram na Edu- cação Profissional nos últimos anos se relacionam com o surgimento e desenvolvi- mento de novas tecnologias que promoveram expressivas mudanças no setor produ- tivo. Entretanto, apesar disso, a educação brasileira permanece dual.

Assim, percebe-se que a educação profissional, pensada e criada para os des- providos da sorte e desvalidos de fortuna, manteve-se através do modelo dual de educação, possibilitando concluir que ainda permanecem as relações de controle das classes trabalhadoras pelas classes hegemônicas que preparam o profissional neces- sário para atender rapidamente às demandas de mercado e que impedem o acesso a níveis escolares superiores e a igualdade de condições de ascensão educacional, so- cial e econômica. Tendo em vista os limites apresentados pelas reformas e pelo de- creto 5.154/2004, Garcia e Lima Filho (2010) ponderam que

O desafio a ser enfrentado com vistas à expansão e democratização da edu- cação profissional no Brasil assume grande relevância no contexto atual em razão das expectativas da elaboração de uma nova política pública para o setor, tendo como referência sua articulação com a educação básica e com a educação superior, no âmbito de um projeto nacional de desenvolvimento justo, igualitário e sustentável, que tenha, portanto, compromisso com a re- dução das desigualdades sociais e a elevação dos níveis de escolaridade. (p. 46)

É desta forma que se configura atualmente, um dos principais desafios do nosso sistema educacional. A superação da dicotomia entre o pensar e o fazer, entre o trabalho manual e intelectual, entre a teoria e a prática, que foi histórica e estrutu- ralmente constituída, típica de uma sociedade de classes, que só se concretizará atra- vés de programas articulados com um projeto de desenvolvimento econômico e social mais amplo e que considere o movimento das classes sociais, com vistas à superação do próprio sistema capitalista.