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CAPÍTULO 2: O ENSINO SUPERIOR E A FORMAÇÃO DOCENTE PARA A EPT:

2.2 O Estado e as regulamentações do trabalho docente

Nossos direitos cabem no papel. Em nossas mãos cabe a conquista.

(ANDES, 2011)

Nas últimas décadas, muito se tem discutido sobre a precarização do trabalho docente, sobretudo na rede pública de ensino. Para nosso estudo, faremos uma reflexão acerca das condições do trabalho docente materializadas nas escolas pertencentes à rede federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, posto que nossa pesquisa problematiza a formação dos professores nessa rede. Portanto, para balizar nossas análises, recorremos à produção acadêmica de pesquisadores que se dedicam a estudar as condições do trabalho docente no Brasil e a documentos oficiais que regulamentam essa carreira. Silva Júnior, Sguissardi e Silva (2009) nos alerta para o fato de que a universidade estatal pública brasileira passa por um processo de mercantilização de sua identidade institucional, impulsionando uma intensificação e precarização do trabalho docente. Para os autores, a universidade está sendo transformada em instituição tutelada pelo capital e pelo Estado, tendo o mercado como mediador. Um exemplo dessa situação se refere aos critérios de avaliação da CAPES, que impõem, aos professores-pesquisadores, uma política de produtivismo acadêmico45

exacerbada. Um dos muitos critérios de avaliação se refere ao modelo de avaliação individual

44 Entendemos que não conceber a visão Maquiavel dessa lógica, consiste em verificar as condições reais, concretas e ideológicas dos propósitos mercantilistas no campo da educação, que consiste em estabelecer preceitos formativos e educativos, unidimensional para este campo. Ou seja, estes preceitos direcionam-se a interesses únicos para o capital.

45 Para aprofundamento sobre o tema ver SGUISSARDI, Valdemar; SILVA JÚNIOR, João dos Reis. Trabalho

e conjunta do corpo docente, que passa a considerar a produtividade em atividades de ensino e pesquisa, sobretudo publicações de artigos em periódicos, livros, capítulos de livro e trabalhos completos em Anais (CAPES, 201246). Sendo assim, Silva Júnior, Sguissardi e Silva(2009)

consideram que no plano:

político vigora a racionalidade mercantil no âmbito do Estado (a regulação do mercado), que, no âmbito da educação superior, apresenta-se como Estado gestor, ao estabelecer instrumentos jurídicos para a conformação da identidade universitária e avaliar, regular e controlar a liberdade acadêmica, essencial às atividades e à formação do professor-pesquisador das universidades estatais públicas. Isto é suficiente para deslocar o equilíbrio psíquico e psicossomático deste trabalhador, induzindo a grande maioria ao estresse e às doenças psicossomáticas daí decorrentes (SILVA JÚNIOR; SGUISSARDI; SILVA, 2009, p.14).

A associação das políticas do produtivismo às más condições de saúde física e mental dos docentes tem sido pauta em diferentes eventos organizados pelas instituições de ensino superior e por entidades, como foi o caso do Seminário Ciência e Tecnologia no Século XXI, promovido pelo ANDES-SN de 17 a 18 de novembro de 2011, em Brasília. Nesse seminário, a profa. Janete Luzia Leite, do curso de Serviço Social da UFRJ, por meio de seus estudos, afirma que o produtivismo acadêmico está tirando a saúde dos docentes das universidades públicas brasileiras, provocando stress, angústia, depressão, etc. Essa professora acredita que a reforma da CAPES em 2004, aliada ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) em 2007, provocaram um verdadeiro ataque à autonomia universitária.

O resultado foi a instituição de dois tipos de professores: o pesquisador, que ensina na pós e recebe recursos das agências de fomento para fazer suas pesquisas e o que recebe a pecha de “desqualificado”, que ficou prioritariamente na docência de graduação e à extensão. Esses, em sua maioria, são recém-contratados e terão suas carreiras truncadas e sem acesso a financiamentos. (...) os atuais docentes estão formando em seus alunos um novo ethos, em que é valorizado o individualismo, ocultada a dimensão da coletividade e naturalizada a velocidade e a produtividade. Há, também, um assédio moral subliminar muito forte, que ocorre, principalmente, quando o docente não consegue publicar um artigo, ou quando seus orientandos atrasam na conclusão do curso. “Com isso, estamos nos aproximando de profissões que trabalham no limite do estresse, como os médicos e motoristas”, afirmou. O resultado é que os docentes estão consumindo mais álcool, tonificantes e drogas e estão propensos à depressão e ao suicídio. “É um quadro parecido com a Síndrome de Burnout, em que a pessoa se consome pelo trabalho. Ocorre como uma reação a fontes de estresses ocupacionais contínuas, que se acumulam” (...) o problema, segundo ela, é que as pessoas acham que seu problema é individual, quando é

46Todos os trabalhos deverão ser publicados em suportes listados no Qualis - CAPES da área – cf. Relatório da Área de Educação referente ao Acompanhamento Anual, 2005. Disponível em: http://www.capes.gov.br/avaliacao/criterios-de-avaliacao/2285. Acesso em: 01/08/2011.

coletivo, além de terem vergonha de procurar o serviço médico. “Com isso, elas vão entrando em suas conchas, temendo demonstrar fragilidades”. (ANDES-SN, 2011, s/p)47

Além de todos esses agravantes podemos destacar também a competitividade implantada no interior das instituições. A lógica do capital concorrencial conduz algumas práticas docentes. Embora as universidades sejam o espaço para se questionar a lógica neoliberal e capitalista ela também proporciona a vivência de ações competitivas, pois o próprio Estado fomenta essa postura. Segundo Leher, podem-se associar essas práticas ao fato de que a universidade brasileira tem sua gênese na natureza do capitalismo dependente (ANDES-SN, 2011).

Entretanto, apesar de existirem políticas de governo que incentivam a pós-graduação e agências e programas que fomentam as pesquisas como, por exemplo, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), segundo a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão (SRH/MPOG):

o salário do professor, titular doutor em regime de dedicação exclusiva, reduziu de R$ 10.092,96, em 1995, para R$ 7.830,13,em 2007 - em valores corrigidos pelo IGP-DI da FGV, a preços de janeiro de 2008. Houve, pois, no período em questão, um decréscimo de aproximadamente 25% dos proventos do professor, num verdadeiro furto Reforma da Educação e Trabalho Docente perpetrado contra o professor-pesquisador das IFES, tendência que se fez presente também nas universidades estatais públicas, em geral. (SILVA JÚNIOR; SGUISSARDI; SILVA, 2010, p.21-22)

Além do produtivismo acadêmico, a desvalorização salarial é uma realidade vivenciada pelos docentes.

O trabalho do professore suas atividades mercantilizadas, articuladas com seu salário arrochado (...) somente pode ser compreendido no contexto em que o capital fica com a maior parte do fundo público, obrigando a intensificação do trabalho do professor para a manutenção, tanto de um padrão minimamente digno de vida quanto da própria universidade. (SILVA JÚNIOR; SGUISSARDI; SILVA, 2010, p.23)

Confluentes com essas análises estão os resultados de uma pesquisada realizada pela Fundação Carlos Chagas com uma amostra de 1.500 alunos do ensino médio de oito cidades brasileiras. Embora os alunos pesquisados reconheçam a função social da profissão e

47 Disponível em: http://www.andes.org.br:8080/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=5020. Acesso em: 08/04/2012..

acreditem ser um trabalho nobre e gratificante, eles a entendem como uma profissão desvalorizada social e financeiramente. Na avaliação de Ludke e Boing (2004, p. 76), talvez “o aspecto mais básico e decisivo, com relação a um processo de declínio da ocupação docente, seja a decadência do seu salário e do que isso representa para a dignidade e o respeito de uma categoria profissional”.

No caso específico da EPT, temos ainda outros fatores que corroboram com as más condições do trabalho docente, como, por exemplo, a superlotação das salas de aulas. A média de alunos em sala na EPTNM é de 40 alunos, em salas que, em geral, são apertadas e pouco ventiladas. Comumente podemos constatar que, devido ao alto índice de reprovação na RFEPCT, há um número superior a 40 alunos em sala, somando alunos regulares e repetentes. O plano de metas da SETEC que foi assinado pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia prevê, na Cláusula Segunda (Metas e Compromissos), no item 3 a obrigatoriedade do:

alcance da relação de 20 alunos regularmente matriculados nos cursos presenciais por professor considerando-se, para efeito deste Termo de Acordo de Metas e Compromissos, os alunos dos cursos técnicos de nível médio (integrado, concomitante e subsequente), PROEJA, cursos de graduação (CST, licenciatura, bacharelado), de pós-graduação (lato-sensu e stricto-sensu) e de Formação Inicial e Continuada, em relação a todo quadro de professores ativos na Instituição. Para o cálculo desta relação, cada professor DE ou de 40 horas será contado como 01 (um) professor e cada professor de 20 horas será contado como meio. O número de alunos dos cursos de Formação Inicial e Continuada será corrigido pela multiplicação da carga horária semestral do curso, dividido por 400 horas48.

Essa Relação Aluno Professor (RAP) parece não levar em consideração as especificidades dos cursos de EPT. Parte da carga horária na EPT é cumprida em laboratórios, o que exige, visando a uma melhor aprendizagem dos alunos, a divisão das turmas em subgrupos, uma vez que o acesso aos laboratórios deve ocorrer com um número limitado de alunos. Essa política do “arrocho”, da contenção de docentes acarreta piores condições de trabalho docente.

O Brasil está vivenciando, neste ano de 2012, uma greve que consta da adesão de 51 instituições federais de ensino superior: 47 universidades (cerca de 80% do total), dois dos 40 institutos e os 02 centros federais de educação tecnológica (CEFET-MG e CEFET-RJ). Além das questões salariais, as reivindicações versam sobre a reestruturação das carreiras. De acordo com o ANDES-SN, a categoria reivindica:

48 Plano de metas disponível em: portal.ifrn.edu.br/institucional/acordo-de-metas-e-compromissos.Acessado em 24 mar. 2012.

carreira única com incorporação das gratificações em 13 níveis remuneratórios, variação de 5% entre níveis a partir do piso para regime de 20 horas correspondente ao salário mínimo do Dieese (atualmente calculado em R$ 2.329,35), e percentuais de acréscimo relativos à titulação e ao regime de trabalho. Os professores também pleiteiam a valorização e melhoria das condições de trabalho nas Universidades e Institutos Federais bem como o atendimento das reivindicações específicas de cada instituição, a partir das pautas de elaboradas localmente (ANDES, 2012).

De acordo com o Movimento Classista dos Trabalhadores em Educação (MOCLATE), a situação que motivou a deflagração dessa greve está condicionada as “reformas educacionais” ditadas pelo Banco Mundial, tais como “PCNs” e “Diretrizes Curriculares“ (gerência FHC), “Prouni” e “Reuni” (gerência Luiz Inácio), que impõem uma educação domesticadora, servindo aos interesses do capital monopolista, bem como a dominação imperialista do nosso país (MOCLATE, 2012, s/p) 49. Frente a isso, o MOCLATE atribui ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) uma parcela de “culpa” pelo cenário caótico em que se encontram as IFESs e os IFETs nesse momento. Esse programa foi instituído pelo Decreto n° 6.096/07, de 24 de abril de 2007, e, segundo o ANDES-SN (2012, s/p) significou uma expansão “irresponsável”, pois, não contou com aplicação de investimentos para salas de aula, laboratórios, acervo bibliográfico, pesquisa e extensão e, ao mesmo tempo, intensificou seu nefasto plano de precarização do trabalho docente com a contratação de professores temporários em número insuficiente para atender os novos cursos.

As considerações postas por este sindicato nos conduzem a reflexões sobre a real situação em que se encontram as instituições públicas federais de ensino superior no Brasil. E ainda, nos possibilita melhor compreender porque a carreira docente não tem sido atrativa para os jovens brasileiros egressos do ensino médio. Diante deste cenário, vale ressaltar que, apesar de termos um governo “dito” de esquerda, ainda assim podemos perceber ações educacionais, sociais e políticas que versam sob as perspectivas do atendimento às regras do capital, se articulando direta ou indiretamente as leis hegemônicas – políticas, econômicas, sociais, culturais, educacionais - que prevalecem numa sociedade que é regida e organizada pelo sistema capitalista. Contudo, embora tenhamos tecido este panorama, as reformas educacionais - via Prouni” e “Reuni - no período de 2004 a 2010, possibilitaram uma

49 Disponível em: http://www.andes.org.br:8080/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=5414. Acesso em: 11/06/2012.

expansão das universidades federais, mesmo que ainda assim, possamos questionar os vieses de precariedade que se constituíram, a partir deste programas, na educação superior brasileira.

Gráfico 14 – Expansão das Universidades Federais no Brasil (2003 –2010)

Fonte: MEC/REUNI

A expansão das universidades federais no Brasil, retratada no Gráfico 14, têm uma ascendência a partir de 2005. Para o MEC, esta expansão ocorre abrange a forma física, acadêmica e pedagógica de educação superior. Foram criadas 14 novas universidades e mais de 100 novos campi que, por conseguinte implica na ampliação de vagas e na criação de novos cursos de graduação. Todavia, apesar de observarmos que houve um acréscimo de aproximadamente 30% no número de universidade pública federal, consideramos que este, ainda é insuficiente para atender a verticalização do ensino público e gratuito para todo(a) cidadão(a) brasileiro(a). Essa evolução está articulada aos propósitos do Reuni que visava à expansão e interiorização das universidades públicas federais o que, por conseguinte significaria o aumento do número de vagas nos cursos de graduação. A matriz ideológica deste programa contempla, além do aumento de vagas no ensino superior, a sistematização, consolidação e ampliação da oferta de cursos de graduação no noturno. O fio condutor que sustenta as ações do reuni, segundo o MEC, é o propósito de diminuir as desigualdades sociais no país. Entretanto, para alcançar esse objetivo, o MEC propôs medidas que podem comprometer a qualidade do ensino, pesquisa e extensão. Dentre elas podemos citar a elevação gradual da relação aluno/professor para 18 alunos para 1 professor.

2.3 O ensino superior e a formação docente para a EPT: reenquadrando invisibilidade