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II. Contextualização

2.3. Educação Física no 1º CEB – “área marginal do currículo”

2.3.1. O Estado Novo e a Educação Física no 1º CEB

No âmbito dos esforços de expansão da EF a nível nacional durante o Estado Novo, Gomes Ferreira (2004:203) refere que para reforçar o papel da Mocidade Portuguesa ela devia contar com a cooperação activa de todos os estabelecimentos oficiais e particulares do ensino primário e secundário, bem como com o serviço dos professores do ensino primário, professores de Educação Física do ensino secundário e dos médicos escolares.

Oliveira (2002), na caracterização da EF na escola primária durante o Estado Novo salienta que apesar de ter sempre existido no currículo, a disciplina nunca foi considerada como generalizada nas escolas portuguesas (Oliveira, 2002:156). De entre várias conclusões Oliveira (ibidem) refere que apenas foram produzidos três programas de EF, tendo verificado ainda que:

todos os programas apresentaram lacunas que dificultaram a sua aplicação por parte dos professores, contribuindo, deste modo, para que a EF no ensino primário não fosse generalizada. Foram consideradas como principais lacunas: a deficiente especificação dos objectivos, a utilização de uma terminologia ambígua, a constante indicação de bibliografia de apoio para consultar, os erros estruturais e a definição de matérias específicas para cada género. Esta última enquadrava-se na ideologia da separação dos sexos defendida pelo regime, que, como vimos anteriormente, considerava que havia diferenças significativas entre géneros.

Oliveira invoca também a opinião de “individualidades” ligadas à EF que salientaram a fraca qualidade dos programas, mas também referiram outros factores que tinham influência directa na situação da disciplina como: a política desportiva do Governo, a deficiente formação do professor primário, a ausência de apoio ao professor, as deficientes instalações e a escassez de materiais específicos para as aulas (Oliveira, 2002:156).

Esta visão reflecte já uma caracterização da marginalidade da EF durante o Estado Novo, manifesta a vários níveis e contextos. Interessante notar que ainda hoje grande parte da rede de escolas do 1º CEB é

constituída por edifícios escolares construídos durante o Estado Novo (Aníbal, 2004). Para caracterizar essa política quantitativa do Estado Novo, Aníbal (2004:2) considera-a de um voluntarismo minimalista nas opções, já que se tratou de um investimento centrado na base do sistema, concepção da Escola-sala de aula, depurada de todos os elementos espaciais considerados dispensáveis à aprendizagem, construções de pequeníssimas escolas disseminadas pelo território português, recurso aos postos escolares, minimalistas por definição.

Os reflexos destas políticas tiveram objectivamente implicações nas práticas da EF de milhares de professores, mas mais do que isso no desenvolvimento implícito de uma certa noção de escola e de aprendizagens a realizar. Para a autora optou-se pelo mínimo para se conseguir a máxima cobertura do ensino primário das crianças em idade escolar. Como implicação temos que a nossa rede actual de escolas do 1º CEB, constituída em grande parte por edifícios dessa época, resistentes em termos físicos mas isolados, sem ligações a outros graus de ensino e com falta de espaços adequados à práticas pedagógicas e educativas actuais (Aníbal, 2004:2).

Perante este quadro político-social no Estado Novo, a EF no ensino primário viveu de incertezas e ocasos. Para Oliveira (2002), perante as críticas que se faziam ouvir, apenas no final dos anos 50 o Governo começou a assumir a responsabilidade sobre a situação da EF. O patrocínio de programas de formação e apoio a professores primários na área de EF resultaram insuficientes, inviabilizando a generalização da EF (Oliveira, 2002). No campo da formação, Oliveira destaca o papel de Alberto Feliciano Marques Pereira, principalmente como autor dos manuais de ginástica para o ensino primário, e da afirmação do professor como modelo de perfeição no desempenho da sua tarefa.

Em termos de análise conclusiva, Oliveira considera que os motivos da inexistência da disciplina podiam estar, para além de outros factores, directamente relacionados com a falta de bom senso e vontade dos professores e, sobretudo, com a formação inicial que não os preparava para uma realidade (Oliveira, 2002:158).

No âmbito das questões alusivas à formação inicial dos professores primários durante o Estado Novo, Oliveira (2002:159) destaca que a formação específica em EF baseou-se apenas, na utilização de dois programas. Um que vigorou de 1911 a 1943 e outro desta data até ao final do Estado Novo. A manutenção de programas de formação inicial durante tão longos períodos de tempo, conduziu à sua desactualização relativamente aos próprios programas do ensino primário em vigor em cada momento.

O Estado Novo teve para com a escola primária fortes preocupações ideológicas, pois como refere Gomes Ferreira (1999:139) em 1936 publicava-se um decreto-lei com a indicação do currículo a ser ministrado ao ensino primário obrigatório: Língua Portuguesa (leitura, redacção e feitos pátrios); Aritmética e Sistema Métrico; Moral; Educação Física; Canto Coral ficando evidente quanto esse ensino deveria ser reduzido ao mínimo. Mesmo nesse mínimo, a EF estava presente.

Na análise do período 1955-1969, Sampaio (1977:40) releva que a EF nos programas da escola primária, tinham como objectivos fundamentais o desenvolvimento da saúde, a formação do carácter e a adaptação dos alunos à vida social. Atribui-se-lhe grande afinidade com a Educação Musical, em que além da aprendizagem das canções populares, do hino nacional, das marchas da Mocidade Portuguesa e das marchas patrióticas, se fomenta a aquisição do ritmo e o desenvolvimento do ouvido.

Já relativamente aos programas do ensino primário complementar, aprovados a título experimental7, Sampaio (1976:43) refere que na disciplina de EF o programa difere para os dois sexos. Incluem-se rubricas de Ginástica Correctiva, Jogos e Desportos, Campismo e Passeios no Campo, Danças Regionais.

Sampaio (1977:45) assinala que nas alterações ao programa do ensino primário elementar ocorridas em 16 de Julho de 19688, é referido que a EF procura além da saúde, formar o carácter e adaptar os alunos à vida social. Engloba rubricas de Ginástica Infantil, e Educativa, Jogos Educativos e Recreativos, Marchas, Iniciação Desportiva e Educação Rítmica. Assinala-se a grande afinidade da EF com a Educação Musical.

Viana (2001), na análise do papel sócio-histórico da Mocidade Portuguesa no Liceu português durante o período entre 1936 e 1974, elege a EF como uma das disciplinas instrumentalizadas politicamente ao longo desse período. Assim, para Viana (2001:45):

Efectivamente, a história da EF no âmbito escolar no Portugal do século XX é, muitas vezes, história de indefinições, de subalternidades e de procura de afirmação e independência. Indefinições quanto ao campo de acção; subalternidade relativamente aos outros grupos disciplinares e, consequentemente, uma procura de afirmação face a estes através da criação de um espaço próprio liberto, se não da influência, pelo menos da tutela de outras áreas científicas.

Tal ajuda-nos a compreender o percurso de difícil afirmação social e busca de identidade por parte da EF, obviamente com fortes repercussões ao nível das intenções e das práticas na escola do 1º CEB e com influência nas crenças e concepções de professores ao longo dos anos.