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II. Contextualização

2.2. A Escola do 1º CEB e seus professores

2.2.2. A vinculação dos professores às AFD

A natureza das razões que, ao longo dos tempos tem permitido que os indivíduos beneficiem de uma maior ou menor vinculação desportiva, não se podem desligar da própria evolução social. A forma como cada sociedade considerou a corporalidade, nas suas relações com os valores dominantes – ideológicos, religiosos, económicos, sexuais - influenciou a adesão a práticas regulares de AFD representativas da cultura social.

Para caracterizar a forma como Pierre de Coubertin, o grande mentor e organizador dos Jogos Olímpicos da Era Moderna encarava a participação das mulheres nesses mesmos Jogos Olímpicos, Esteves (1969:85) refere que quinze séculos depois dos últimos Jogos Olímpicos da antiguidade, o barão Pierre de Coubertin, ao criar os Jogos Olímpicos modernos, logo estabeleceu muito expressivamente, a segregação das mulheres, como praticantes. Se estas conseguiram mais tarde a sua admissão, alcançaram-na todavia contra a opinião daquele.

Rocha (1998), referindo-se à experiência passada e actual dos professores do 1º CEB do seu estudo, conclui pela relação entre o facto do professor ter tido durante a sua infância ou adolescência uma AFD regular e ser um adulto com um estilo de vida activo.

Carreiro da Costa et al. (1998), na identificação das experiências formativas no domínio das AFD, dos professores do 1º CEB nos Açores, refere que uma percentagem muito significativa (80.8%), não realizou de forma sistemática qualquer AFD fora da escola e que 25.6% deles não beneficiaram durante toda a sua escolaridade de EF com 43% a não terem frequentado EF no 1º CEB.

No estudo de Alves Diniz et al. (1999), realizado no contexto de avaliação do PROGRAPEF (Programa de Apoio à EF – Câmara Municipal de Lisboa), os professores do 1º CEB envolvidos sinalizam uma vinculação às AFD através de uma prática regular no passado (43.6%) superior à que referem ter na actualidade (37.2%). Quanto às vivências na EF tiveram um aumento progressivo da sua frequência, com 34% no primário, 77.7% no preparatório e 84.6% no secundário.

Cerezo (1999), numa análise da EF no curriculum escolar com base na biografia de futuros professores de especialidade, conclui que estes, na sua grande maioria, tiveram vivências na área de EF com um professor não especializado, o que, na sua perspectiva, contribuiu para que a EF e a forma como

era desenvolvida não ocupassem um lugar importante no curriculum escolar. Neste sentido, Cerezo entende que a administração educativa deve dotar cada escola de um docente especializado em EF, com conhecimentos e atitudes necessárias para o seu desempenho profissional. Ainda de acordo com este estudo, Cerezo constatou que a presença de um professor especializado em EF, responsável pela disciplina, pressupõe uma maior consideração, implicação e compromisso por parte do aluno nas aulas alcançando atitudes que perduram.

Ramos (2002), no contexto de um estudo centrado nos factores pessoais e sociais ligados à prática desportiva com base no género, realça a necessidade de consciencializar a comunidade educativa e instituições oficiais no seu papel decisivo de fomento de estilos de vida e de aquisição de hábitos desportivos; a realização de actividades desportivas susceptíveis de se prolongarem fora da escola e ao longo da vida, estudando os interesses, motivações e desejos das jovens nestas práticas; de, durante o processo de ensino-aprendizagem o professor de EF ter em conta que as atitudes, motivações, grau de satisfação e auto-estima percepcionados pelas alunas se reflecte nos seus hábitos desportivos presentes e futuros; potencializar a auto-estima das alunas por referência ao tipo de actividades e conteúdos abordados em EF; equacionar as atitudes sexistas durante a prática das actividades desportivas; tirar partido das motivações intrínsecas que levam as alunas à prática desportiva, como as questões de associação ao seu nível de saúde, de desejo de diversão ou ocupação do tempo livre.

Cordoba (2002) referencia como parâmetros condicionantes das decisões curriculares em EF a experiência pessoal do docente enquanto aluno, a sua percepção do papel da EF na escola, o próprio contexto material da acção e a sua formação inicial e contínua. Esta perspectiva de salientar a importância das experiências pessoais de AFD nas decisões pedagógicas do professor permite mesmo a Cordoba (2002:4) afirmar que a hora da EF confronta o professor com a sua história corporal, a relação com o seu próprio corpo e a sua afinidade para com a área.

Nesta mesma perspectiva Pissanos e Allison (1993) referem que compreender o que é a EF na escola do 1º CEB também implica conhecer como a recordam os seus professores, já que a EF recordada por futuros professores, centra-se naquilo que é o seu professor, fundamentalmente ao nível das finalidades educativas, seus objectivos e seu estilo de ensino.

Rich (2004), a partir das histórias de vida de 11 professoras de EF recém-formadas, analisa o problema da menor participação feminina nas aulas de EF. Para Rich emergem dos resultados uma visão individualisto-liberal que coloca o problema das raparigas na EF como questão central, consecutivamente reproduzida socialmente. Em função desta questão, Rich, refere a importância da formação de professores em EF reforçar a análise das experiências pessoais, sobre as questões da cultura física em geral e das finalidades e propostas da EF em particular.

Whitehead e Thorpe (2004), no estudo de caso de May Cleggett (única professora de EF nas escolas públicas do Sul da Austrália) sobre as representações da mulher instrutora de 1920 a 1940 no Sul da

Austrália, verificaram como as alusões nos discursos à idade, género, estatuto marital, carácter e actividade física definiram esse perfil. Salientam ainda que nos anos 20-30 as mudanças no currículo da EF na Austrália, desfocando-se da Dança e das questões rítmicas e valorizando a aptidão física, os jogos e a ginástica, fizerem emergir a discussão acerca da masculinização do currículo da EF (Whitehead e Thorpe, 2004:98) e da continuação do seu ensino, separando rapazes e raparigas.

Num estudo envolvendo alunos da Austrália e Sérvia e Montenegro, Kocic et al. (2004) constataram que a percepção das raparigas acerca do estatuto da EF, sua satisfação e interesse para com a EF, decresce com a idade, enquanto que nos rapazes se passa o fenómeno inverso. Na adolescência há um claro decréscimo generalizado, particularmente nas raparigas, exigindo uma análise das suas razões.

Com base num estudo envolvendo 450 alunos, com idades entre os 10 e os 15 anos, acerca das diferenças entre géneros, continua a ser um facto que os jovens do sexo masculino praticam mais desporto do que os do sexo feminino (Fernandes e Pereira, 2003). As motivações para a prática desportiva pelas raparigas centram-se no gosto, divertimento e ocupação dos tempos livres, enquanto que para os rapazes aqueles se mantêm acrescidos da manutenção e melhoria da condição física (idem, 2003). Os maiores obstáculos à expansão da prática desportiva feminina são a falta de tempo e de oferta e a incompatibilidade de horários.

A um outro nível é visível como as AFD surgem socialmente etiquetadas do ponto do vista do género, já que mesmo ao nível da comunicação social, e apesar da sua actual visibilidade, continua a existir uma certa discriminação, por parte da imprensa escrita, entre as práticas desportivas no feminino e no masculino. Há uma clara apresentação do desporto como uma área essencialmente do domínio do masculino (Pinheiro e Queirós, 2003).

Numa visão global sobre as atitudes e crenças dos jovens europeus acerca da escola e da EF numa lógica de compreensão do seu estilo de vida, Piéron et al. (2001) constataram que, apesar da grande variação das atitudes dos jovens europeus acerca da EF, elas são mais positivas do que sobre as que possuem sobre a própria escola. Há uma diminuição das opiniões favoráveis sobre a EF conforme se avança na idade, tendência particularmente evidente nas raparigas. Estas distinguem-se de acordo com a sua vinculação à participação desportiva em competições, que contribui para a manutenção de uma opinião mais favorável sobre a EF, entre as raparigas. Podemos pois dizer que, aos olhos dos jovens europeus, a EF é para si mais importante do que a escola, o que, referente a um campo envolvendo jovens de vários países europeus, nos dá uma ideia da real imagem positiva da EF durante a infância e a adolescência e correspondente papel socializador no âmbito das AFD.