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O SANEAMENTO URBANO NO BRASIL

2.1 O estado sanitário das cidades brasileiras

Durante todo o período Colonial, a assistência sanitária nas cidades cabia às Câmaras Municipais, as quais baixavam os regulamentos e medidas específicas sobre a higiene e o bem–estar públicos. Entre essas, havia determinações para que os habitantes mantivessem limpos os seus quintais e as ruas, eliminando o lixo e demais dejetos. Se essas determinações eram cumpridas,eram–no apenas em parte, pela fração economi- camente mais poderosa da população, que possuía escravos para a execução de tais tarefas.

Lembremo–nos de que não era comum, então, o uso de fossas sépticas servindo às residências: era da prática comum o descarte dos dejetos fecais através dos “tigres”, espécie de tinas, ou pipas de madeira, conduzidas pelos escravos, que as vertiam nos corpos d’água mais próximos. Em outras palavras, tratava–se simplesmente de manter distanciados das áreas residenciais mais nobres, aqueles dejetos, sem propiciar– lhes qualquer tratamento transformador. Reconheçamo–lo, porém: era uma prática que, até em nossa atuali- dade presente, é mantida, embora com o emprego de meios mais sofisticados de transporte.

A importância da potabilidade da água de consumo era conhecida e, em alguns centros populacio- nais mais importantes, obras de porte chegaram a ser realizadas, como o aqueduto da Carioca, no Rio de Ja- neiro, abastecendo de água as bicas do chafariz monumental do Largo da Carioca, no centro da cidade, des- de o século XVII.22

Contudo, uma obra como essa não fora realizada com vistas ao bem da população, antes destinan- do–se a prover de água o chafariz existente no Largo do Paço, ponto de aguada dos navios que atracavam no porto da cidade.23

De modo geral, era precário o estado sanitário das cidades brasileiras durante o período Colonial e, mesmo, durante as primeiras décadas do Reino Unido e do Império: não havia drenagem das águas pluviais, nem dos esgotos, situação caótica expressivamente descrita por Capistrano de Abreu ao afirmar que, com relação às cidades marítimas brasileiras, “da higiene pública incumbiam–se as águas da chuva, os raios do sol e os diligentes urubus.”, concluindo que só a baixa densidade populacional podia explicar a ausência das e- pidemias mais frequentes (ABREU, 1976; p.210) e (RIBEIRO, 1971; p.15).

Outra importante obra, que foi a primeira verdadeiramente urbanística, e de saneamento da cidade do Rio de Janeiro, foi a realizada durante a administração do vice–Rei, D. Luís de Vasconcelos, entre 1779 e 1790, consistindo no aterramento da lagoa do Boqueirão, transformando a área, antes insalubre, no belo Passeio Público. Contudo, passagens apressadas de alguns viajantes, que apenas visitavam algumas partes da cidade, produziram descrições que deixavam a impressão de uma cidade regida por um perfeito urbanis- mo. Com efeito, em 1792, de passagem pelo Rio de Janeiro e a caminho da China, onde ocuparia uma posi- ção junto ao embaixador inglês, Sir George Staunton escrevia:

22- Cf.(:SANTOS; 1925, p.22). Data de 1620 a captação e adução das águas do rio da Carioca para os chafarizes da cidade, em particular para aquele situado

no Largo do Paço, obra do mestre Valentim da Fonseca e Silva, que servia de aguada para os navios atracados no porto; e naquele do então Campo de San- to Antônio, obra monumental em mármore, com 16 bicas de bronze, construída no governo de Aires de Saldanha, que o fizera “sem pedir ordens da Coroa”. Finalmente, em 1735, começava a surgir o aqueduto da Lapa, projeto do engenheiro militar, o brigadeiro José Fernandes P. Alpoim.

23- Não terá sido por outra razão que o conjunto dos chafarizes, incluído o da Carioca, obra realizada pelo governador Aires de Saldanha, fora construído à

revelia das ordens de Lisboa. Cf. FERREZ, Gilberto. O Rio de Janeiro ao tempo da Independência. In:MONTELO, Josué(Org.).História da Independência do Brasil.( Edição comemorativa do sesquicentenário da Independência). Rio de Janeiro: Assoc. Benef. Guanabara, 1972, v.III, p. 165 e seg).;

O Rio de Janeiro, ao que dizem, melhorou consideravelmente nestes últi- mos anos(...) as ruas, geralmente retas, são bem pavimentadas, providas de passeios e a pouca largura de algumas, num país de clima quente, resulta em benefício em virtude da sombra(...) tudo dá impressão de prosperidade. A aparência das pessoas é de abastança e conforto. (FERREZ, 1972; v.II, p. 166).

Em realidade, a descrição correspondia a algumas ruas do centro da cidade, calçadas como descrito pelo visitante, e com uma sarjeta central, onde se acumulavam os detritos. O restante dos logradouros era de terra batida e tomados pelo mato, nem sempre capinado. Além do Passeio Público, a Praça do Paço e a da Ca- rioca eram as únicas urbanizadas; a atual rua Uruguaiana, então a “rua da Vala”, estava surgindo e sua deno- minação já dizia o que era: local onde eram vertidos os despejos fecais das redondezas. A atual Praça Tiraden- tes estava apenas demarcada e, no Campo de Santana, surgia a “Cidade Nova”.

E devemos ter em conta que, entre as cidades marítimas do Brasil–Colônia, a do Rio de Janeiro foi grandemente beneficiada pelo fato de que, desde o início do século XVIII, fora tornada em eixo de conver- gência comercial do Centro–Sul da Colônia, em consequência das medidas de fechamento dos caminhos das Minas Gerais para São Paulo e para o Espírito Santo, além daquele para a Bahia, resultantes das descobertas e do desejável controle Real sobre as minas de ouro e diamantes daquela província mineradora. Dessa forma, a partir de 1763 a cidade foi transformada em ativo centro comercial, reforçando a sua posição como capital da Colônia, em consequência de medidas da administração pombalina, em Portugal.

Em meados do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro era, ainda, o padrão referencial urbano para todo o Império.24 Será pelo que ocorre na Corte que poderemos avaliar o restante do Império, em particular quanto às questões ligadas ao abastecimento de água. Assim, consultando os exemplares do Auxiliador da Indústria Nacional (AIN), órgão de divulgação da Sociedade Auxuliadora da Indústria Nacional (SAIN), institu- ição de apoio técnico–científico dos ministérios do Império, verificamos que as questões ligadas ao sanea- mento básico não lhe eram atribuíveis, como tal; não obstante, cuidava das questões específicas do sanea- mento, quando ligadas aos equipamentos e processos de engenharia que lhe fossem pertinentes. Exempli- ficando, em 1870 o AIN publicava parecer sobre consulta e pedido de privilégios que fora dirigida à Seção de Máquinas e Aparelhos pelo engenheiro civil Charles Bérard. Este dizia–se inventor de um sistema de ex- tração de águas de poços profundos, aplicável especialmente aos terrenos da Corte, onde os aqüíferos esta- vam situados em formações de areias muito finas. O invento consistia no emprego de um filtro metálico mui- to fino, disposto na extremidade do tubo de aspiração; dessa forma, a água aspirada não carrearia as areias e o terreno permaneceria estabilizado. O parecer da Seção foi pela concessão do privilégio, por 4 anos, para a construção de poços com o sistema descrito, posto lhes ter parecido muito importante o melhoramento, face à penúria de abastecimento de água à cidade (O AUXILIADOR, 1870; n º 2, pp.276–277). Notemos que a Se- ção de Máquinas e Equipamentos considerou o pedido como um melhoramento, e não um invento. Real- mente, na época, já havia outros sistemas de poços profundos, como os de Norton, também conhecidos co- mo p o ç o s a m e r i c a nos; o sistema abissínio, era outro muito corrente, mas não empregavam nenhum sistema de filtros finíssimos, donde a justificativa do peticionário: “...uma areia tão fina que acompanha a á- gua aspirada pela bomba que não só estraga [o equipamento] como solapa o terreno e pode ocasionar gra- ves danos.”

O surto de febre amarela, de 1850, seguido do surto de cólera, em 1855, colocaram em primeira prio- ridade a questão da salubridade pública. É assim que, em 1857, iniciava–se na cidade do Rio de Janeiro a im- plantação de moderno sistema de esgotos sanitários, compreendendo todo um sistema de redes coletoras e

instalações de tratamento primário; e, em 1863, era dada concessão a The City of Rio de Janeiro Improvem- ments Co., para a exploração dos serviços do esgotamento sanitário da cidade (AZEVEDO NETTO, 1986; vol 46, n º44).

Este é um momento de profunda transição nos hábitos citadinos porque, em 1860, ainda encontra- mos três empresas individuais que exploravam os serviços básicos de higiene urbana: transporte e evacua- ção diária das águas servidas; recolhimento e transporte diário do lixo e, finalmente, coleta, evacuação e transporte das matérias fecais. Parece, ao que podemos constatar, que pelo menos o serviço de recolhimento de lixo, não era considerado de adesão obrigatória pelos moradores, porque a empresa concessionária anun- ciava, nas páginas do Almanaque Læmmert: “Recebem–se assignaturas a 1$500 mensaes.” (ALMANAQUE, 1860; p.747; título: “Empresa Higiênica Doméstica”).

Observemos que, na mesma fonte, para o ano de 1869, já não mais apareciam os anúncios das em- presas de coleta de lixo e de evacuação de águas servidas, permanecendo, apenas, aquela dedicando–se à evacuação de resíduos fecais. O fato parece indicar uma nova conduta das autoridades municipais que, sob a fiscalização de Junta Central de Higiene, órgão do Governo Imperial, criada em 1850, passava a realizar dire- tamente por si, tarefas que as pequenas empresas individuais não realizavam a contento. Por outro lado, a coexistência de uma empresa remanescente, dedicada à evacuação dos dejetos fecais juntamente com a presença da City of Rio de Janeiro Improvemments, Co. , pode ser entendida como fase de transição, enquan- to as redes coletoras dos esgotos prosseguiam sendo instaladas por toda a cidade.25 Concomitantemente, começam a aparecer, nos periódicos especializados, uma intensa oferta comercial de produtos tubulares va- riados para os fins de canalizações sanitárias, cujos anúncios sugeriam tratar–se das últimas conquistas da moderna indústria baseada em princípios científicos. Em realidade, tais produtos nem sempre eram verda- deiramente eficazes, e nem apresentavam a durabilidade que, deles, se deveria esperar.26

As novas disposições governamentais quanto ao saneamento também estimulavam as atividades industriais, pois temos notícias de certo David Henrique Pina, o qual pedia à SAIN privilégios para instalar uma indústria de torneiras de sua invenção.27

O ano de 1870 marca o início do enfrentamento dos problemas do grande abastecimento de água potável para a cidade do Rio de Janeiro, posto que os recursos hídricos locais tornaram–se insuficientes. Os primeiros estudos para o aproveitamento de mananciais distantes, cuja captação seria próxima à raiz da serra de Petrópolis, eram coordenados pelo engenheiro Antônio Rebouças. A primeira adutora de grande diâme- tro, em tubos de ferro fundido, de 80 cm de diâmetro nominal, importados da Inglaterra, era inaugurada em 1877: era a adutora do rio de São Pedro, com cerca de 56 km de extensão. Até 1880 já estava em carga a se- gunda adutora de longo percurso, que era a adutora do rio d’Ouro. 28

De 1880 até 1908, foram construídas as três últimas adutoras do porte de 80 e 90 cm de diâmetro: foram as adutoras de Xerém, Mantiquira e Tinguá. Em 1860, a cidade do Rio de Janeiro dispunha de 8.020 m³ de água distribuída à população; em 1880, já dispunha de 31.616 m³ e em 1890, de 79.082 m³ (SANTOS, 1025; p.22).

Em 1908, com o término das três adutoras já referidas acima, a capacidade de adução elevava–se a 280.000 m³ por dia. Esse foi um esforço continuado para a introdução de novos hábitos de higiene que, de

25 - Ver, a respeito das primeiras medidas de higiene pública na Corte, o interessante trabalho : (CHALOUB, 1994). Contudo, o autor não desce aos detalhes

da interação da iniciativa privada e a municipal, no tocante aos serviços prestados à população. nessa área da higiene citadina.

26 - Ao lado das velhas, comprovadas e ainda atuais manilhas de barro vidrado, geralmente de procedência inglesa na época de que tratamos, encontramos

anunciados certos tipos de canos “para a condução de água, gás e ácidos correntes” e que eram fabricados em Clichy (França) e eram anunciados como “canos de betume com espiras de aço, fabricado com material vulcânico”; tratava-se de tubos construídos com um tecido impermeabilizado com betume, enrolado sobre uma hélice de fio de aço, que lhes dava uma certa rigidez, aos quais o comércio atribuía vantagens quase milagrosas. Ver: (ALMANAQUE, 1860; p.747);

27- Ver: (O. AUXILIADOR, dezembro de 1862): parecer da Seção de Indústria Fabril, a 21 de julho de 1861;

28- A adutora do rio D’Ouro foi a única dotada de uma particularidade muito singular: ela foi comprada à Inglaterra, juntamente com uma estrada de ferro de

bitola métrica, que a margeava e a acompanhava ao longo de todo o seu percurso. Tratava-se de uma estrada de penetração, que se destinou a transportar as enormes cargas que representavam os tubos de ferro fundido, com quatro metros de comprimento, 80 cm de diâmetro interno e cerca de 5,0 cm de espessura de parede; cada tubo representando cerca de 3,5 toneladas. Foi a Estrada de Ferro Rio D’Ouro, que passou a servir toda a região cujo eixo era a própria adutora.

pronto, refletiu–se nas atividades comerciais da cidade, as quais passaram a oferecer uma nova variedade de produtos e serviços, até então desconhecidos da grande massa popular. Para o observador de hoje, esses fa- tos aparecem como se constituindo em continuidade de progresso, cujo início se dera com as primeiras ins- talações de redes de esgotamento sanitário, na década de 60. De fato, em 1869 eram anunciados os serviços de uma Casa de Banhos, a qual oferecia a seus clientes, além dos tradicionais banhos frios e quentes, de imer- são, os “banhos de chuva”, nova modalidade de banhos que fazia sucesso entre as classes mais abasta- das(ALMANAQUE 1869, p.34– Notabilidades).

Anunciavam–se empresas especialistas em engenharia hidráulica, que se propunham aos projetos completos de redes, públicas e domiciliares, além de se encarregarem dos procedimentos burocráticos para a concessão de “penas d’água”, pelas repartições responsáveis; anunciava–se o fornecimento de tubulações importadas, de todos os tipos, de aço, cobre ou latão, além das tradicionais de chumbo. Bombeiros hidráuli- cos ofereciam seus serviços, estendendo–os às drenagens pluviais, além das instalações de água potável ca- nalizada e de esgotamentos das águas servidas e fecais. Em particular, uma casa comercial situada na esqui- na das ruas do Rosário e Gonçalves Dias, vale dizer, no centro do comércio elegante da época, anunciava os “novíssimos banheiros de chuva, nos tamanhos meia–banheira e grandes”. Tratava–se da difusão do chuveiro de crivo, que a linguagem imaginosa da época identificava como “banho de chuva”.

Ainda nesse ano de 1880, encontramos uma curiosa propaganda institucional, da Casa de Convales- cença do dr. Eiras, anunciando que, desde 1876, fizera grandes reformas em seu estabelecimento situado à “Rua do Marquês de Olinda, em Botafogo”; dizia a propaganda que, fundada havia 25 anos pelo dr Manoel Joaquim Fernandes Eiras, achava–se, então, “montada com toda a elegância, conforto e asseio”, de tal forma que deveria ser considerado como “um hotel sanitário, à semelhança dos da Suíça...”. O ponto alto seria a ins- talação de um “moderno setor hidroterápico, dotado de águas de nascentes, naturais ou refrigeradas a 10 ºC...”. Entretanto, esta propaganda leva–nos à percepção de que havia uma certa desconfiança, por parte das elites, sobre a qualidade e os benefícios da água canalizada e distribuída pelos serviços públicos, já que é marcante a insistência da propaganda desse “Hotel sanitário” sobre o seu abastecimento de água, pois que “dotado de águas de nascentes, naturais...”.29

É, ainda, a partir de 1869 , que se nota radical mudança nos hábitos sanitários da cidade, pois que as propagandas comerciais das então clássicas bacias sanitárias, “envolvidas em caixas de vinhático e construí- das com os recipientes fecais de aço zincado”, deixam de aparecer, sendo substituídos por novos equipamen- to em louça vitrificada, agora fixos e servidos por água corrente, canalizados às redes de esgoto: as denomi- nadas “latrinas hidráulicas”.

Temos tomado a cidade do Rio de Janeiro como paradigma para uma visão da implantação do sane- amento urbano no Brasil. Considerar uma breve cronologia sobre essas atitudes sanitárias, geralmente liga- das às reformas urbanas tangidas pelos conhecimentos científicos adquiridos através o estudo dos surtos epidêmicos que se abateram sobre as populações, ajudar–nos–á quanto à visualização do processo, esten- dendo–o ao País.

Vejamos, pois, essa cronologia:1)– desde 1857, a cidade de São Paulo contratara um especialista francês para executar suas primeiras obras de adução de água. 2)– Em 1861, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, era criada a Cia. Hidráulica Portalegrense, para explorar o serviço de água encanada, na cidade. 3)– Em 1870 seria a cidade de Santos, que criava o seu sistema de abastecimento de água; 4)– se- guindo–se, em 1871, a cidade de Recife. 5)– Em 1877, em São Paulo, era constituída a Companhia Cantareira de Águas e Esgotos, seguindo–se a construção da adutora da Cantareira, em 1879. 6)– Em 1880 era a vez da cidade de Campos, no Estado do Rio de Janeiro, a qual foi a primeira a ser equipada com um moderníssimo sistema de filtros rápidos, para a potabilização da água. 7)– Em 1887 realizava–se o abastecimento público da

29 - É longa a propaganda,procurando transmitir as novas posturas médicas do estabelecimento. Segue-se um “Regulamento” para a internação de escravos

e de alienados, cuja leitura é interessante para a compreensão de hábitos da época. Contudo, a Instituição não admite ser beneficiada pela canalização do- miciliar de águas, insistindo em que seu abastecimento provém de “nascentes naturais...”. (ALMANAQUE, 1880; p.2-Notabilidades);

cidade de Campinas, no Estado de São Paulo.8)– Em 1913 era projetada a adutora de Cotia, na capital paulis- ta; 9)– em 1920, Porto Alegre recebia a sua primeira estação de tratamento d’água. (NETTO, 1986; n º144; vol 46);

Segundo Rocha Pombo, o ano de 1870 marcou o início de uma fase de intensas reformas no âmbito público, entre as quais a adoção do Sistema Internacional de Pesos e Medidas, a reforma das instituições cre- ditícias e do fomento e proteção às indústrias. Quanto à área da Saúde Pública, outra importante postura foi a secularização dos cemitérios, passo essencial para a melhor administração da higiene pública. ROCHA POMBO, 1925; pp. 450–4).30

Esse movimento reformista, no Brasil, era caudatário de um outro, maior e mais abrangente, envol- vendo toda a civilização ocidental, a saber, as descobertas originadas de novas posturas metodológicas da medicina, agora dita científica. Em particular, as áreas abrangendo a saúde pública beneficiaram–se enor- memente dessas novas atitudes metodológicas: por exemplo, em 1880 o agente etiológico da malária era descoberto por Laveram; em 1883, King demonstrou a correlação entre a doença e sua transmissão, a prova da mesma tendo sido colhida por Manson, pouco tempo depois.31

Em 1892, em São Paulo, no bojo desse enorme movimento reformista, era fundado o Instituto Bacte- riológico e, em 1899, o Instituto Butantã, destinado à produção de soros e cuja direção foi entregue a Vital Brasil; no Rio de Janeiro, em 1894, era fundado o Instituto Soroterápico de Manguinhos, também visando à produção de soros e vacinas antipestosos e cuja administração, em julho de 1900, era passada à União. Em 1901, as primeiras cem doses de vacinas ali produzidas eram postas à disposição dos serviços médicos brasi- leiros.

Em contexto de habitação e saneamento precários, surgiram os novos e grandes surtos epidêmicos no Esta- do de São Paulo: em Santos, em 1891, o surto de febre amarela, iniciado havia dois anos, desde fevereiro de 1889, resultara em enorme mortalidade. (SANTOS, 1937).

De Santos, a febre se espalhou, seguindo os caminhos da ferrovia e atingindo quase todo o interior. Campinas, então com 30.000 habitantes, é um exemplo frisante dos acontecimentos: tal foi o pavor na cidade que um enorme êxodo se estabeleceu e, em pouco tempo, a cidade estava reduzida a 3.000 habitantes; sua população refluiu sobre a cidade de São Paulo – que fora poupada do surto, em virtude das suas condições de salubridade, ainda prevalecentes – e outras, também não menos salubres. Novos surtos apareceram em 1892 e 1896. Uma nova epidemia assolou Santos em 1899: era a peste bubônica. Em 1908, devido ao seu crescimento explosivo, as condições sanitárias da capital paulista já não eram mais aquelas que a haviam preservado, no passado, tornando–se vítima de um surto epidêmico de varíola. Em 1914, era a febre tifóide que reaparecia na capital. Finalmente, em 1918, era a “gripe espanhola”, ou influenza, que se abatia sobre a cidade nos últimos meses daquele ano: 5.000 mortos e significativa queda do crescimento vegetativo da ca-