• Nenhum resultado encontrado

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

4.5 O FEMVERTISING E O DIGITAL

Conforme já mencionado, a partir dos anos 80 intensificaram-se os debates feministas e os questionamentos sobre o padrão de beleza e a posição da mulher na sociedade. Nesse momento, fortaleceram-se também as discussões acerca da representação visual das mulheres na publicidade e emergiram, com frequência cada vez maior, imagens do feminino vinculadas à independência, à autonomia, a ambientes profissionais e com padrões diversificados de beleza. (LANA; SOUZA, 2018) Essa erupção de novas representações da mulher está alinhada com a premissa de que existe um diálogo constante entre cultura e publicidade, sendo essa a receptora e reprodutora de símbolos e significados existentes no mundo real. (MCCRAKEN, 2007; SABAT, 2001)

Nesse contexto surge o conceito de “femvertising:”: uma mistura das palavras em inglês para feminismo e propaganda. Segundo Skey (2015) o termo femvertising representa a publicidade que se utiliza “do talento pró-feminino, de mensagens e de imagens que

empoderam mulheres e meninas6” (SKEY, 2015, p. 16, tradução nossa) O termo passou a ser

utilizado com mais frequência após ser mencionado em 2014 por Samantha Skey, diretora executiva de uma plataforma de conteúdo direcionado para mulheres, a SheKnows, em um evento internacional chamado Advertising Week em Nova Iorque. (BAYONE; BURROWES, 2019; NASCIMENTO; DANTAS, 2015)

Embora a palavra femvertising tenha seus primeiros registros apenas em 2014, a lógica por ela expressa é mais antiga e foi se consolidando ao longo do tempo até que, em 2004, a marca Dove, lançou uma campanha de marketing pioneira chamada “Dove real beleza”. A proposta era questionar os padrões de beleza vigentes – considerados excludentes e

6 “Femvertising – defined as advertising that employs pro-female talent, messages, and imagery to empower

inalcançáveis - e provocar o público a refletir sobre o tema das representações visuais da mulher na publicidade, passando pelos temas da auto aceitação e da diversidade. A campanha sugere que o reconhecimento da beleza não padronizada, mas singular e autêntica, é uma crescente aspiração feminina. A Dove, então, apresenta uma multiplicidade de belezas e corpos e concede novas imagens através das quais suas consumidoras podem encontrar identificação. A estratégia, além de endereçar questões feministas e abrir um diálogo sobre o tema, ainda atingiu o objetivo comercial da publicidade duplicando as vendas da Dove ao longo dos anos. (BAYONE; BURROWES, 2019; LANA; SOUZA, 2018)

Além da Dove, outras marcas buscaram incorporar os ideais feministas e a lógica do

femvertising em suas campanhas publicitárias: Avon e Gillete Venus, citadas por Bayone e

Burrowes (2019), a Always, citada por Nascimento e Dantas (2015) e a Fenty x Savage, citada neste trabalho, são alguns exemplos disso. Vale reforçar que essas marcas estão dialogando com os debates acerca do significado feminino recorrentes na cultura e que emergiram também na fala das entrevistadas através das suas frustrações, aspirações, inseguranças pessoais, desejos, etc.

O acolhimento às questões feministas promovido pela lógica do femvertising não deixa de atender o propósito comercial da publicidade, mas desempenha um importante papel em promover reflexões, normalizar diferenças e descontruir modelos hegemônicos que engaiolam a noção de feminino. O que se deve lembrar, no entanto, é que nem todas as mulheres se reconhecem completamente nessa imagem empoderada e independente da mulher defendida pelo femvertising: nas entrevistas foi possível perceber que algumas participantes optam voluntariamente e felizes por ocupar um lugar mais tradicional na vida doméstica enquanto outras, que escolheram dar ênfase às suas carreiras, se lamentam pelo tempo familiar que não tiveram.

Na pesquisa conduzida pela SheKnows (2015) sobre o engajamento do público feminino com propagandas que representam os valores do femvertising, vários critérios tiveram resultado em torno de 50%, mostrando que, de fato, essas premissas não são unânimes. (SKEY, 2015) Novamente é relevante atentar-se para o fato de que o público é vasto, múltiplo e complexo. Mesmo que sejam questionados, na cultura e na publicidade, os estereótipos antigos e tradicionais, qualquer nova representação que engesse o debate será também opressora e excludente.

Outro ponto interessante sobre o femvertising é seu relacionamento íntimo com o fenômeno do digital. Segundo Nascimento e Dantas (2015), o movimento do femvertising está sendo fortalecido pelo ativismo online, que dá voz a críticas acerca de campanhas publicitárias que por ventura firam os princípios do feminismo. Segundo os autores, as marcas que não conseguem incorporar os significados mais atuais do feminino tendem a sofrer cada vez mais rejeições desse público. (NASCIMENTO; DANTAS, 2015)

Nesse movimento, as imagens tradicionais da mulher na mídia vêm sendo cada vez mais contestadas e criticadas pelas consumidoras que se distanciam das marcas ao não se sentirem representadas. Esse distanciamento não ocorre de forma passiva e silenciosa: as críticas e opiniões negativas passam a ser utilizadas de forma ativa através dos meios online que pulverizam o poder de manifestação e dão voz para um número maior de consumidores. (BAYONE; BURROWES, 2017)

A importância da relação entre femvertising e o ambiente online se reflete na capacidade de alcance atingida pelos acertos e erros das marcas ao tratar do feminino. Esse ambiente permite um engajamento maior, não somente das consumidoras com a própria marca, mas também entre as consumidoras. Essa interação pode servir para gerar indicações e elogios ou disseminar fortes críticas. Fato é que, conforme já exposto, a indicação, as referências e o boca a boca – inclusive online - tem o potencial de alterar o comportamento de consumo, valorizando ou prejudicando uma marca.

Além disso, conforme já mencionado, o esforço de adesão das consumidoras aos padrões aspiracionais é também uma busca por pertencimento já que através do consumo das imagens do feminino, ou seja, da adequação aos estereótipos representados na mídia, existe a possibilidade de aproximação ou afastamento em relação ao social. (BARBOSA; CAMPBELL, 2007; ROCHA; BARROS, 2006) Nesse sentido, adicionalmente a conceder voz, o digital também abre novas possibilidades de identificação, de busca pelo real e de aproximação entre consumidoras, já que amplia exponencialmente círculos de relacionamento. Com as redes sociais, a necessidade de pertencimento deixa de estar restrita ao mundo físico e acessa uma diversidade muito maior de pessoas, belezas, ideias e verdades.

Essa importância do digital foi percebida também nas entrevistas que mencionaram muitas vezes conceitos como influencers, blogueiras e “fotos do perfil”, bem como o Instagram nominalmente.

“Então eu acho que falta hoje dessas influencers é mostrar um pouco mais da realidade. Eu acho que elas têm medo de mostrar sua vulnerabilidade, mostrar que nem todo dia a gente está com o cabelo lindo. Quem é que vive só que arrumar cabelo?”(Participante 10)

“você não acredita mais que a Xuxa usa monange ou que o Neymar anda de gol. (...) as pessoas não estão mais acreditando no comercial da TV. Elas estão acreditando no que elas querem e acho que é por isso que as redes sociais acabaram sendo muito mais relevantes do que a própria propaganda de TV, né? Porque as redes sociais mostram a vida real” (Participante 2) “Instagram hoje para mim é uma revista eletrônica né? Eu vejo ali, tanto a parte de das pessoas, (...) mas também vejo ali a publicidade”. (Participante 1)

“porém eu acho que a mídia do Instagram tem empoderado um pouco mais as mulheres” (Participante 3)

O digital, portanto, apresenta uma possibilidade de fuga da propaganda: o relacionamento com marcas e identidades começa a acontecer através de pessoas normais e seus perfis de rede social, sendo palco da busca pelo real e do boca a boca na indicação de produtos e serviços. A pesquisa de Neto e Brandão (2020), por exemplo, avaliava o boca a boca especificamente no mundo online. Nesse espaço de trocas, as mulheres podem buscar imagens que as inspire ao mesmo tempo que se tornam, elas próprias, inspirações.

Assim, o meio digital se consolida como um espaço que multiplica as possibilidades de identificação entre mulheres; que fomenta o debate sobre as questões feministas; que dá voz aos elogios e críticas das consumidoras e que pode estreitar ou romper laços entre essas e as marcas.

Documentos relacionados