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2 Revisão da literatura

2.1.1 O IMP-Group e sua Abordagem Interacional

Em 1977, Bonoma, Zaltmam e Johnston afirmaram que o processo de trocas no mercado interorganizacional era muito mais social e interativo do que uma simples relação racional e mecânica. Para eles, o comportamento de compra industrial possuía, inegavelmente, um caráter social. A partir da visão destes autores, inferimos que a aquisição de um determinado recurso por uma organização deve ser entendida como um processo interativo, que não pode ser estudado isoladamente, mas sim a partir de um espaço temporal e relacional. Ademais, a interação que ocorre é entre dois atores (díade) que desempenham papéis ativos no processo, em vez de ser entre uma entidade ativa e uma outra passiva, como apregoada nas entrelinhas da literatura prevalente do marketing (FORD, GADDE, HÅKANSSON

et al., 2003).

Num contexto permeado pelas redes de relacionamentos, de atores interactantes ativos, surge uma abordagem que olha para os relacionamentos entre organizações a partir de outras lentes, muitas vezes contrastantes com a literatura do marketing transacional, dando origem a uma nova forma de ver o mercado conhecida como Abordagem Interacional do IMP-Group. Esta Abordagem Interacional é o resultado de pesquisas realizadas na Europa Ocidental em organizações industriais da França, Alemanha, Suécia, Itália e Reino Unido. Apesar de sua origem européia, esta corrente de pensamento atualmente está capilarizada em vários países, inclusive no Brasil.

O IMP-Group, portanto, é um grupo com origem na segunda metade da década de setenta, mais precisamente em 1976, ao surgir como uma reação contra a forma pela qual a

abordagem prevalente do marketing olhava para as interações entre organizações. Em outras palavras, contra a visão que tem como foco de análise as diferentes categorias de uma simples transação entre duas organizações, bem como sobre a maneira como as decisões relacionadas a esta simples e única troca eram tomadas (HÅKANSSON, 1982).

Desde então, o IMP-Group vem orientando seus esforços no sentido de desenvolver e realizar estudos na intenção de entender a natureza dos relacionamentos interorganizacionais visto de forma mais complexa e interdependente. Seus pesquisadores vêm gerando idéias e apresentando evidências de que os ambientes interorganizacionais são, em grande parte, caracterizados pela estabilidade e pelo relacionamento de longo prazo (AXELSSON e EASTON,

1992; FORD, 2002; FORD, GADDE, HÅKANSSON et al., 2003; HÅKANSSON, 1982; HÅKANSSON

e SNEHOTA, 1995, MÖLLER e WILSON, 1995). Os princípios norteadores das idéias do IMP- Group está condensado nas críticas que fazem aos mitos apresentados na literatura e prática do marketing transacional, são eles o Mito da Ação, o da Independência e da Auto-suficiência (FORD, GADDE, HÅKANSSON et al., 2003), que resumidamente apresentaremos a seguir.

O Mito da Ação tem sua origem nas idéias do marketing transacional. Neste, as estratégias e orientações mercadológicas são construídas em torno do composto de marketing (i.e., produto, preço, promoção e métodos de distribuição). A partir dessas quatro variáveis (mix de marketing), as organizações adaptam e modificam suas estratégias e orientações mercadológicas voltadas para alcançar seus objetivos. Pode-se perceber uma clara assimetria entre as partes, na medida em que uma delas age e a outra apenas reage (positiva ou negativamente), ou seja, o marketing é o um monólogo em que as atitudes de uma parte são vistas como preponderantes dos comportamentos e atitudes da outra. Cada cliente, individualmente, é considerado insignificante pelos fornecedores, isto é, são vistos como sendo relativamente homogêneos em segmentos de mercado facilmente identificável e manipulável. As ações mercadológicas de alguns atores (e.g. fornecedores), bem como suas

reações de compra (e.g. clientes) podem e tendem a ser analisadas separadamente umas das outras.

O Mito da Independência tem suas origens nas idéias de estratégias de negócios desenvolvidas a partir de um pensamento bastante difundido entre os anos 60 e 70, ou seja, a idéia de olhar para a "estratégia como um plano”. A estratégia, portanto, era vista como algo que simplesmente "emerge" dentro da organização através da combinação e/ou padrões de avaliação conscientes ou inconscientes ao longo do tempo.

O Mito da Auto-suficiência também tem suas raízes no pensamento relacionado à estratégia organizacional. Nele, a elaboração de planos de ação acontece sem levar em consideração outras complexidades do ambiente no qual os atores organizacionais operam. Em outras palavras, se pressupõe que uma estratégia bem formulada é suficiente para ordenar e alocar recursos dentro de uma postura única e viável, baseando-se exclusivamente nas forças (competências internas) e fraquezas da organização, bem como na antecipação de possíveis mudanças no ambiente e das ações contingenciais dos concorrentes. Neste sentido, uma organização seria capaz de operar e alcançar seus objetivos de crescer e se desenvolver, utilizando exclusivamente suas próprias habilidades e recursos.

Analisando o Mito da Ação, os pesquisadores do IMP-Group (FORD, 2002; FORD,

GADDE, HÅKANSSON et al., 2003; HÅKANSSON, 1982; HÅKANSSON e SNEHOTA, 1995) alegam que os ambientes de negócios não consistem de um grande número de atores individualmente insignificantes, mas sim de poucos que variam em importância de acordo com o contexto em que as partes se encontram. Para eles, um ator organizacional tende a procurar uma solução para seus problemas organizacionais junto aos seus parceiros de negócios, atores com os quais interagem em seu cotidiano. Cada parceria é parte de um tecido, composto por díades (conjunto formado por dois atores organizacionais) que interagem de forma interdependente em processos orientados a um objetivo organizacional qualquer. Isso significa que nenhuma

parceria de negócios pode ser entendida isoladamente, pois cada uma delas está interligada a outras. Também deixam claro que não existe um tipo de relacionamento considerado certo ou ideal para parceiros de negócios em todas as circunstâncias, isto é, não há uma mensuração simples da qualidade de um relacionamento, tão pouco a possibilidade de ser concebido um desenho único para a construção de relacionamento que seja aceitável e eficiente em todas as situações.

Em relação ao Mito da Independência, esses mesmos pesquisadores afirmam que um ator organizacional age de forma interdependente. Para tal, ele tende a levar em consideração as análises que fazem do ambiente do qual fazem parte, para que possam desenvolver e implementar estratégias baseadas em suas análises, contemplando suas forças e fraquezas num processo de gerenciamento interativo, evolucionário e responsivo. Dessa forma, as intenções de um ator organizacional, em relação às suas parcerias de negócios, tendem a ser baseadas no conjunto dos seus relacionamentos como um todo. Inferimos, a partir dessas afirmações, que o ator organizacional é um indivíduo mutante que se desenvolve através de processos de interação com outros, possibilitando a ele perceber interdependências multidimensionais, e isso aumenta a importância que ele imputa aos relacionamentos no seu desenvolvimento pessoal, bem como no desenvolvimento de suas estratégias de gestão organizacional.

Quanto ao Mito da Auto-suficiência, o pressuposto central é de que nenhum ator, isoladamente, tem recursos suficientes para oferecer respostas a todos os problemas com os quais é confrontado em seu cotidiano de negócios. Assim, ele depende de habilidades, recursos, ações e intenções de seus parceiros, sejam fornecedores, distribuidores, clientes ou mesmo concorrentes. Neste sentido, a solução de um problema organizacional relacionado ao desenvolvimento de uma nova tecnologia, por exemplo, pressupõe uma acoplagem de

recursos controlados por outros atores (FORD, GADDE, HÅKANSSON et al., 2003; TURNBULL, FORD e CUNNINGHAM, 1996).

Os trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores do IMP-Group têm permeado várias linhas de ação, na intenção de gerar conhecimento sobre os relacionamentos de negócios interorganizacionais. Achamos importante delinearmos o escopo de nossa investigação, visto estarmos adentrando em um sem número de possibilidades que nos levam para marcações e pressupostos distintos. A partir de compilações de trabalhos do IMP-Group, podemos afirmar que olhamos para as interações de negócios a partir do que Easton (1995) chamou de categoria “nexus”9, ou seja, a partir de uma das partes da díade ou da rede de relacionamentos. Lembramos que posicionamos o ator organizacional, enquanto indivíduo interagente, como ator principal do processo e que o nosso objeto de pesquisa é o processo de construção de relacionamentos. Este último é uma importante marcação do trabalho, pois não estamos olhando para os processos de manutenção ou mesmo o fim dos relacionamentos.