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4. O lugar simbólico da língua inglesa

4.4 O inglês global

Para Graddol (2006), o futuro do inglês se tornou mais associado ao próprio futuro da globalização. O inglês global ainda não representa um acordo/pacto acabado. Já é possível ver outra história se revelando dentro do presente século, na qual formas existentes da globalização dão espaço ao regionalismo e a padrões de poder linguísticos, econômicos e culturais mais complexos. A Ásia, especialmente, Índia e China agora possuem a chave do futuro a longo prazo do inglês como língua global.

A modernidade se espalhou da Europa para o mundo. Suas raízes foram o renascimento e seu desenvolvimento pode ser visto ao longo dos séculos - a emergência das economias capitalistas, a expansão colonial, a reforma protestante, as guerras territoriais, a revolução industrial e urbana do século XIX.

As línguas na Europa durante este período se tornaram "modernas" : codificadas, padronizadas, línguas que simbolizaram e ajudaram a unificar a identidade nacional. O surgimento das línguas modernas trouxe consigo conceitos modernos de "falante nativo" e sua contraparte: a noção de língua estrangeira.

Nós alcançamos tal momento em relação ao status do inglês global: o mundo mudou e nunca mais será o mesmo de novo. À medida que números crescentes de indivíduos aprendem inglês no mundo todo, não é apenas "mais do mesmo". Existe um novo modelo, o inglês não está mais sendo aprendido como uma "língua estrangeira" em reconhecimento ao poder hegemônico dos falantes nativos.

A Europa, onde a modernidade foi inventada, está agora fornecendo uma fonte de novas ideias sobre como se adaptar ao mundo globalizado: livre circulação de mercadorias e cidadãos pelas fronteiras coletivas, abordagens padronizadas de ensino e aprendizagem de línguas e novas formas de multilinguismo.

O crescimento do multilinguismo na Europa representa a falta de solução de um componente chave da identidade moderna. O monolinguismo também está declinando nos EUA, onde a hispanificação está trazendo novas expectativas e realidades linguísticas.

Não se pode deixar de notar que em muitos países o inglês ainda forma o mecanismo chave para reproduzir a velha ordem das elites sociais, especialmente, aquelas originalmente construídas pelo imperialismo.

Assim, o modelo pós-moderno do inglês pode ser visto como uma ameaça para muitos que tiveram um grande interesse na sua forma moderna como os falantes nativos cuja identidade foi criada pela modernidade e agora está sendo "desafiada".

Porém, as novas realidades também colocam um desafio para muitos falantes não nativos, incluindo membros daquelas elites existentes para as quais o inglês representa uma marca identitária e para aqueles envolvidos no negócio de ensino tradicional do idioma.

Se algumas das tendências descritas representam pós-modernidade, então devemos reconhecer que em muitos lugares, podemos ver que o projeto de modernidade está incompleto e mesmo no século XXI, a urgência de completá-lo é forte: disputas de fronteira, questões étnicas, a proteção de línguas nacionais, tudo isso está mais associado com as ideias dos séculos XVIII e XIX do que do século XXI. Em regiões menos desenvolvidas, existe um sentimento que o país deve ser "modernizado" como uma preparação para a economia global, como se modernidade fosse uma fase que não pudesse faltar no caminho em direção à globalização.

Graddol (2006) ainda afirma que o status do inglês como a única língua global também está sendo transformado. O próximo estágio do desenvolvimento global vai ser tão dramático quanto aquele da revolução industrial e o surgimento dos estados-nações. Nós estamos rapidamente caminhando para uma nova ordem política, econômica e social e com isso, uma nova ordem mundial das línguas. O inglês está provando ser uma parte central deste processo. De um lado, a disponibilidade do inglês como língua global está acelerando a globalização. De outro, a globalização está acelerando o uso do inglês.

Para o autor, vários fatores estariam interligados à expansão do inglês como língua global e também às alterações no sistema linguístico mundial, entre eles, as mudanças na demografia, os novos padrões de migração e de circulação de pessoas, questões econômicas, tecnológicas e midiáticas.

A mudança demográfica é um dos mais importantes fatores que afetam as línguas e mais especificamente, o inglês. O sistema linguístico mundial tem se transformado - na esfera social, econômica e política - em decorrência das tendências populacionais, já que os países em desenvolvimento se tornam mais populosos, enquanto países desenvolvidos enfrentam o envelhecimento da população.

Segundo Graddol (2006), o futuro das línguas no mundo depende das pessoas. Neste sentido, alguns questionamentos são relevantes como: Quem vive onde? Quais são suas necessidades básicas? Que tipo de trabalho eles vão ter? Tudo isso influencia no panorama linguístico que estamos vivendo.

Países como a Itália, que estão enfrentando um declínio no número de pessoas jovens em comparação com o número dos idosos, são propícios a receber um vasto número de trabalhadores migrantes para apoiar a economia. Isso causa alterações étnicas e linguísticas no perfil do país.

Por outro lado, países que vivenciam um número crescente da população em idade de trabalho, como é o caso da Polônia, podem experimentar altos índices de emigração. Tudo isso altera o status quo linguístico do planeta.

Historicamente, a circulação de pessoas foi a principal razão para a expansão das línguas e ainda possui importante consequências linguísticas hoje. Mais pessoas do que nunca estão se movimentando. Entre 1960 e 2000, o número total de migrantes internacional dobrou para 175 milhões, representando aproximadamente 3% da população mundial.

A liberdade de circulação para trabalho dentro dos países membros da União Europeia (UE) levou à emergência de novas comunidades linguísticas em muitas cidades inglesas. Após a entrada de novos países na UE em 2005, o Reino Unido optou por não impor restrições para migrantes a trabalho. O resultado foi um grande influxo de trabalhadores da Europa oriental, especialmente da Polônia.

Essa realidade está alterando a miscigenação linguística e social dos países de destino. Por exemplo, Londres pode ser considerada uma das capitais mais multilíngues do mundo, um estudo de 2000 verificou que crianças nas escolas londrinas falam mais de 300 línguas.

Sobre isso, em outubro de 2005, o jornal New York Times publicou: Apesar dos medos dentro da Europa de que trabalhadores de baixo custo roubariam trabalhos, o Reino Unido multicultural tem absorvido esses trabalhadores de forma abrangente: poloneses, lituanos e outros do leste europeu estão chegando em uma média de 16.000 por mês. Desde maio de 2004, mais de 230.000 leste europeus se registraram para trabalhar no Reino Unido. Em algumas partes do território britânico, esse influxo aumentou amplamente a demanda por aulas de inglês como segunda língua (ESL), até mesmo em áreas remotas.

Como as economias de países em desenvolvimento estão crescendo, muitos imigrantes retornam aos seus países natais, geralmente, com as habilidades e o capital cultural adquiridos em outros lugares. Os governos da China e da Índia, por exemplo, encorajam os regressos, os quais se tornaram uma nova categoria social nesses países. Esses regressos geralmente enfrentam questões desafiadoras no que se refere à identidade linguística.

Além disso, o turismo internacional está crescendo, no entanto, a proporção de falantes nativos de inglês está declinando. Em 2004, dos 763 milhões de viajantes internacionais, aproximadamente, três quartos das viagens envolveram visitantes de países não falantes do inglês viajando para um destino não falante de inglês. Isso demonstra a escala de necessidade da comunicação internacional face a face e o papel crescente do inglês global.

Outro aspecto relevante é que o inglês está sendo amplamente classificado como um caminho de acesso à riqueza para economias nacionais, organizações e indivíduos. Se isso for correto, a distribuição da pobreza no futuro vai ser bem associada com as distribuições da língua inglesa.

Sobre isso,de acordo com Monte Mór (2013):

Mais recentemente o fenômeno da globalização perpetua a visão de status privilegiado reconhecido no conhecimento de línguas estrangeiras, conferindo à língua inglesa o papel central na efetivação da comunicação, das negociações e das interações entre os falantes de outros idiomas. No entanto, se em fases anteriores, o estudo de línguas estrangeiras representava prestígio social, na sociedade globalizada esse valor é ressignificado: a língua inglesa ganha relevância, dessa vez, como capital cultural e como um requisito para a ascensão econômica. (MÓR, 2013, p.224)

O papel crescente e importante que o inglês está desempenhando nos processos econômicos, no acesso aos tipos de conhecimentos globais disponíveis na língua e nos trabalhos que envolvem contato com clientes e colegas para quem o inglês é o único idioma em comum, trouxe consigo o

perigo de que a língua inglesa tenha se tornado um dos mecanismos principais para estruturar a desigualdade nas economias em desenvolvimento. A falta do inglês em alguns países ameaça agora excluir a minoria em vez da maioria da população.

O fluxo de trabalhadores migrantes para economias mais ricas ameaça o empobrecimento das economias em desenvolvimento. Existe, no entanto, outra dimensão disso, o inglês se tornou uma habilidade necessária para muitos desses trabalhadores. Por exemplo, a Malásia em 2003 estipulou como um requisito para todos os empregados estrangeiros a proficiência básica na língua inglesa, no momento em que Bangladesh assinou um acordo para enviar 200.000 trabalhadores para a Malásia.

Para Graddol (2006), o ensino de inglês foi visto no passado basicamente como uma questão técnica sobre a melhor metodologia, uma questão prática dos recursos no treinamento do professor e nos livros didáticos ou um problema sobre propaganda imperialista.

Mas, atualmente, podemos ver que o ensino de inglês se tornou muito mais do que apenas essas questões acima, pois a língua inglesa se encontra no centro dos paradoxos que emergem da globalização.

A língua inglesa talvez tenha o papel de lingua franca essencial para integrações mais profundas das economias globais baseadas em serviço e também facilita os encontros transnacionais e permite que nações, instituições e indivíduos em qualquer parte do mundo comuniquem suas visões de mundo e suas identidades.

No entanto, é também a língua nacional de algumas economias de mercado que dirigem a globalização econômica e é geralmente vista como um representante de valores culturais, econômicos e até mesmo religiosos.

Neste contexto, em muitos países, as reformas curriculares extensivas estão voltadas para as exigências do mundo globalizado e, nesse cenário, aprimorar a proficiência nacional em inglês agora forma uma parte central da estratégia educacional. Porém, o conhecimento de línguas adicionais ainda permanece como uma marca de classe social.

Assim, aprendizes de inglês, em contextos como o brasileiro, almejam falar essa língua para ascenderem socialmente, para cumprirem as novas

exigências do mercado de trabalho, e também para viajarem e usufruírem da cultura globalizada.

Dessa maneira, é preciso ressignificar a aprendizagem do inglês para dar-lhe a conotação de que não só é possível aprendê-lo, como também aprender a dizer-se numa rede diversificada de dizeres.

Diante de tudo isso, é de suma importância analisar as políticas educacionais desenvolvidas no Brasil para o favorecimento do aprendizado de línguas adicionais no contexto escolar brasileiro, assim como as crenças que permeiam tal ensino e é este o assunto do próximo capítulo.