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4. O lugar simbólico da língua inglesa

4.2 Os círculos de expansão da língua inglesa

Segundo Kachru (1985), o inglês tem se concentrado em três círculos (grupos) de usuários. O primeiro é o Círculo Interno, que corresponde ao uso da variedade mais antiga do inglês, em lugares onde ele é a primeira língua ou a língua dominante, como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Nestes países, certamente existem outras línguas que são faladas, porém quando se trata de discursos na mídia, do governo, educação, etc., só o inglês é utilizado.

O outro grupo é caracterizado como Círculo Externo, o qual compreende países onde o inglês tem uma longa história de funções institucionalizadas e permanece como uma língua de importante papel na educação, governo, literatura e cultura popular como Índia, Nigéria, Paquistão, Singapura e África do Sul.

A Índia tem a terceira maior população de usuários de inglês no mundo, antes dela, vêm Estados Unidos e Inglaterra, e a Nigéria e as Filipinas estão seguindo os passos da Índia, no sentido de maior população de falantes de inglês. O inglês é uma das línguas oficiais na Índia, Nigéria e diversos outros países do Círculo Externo.

O último grupo é o Círculo de Expansão, onde o inglês tem vários papéis e está sendo amplamente estudado, mas não para os mesmos propósitos do Círculo Externo e sim para fins técnicos e conhecimentos científicos. Alguns países que se encontram neste grupo são: a China, Indonésia, Irã, Coreia e Nepal.

Porém, quando se fala em aprender uma língua adicional, a busca pela mesma se pauta também por princípios ideológicos. Não é qualquer língua

a desejada, percebe-se uma forte tendência à língua inglesa e, certamente, o inglês desejado é o que se destaca no cenário político: assim, é o inglês dos Estados Unidos ou é o inglês da Inglaterra. Apagam-se os outros ingleses: o australiano, o sul-africano, o indiano e outros que se possam pensar.

O inglês americano (dos EUA) e o inglês britânico (da Inglaterra) pertencem ao grupo do Círculo Interno, que segundo Elias (2000) seriam nomeados como os “Estabelecidos” (established em inglês), que designam grupos e indivíduos que ocupam posições de prestígio e poder. Um established é um grupo que é reconhecido como mais poderoso e melhor, uma identidade construída a partir de uma combinação de tradição, autoridade e influência. Os demais grupos que se enquadram no Círculo externo e de Expansão seriam os

Outsiders, ou seja, os membros que estão fora, excluídos do grupo mais

poderoso e superior socialmente.

O fato de os membros dos dois grupos falarem com um sotaque e uma fluência diferentes da língua em que ambos se expressam serve como sinal de reforço, que torna os membros do grupo estigmatizado mais fáceis de se reconhecerem em sua condição.

O grupo pertencente ao Círculo Externo ou os Outsiders desenvolvem o desejo de imitar um ou outro modelo, pertencente ao grupo do Círculo Interno, os estabelecidos. É essa oligarquia, essa elite autoritária, que dita as regras ideológicas do bom falar, da língua considerada a boa, a certa, a bonita. Um exemplo é a própria Índia, que procura falar o inglês britânico.

É um mundo em que a desigualdade é estruturada e legitimada pelo linguicismo, que de acordo com Skutnabb-Kangas (1996, p.36) é definido como "ideologias, estruturas e práticas utilizadas para legitimar, realizar e reproduzir uma divisão desigual de poder e de propriedade de bens (materiais e não materiais) entre grupos definidos com base na língua”.

Phillipson (1992, p.84) afirma que, sobretudo em países do "círculo em expansão", a língua inglesa se apresenta, por um lado, como uma

commodity muito valorizada num mundo que está se globalizando com uma

rapidez assustadora.

Por outro lado, ela também traz memórias, em especial em países da América Latina, de um passado de ingerências, sobretudo dos Estados

Unidos, que sempre se acharam no direito de agir como os guardiões do seu "fundo do quintal" (RAJAGOPALAN, 2006, p.58).

Nesse sentido, o deslumbramento que alguém pode sentir pelo inglês é perfeitamente compreensível, principalmente, em um país do "círculo em expansão". Assim como o repúdio que outros possam sentir em relação ao idioma, associado, muitas vezes, com a atitude imperialista dos Estados Unidos no trato com os demais países do mundo.

O "círculo em expansão" contrasta muito com o "círculo externo", pois nos países deste último, em geral, não se verifica encanto com a língua inglesa, muito menos adulação aos povos que se acham donos do idioma, pelo menos nos mesmos moldes e com a mesma intensidade. (RAJAGOPALAN, 2009)

Como professores de língua inglesa, devemos nos esforçar para que os alunos dominem a língua e não fiquem eternamente no encanto do idioma e da cultura específica e muitas vezes fantasiada que o acompanha, ressalta Rajagopalan (2005).

Canagarajah (1999, p.211) se mostra consciente sobre a importância de não se entregar de corpo e alma aos encantos do inglês como língua hegemônica no mundo e afirma: "Muitas coisas podem ser feitas a fim de negociar, modificar e até mesmo contrabalançar o poder imperial da língua inglesa -pelo menos em domínios limitados- criando no processo, relações mais igualitárias."

Sobre este assunto, Rajagopalan (2001) comenta sobre o autor supracitado:

O livro de Canagarajah16 é um convite ao pensamento crítico sobre a questão política e ideologicamente carregada, da expansão do inglês como a língua franca número um no mundo. O apelo que ele faz para que tomemos uma atitude crítica diante da hegemonia do inglês e sua exortação para que evitemos atitudes extremas, ou de rejeição xenófoba ou de submissão passiva, merece atenção de todos nós que estamos envolvidos nessa empreitada. (RAJAGOPALAN, 2001, p.467)

16

O livro citado é: CANAGARAJAH,S.A. (1999). Resisting Linguistic Imperialism in English Teaching. Oxford: Oxford University Press.

Nesse sentido, Lima (2011) defende a ideia de que o campo do ensino de inglês tem que tomar ciência das significativas mudanças que vem sofrendo a própria língua que conhecemos como "inglês". Isto porque a língua inglesa hoje é uma língua proteiforme, essa língua não tem pátria, nem está delimitada a uma região geográfica. É esse novo fenômeno linguístico que devemos nos esforçar para ensinar e aprender, porque é dele que os aprendizes de hoje vão precisar no futuro bem próximo.

Assim, para avaliar as hierarquias linguísticas, deve-se pensar em fatores econômicos e políticos, sobre como os recursos são oferecidos para uma ou algumas línguas, mas não para outras e sobre ideologias que legitimam tais preferências e que tendem a glorificar algumas línguas e estigmatizar outras.

De acordo com Lima (2011), a proposta de Kachru enfatiza o uso de uma língua não nativa para comunicação entre grupos linguísticos distintos, especialmente em sociedades multilinguais.

No entanto, podemos verificar na literatura que examina o perfil sociolinguístico de presença e propagação da língua inglesa em países onde ela se configura como língua estrangeira, um reconhecimento do papel da fruição da mídia e da cultura popular - manifesta na música, no cinema e na televisão - e da interatividade através das novas tecnologias da informação e da comunicação - por meio de e-mail, do hipertexto e dos sistemas de entretenimento como os video games.

Se tomarmos a alta difusão desses artefatos midiáticos na sociedade brasileira, atestada pelo crescente acesso à programação de TV e ao cinema de língua inglesa, à música cantada em inglês, à navegação e ao jogo eletrônico, não há como não reconhecer que o Brasil é um país de intenso contato linguístico com a língua inglesa.

Graddol (2006) analisa que a familiar "história do inglês" fornece uma narrativa histórica que representa a emergência do inglês global como um "triunfo" para os falantes nativos. Mas a realidade é que estão ocorrendo mudanças muito mais complexas e abrangentes no sistema linguístico mundial. O inglês não é a única "grande" língua no mundo e a sua posição de língua global está agora aos cuidados dos falantes multilíngues.

A história do inglês é convencionalmente dividida em três partes: Inglês Antigo, Inglês Médio e Inglês Moderno. Essa tripartição nos atenta para eventos particulares na história britânica - especialmente a invasão normanda, que ocasionou a rápida "francificação" da língua inglesa e, mais tarde, o desenvolvimento político, econômico e religioso que perpassaram o surgimento da Inglaterra como um Estado-nação moderno.

A história tradicional é construída como uma grande narrativa, que gera um mito das origens nacionais tendo como herói a língua inglesa, a qual emerge de origens obscuras e floresce em tempos do Antigo Inglês, relacionado à fundação da consciência política anglo-saxônica (um presságio do papel do inglês no estabelecimento da futura identidade nacional).

Porém, existiria um complicador na história, o ponto no qual o vilão aparece e perturba o status quo. Na grande narrativa da história do inglês, é o francês que é mostrado como o vilão, com quem a língua inglesa batalha e vence ao final. Nesse sentido, a era modera, iniciada no século XVI, representa o triunfo final do inglês.

A língua, assim, supera seu vilão histórico e emerge como uma língua nacional, com a literatura respaldada pelos gostos de Dryden e Shakespeare; a escrita científica por Isaac Newton e seus contemporâneos da Sociedade Real (século XVII) e ainda com seu aparato regulamentado pelo primeiro dicionário compilado por Samuel Johnson.

Seguindo os parâmetros dessa história tradicional, poderíamos falar de um quarto período na história do inglês: após o inglês moderno viria o período do "inglês global".

Essa visão da história da língua continua com a grande narrativa, sugerindo que o inglês, que na modernidade triunfou como língua nacional, agora teria triunfado como língua global, superando mais uma vez seu grande inimigo, tirando o lugar do francês como língua preferida no cenário internacional ou como a língua de trabalho da Europa.

Vale dizer que essa visão, como um todo, é etnocêntrica demais para permitir uma compreensão mais ampla das complexas maneiras em que a expansão do inglês está ajudando a transformar o mundo e também nas quais, o inglês, em contrapartida, está sendo transformado pelo mundo.

O número crescente de falantes de inglês deve ser visto em um contexto muito mais amplo, em que o sistema linguístico mundial inteiro está se reestruturando. Em termos de falantes nativos de inglês, os percentuais estão diminuindo. Alguns estudiosos já sugerem que o inglês tenha caído para o quarto lugar, o qual será desafiado pelo árabe na metade do século atual.

Outras línguas agora disputam o domínio do inglês em algumas regiões, é o caso do mandarim e do espanhol em suas regiões de uso. O número de falantes nativos parece importar menos do que antes na análise do status linguístico mundial e o número dos falantes de inglês como língua adicional está obtendo mais importância. (GRADDOL, 2006)