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Entrando no jogo:

O JOGO E SUA DIMENSÃO ECONÔMICA

Por um viés econômico, o videogame é o setor criativo que vem apre- sentando as maiores taxas de crescimento no mundo. (NEWZOO, 2014) Conforme levantamento do Grupo de Estudos e Desenvolvimento da In- dústria de Games (GEDIGames), apenas no ano de 2010 este mercado já havia movimentado cifras superiores ao cinematográfico. (GEDIGAMES, 2014, p. 6) O grupo estima que as vendas desse setor sejam duas vezes maio- res que as da indústria fonográfica e que sua tendência de crescimento é mais rápida que as do setor cinematográfico. (GEDIGAMES, 2014, p. 8)

Em seus primórdios, o setor de games tinha uma produção polarizada entre Estados Unidos e Japão. A partir de seu crescimento e populariza- ção, outros desenvolvedores surgem e conquistam espaço. O GEDIGames apontava Londres, na Inglaterra, e Paris, na França, como as detentoras das maiores produtoras de jogos digitais fora do eixo dominante EUA-Ja- pão no ano de 2007. (GEDIGAMES, 2014, p. 23) O estudo mostra que o cenário europeu é, atualmente, liderado por Reino Unido, Escandinávia, Alemanha e França.7

O setor vem apresentando forte crescimento não apenas no mundo, como também no Brasil, conforme verificado por Cardoso. (2013, p. 9) En- tretanto, para esse pesquisador, ao cenário brasileiro são necessárias mu-

7 Recentemente, a França havia declarado que o seu país é o segundo mais importante mercado de

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danças em sua estrutura ou “o país continuará um importador de conteú- do criativo assim como ocorre com outros setores na Economia Criativa”. (CARDOSO, 2013, p. 10) Em 2008, as importações superaram as expor- tações, numa demonstração de que o Brasil encontrava-se deficitário em produtos criativos de maneira geral. (CARDOSO, 2013, p. 30) Conforme apontado por Cardoso, diferentemente de outros países, no Brasil não existem grandes empresas desenvolvedoras de jogos, e as pequenas em- presas não visam atender às demandas do mercado consumidor. (CARDO- SO, 2013, p. 155)

O videogame chega ao Brasil na década de 1980,8 período marcado pelo declínio do regime militar e, dentre outros aspectos, por fortes bar- reiras alfandegárias e um parque tecnológico pouco competitivo. Algumas empresas brasileiras – Dynacom, CCE e Dactari – se destacavam no de- senvolvimento tanto de jogos, quanto de “clones” do Atari 2600. Nos anos 1990, cabe destacar a Tectoy – representante brasileira da japonesa Sega –, a primeira a lançar produtos nacionais e em português9 para um console de videogame. (CARDOSO, 2013, p. 59) Nesse período, o Brasil estabelecia a reserva de mercado para o setor tecnológico (BRASIL, 1984) que, por um lado, fora acusada de retardar o avanço tecnológico do país,10 mas por ou- tro, de induzir investimentos governamentais e do setor privado.11 Entre- tanto, com o fim da reserva e abertura econômica em 1992, a maioria das empresas nacionais não conseguiram concorrer com as gigantes estrangei-

8 A primeira empresa a comercializar videogame no país foi a Philco/Ford, na década de 1970, com o Telejogo. (CARDOSO, 2013, p. 58) Entretanto, a partir das importações das redes de lojas Mappin e Mesbla, o Atari 2600 foi o primeiro console doméstico a despontar no Brasil na década de 1980. (WIKIPEDIA, 2014) Já o primeiro jogo produzido no Brasil foi Amazônia da TILT Online, lançado em 1983 para computadores. (CARDOSO, 2013, p. 60)

9 Títulos como como Turma da Mônica, Turma do Sítio do Pica-Pau Amarelo e Ayrton Senna. 10 Uma vez que este não conseguia acompanhar, na mesma velocidade, o desenvolvimento tecnoló-

gico mundial, o que tornava os preços dos produtos nacionais muito acima dos importados e, de algum modo, incentivava o comércio ilegal de hardware e software. (NAMOUR, 2009)

11 O que possibilitava ao Brasil desenvolver uma expertise em tecnologia, uma indústria de software competitiva e uma fabricação nacional de PCs – o primeiro país na América Latina. (NAMOUR, 2009)

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ras, pois conforme avaliação de Edson Fregni,12 isso “ocorreu antes que a indústria nacional estivesse pronta”. (apud NAMOUR, 2009)

O desenvolvimento da indústria criativa de videogames está intrinse- camente ligado ao desenvolvimento tecnológico do país. Para a Associa- ção Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitais (Abragames), “o Brasil está longe de ser considerado um país com tradição em desenvolvimento de jogos”, haja vista que as empresas nacionais “atuam num mercado árido, sem regras e incentivos”. (ABRAGAMES, 2008, p. 6) A Abragames pontua, além da dificuldade no mercado internacional, a inexpressividade do mer- cado interno. Para a Associação, “a ausência de uma correta compreensão do potencial desta indústria, tanto por parte do governo quanto da socie- dade, se deve em parte à falta de uma ‘cultura em jogos’ no país.” (ABRA- GAMES, 2008, p. 10) Segundo a organização,

Apesar do faturamento (aproximadamente 18 milhões de reais) das empre- sas de jogos ainda não poder competir com as cifras dos grandes centros de desenvolvimento do mundo, as desenvolvedoras nacionais têm-se desenvol- vido num ritmo extremamente competitivo [...].

Um primeiro mapeamento do setor foi realizado pela Abragames em 2005. Na época, foram identificados 55 desenvolvedores em atividade no Brasil, tendo o entretenimento como foco principal. (ABRAGAMES, 2005) No segundo mapeamento, em 2008, verificou-se um crescimento do se- tor, mas ainda assim, responsável por apenas 0,16% do faturamento mun- dial de jogos digitais. (ABRAGAMES, 2008, p. 4) Por seu turno, em 2014, o GEDIGames identificou 133 desenvolvedores em atividade no país. Nesse mapeamento,13 apurou-se a existência de polos de desenvolvimento em di- versas regiões, sendo a maioria concentrada no Sul e Sudeste; no Nordeste,

12 Ex-presidente da Associação Brasileira da Indústria da Computação (Abicomp) e ex-presidente da Scopus, uma das principais empresas da época. (NAMOUR, 2009)

13 Mapeamento da Indústria Brasileira e Global de Jogos Digitais, realizado pelo Grupo de Estudos e Desenvolvimento da Indústria de Games (GEDIGames) da Universidade de São Paulo, em parceria

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há destaque para Pernambuco, “provavelmente pela existência do Porto Digital, polo que agrega diversas empresas de tecnologia”. (GEDIGAMES, 2014, p. 12)

Conforme verificação de Alves (2009, p. 380), o crescimento do mer- cado de games no país é contínuo, apesar da ausência de políticas públi- cas mais efetivas. Entretanto, a pesquisadora destaca ações governamen- tais para a inclusão digital e o combate ao mercado ilegal. (GEDIGAMES, 2014, p. 378) O Ministério da Cultura (MinC) vem sendo apontado como o maior incentivador do setor até então. (CARDOSO, 2013, p. 135) Vale observar que o MinC havia, oficialmente, se aproximado do universo dos games durante a gestão Gilberto Gil, em 2004, ao reconhecê-los enquanto produtos audiovisuais e artísticos (FOLHA, 2004). Entretanto, conforme Cardoso (2013, p. 150), há uma grande defasagem em termos de capital humano, conhecimento e infraestrutura no país, que afetam o empreen- dedorismo criativo. O setor de games está inserido na categoria “Audio- visual e Mídias Interativas”, no Plano da Secretaria de Economia Criativa. (MINC, 2012) “O MinC considera os setores criativos aqueles em que a “dimensão simbólica é determinante no seu valor, resultando em produ- ção de riqueza cultural, econômica e social”. (MIC..., 2004, p. 22)

Para o Ministério, a Economia Criativa trata-se de uma “nova econo- mia”, a da dimensão simbólica da produção humana (MINC..., 2004, p. 24), pensando o desenvolvimento “menos como produto do que processo cul- tural” (MIC..., 2004, p. 14). Ainda em construção, o conceito de Economia Criativa vem se desenvolvendo no meio acadêmico sob as contribuições de pesquisadores como Caves, Florida e Howkins (MIGUEZ, 2007); este último é referenciado como o primeiro a usar o termo, em 2001. No entanto, ques- tões sobre a área já apareciam nos anos 1990, principalmente pela influência do conceito australiano de creative nation, na Inglaterra. (MIGUEZ, 2007)

A evidência que a Economia Criativa – bem como as indústrias cria- tivas – assume na contemporaneidade, conforme Miguez (2007), aconte- ce em um cenário em que a cultura é cada vez mais central e transversal

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na sociedade. Ainda, a influência do impacto econômico advindo do setor (REIS, 2008, p. 20) fez com que a dimensão econômica dessa área apareces- se como questão importante na agenda de diversos países, a exemplo do Brasil, dando destaque a atividades relacionadas à criatividade e à habilida- des individuais. Assim, para Miguez (2007, p. 96-97):

A economia criativa trata dos bens e serviços baseados em textos, símbolos e imagens e refere-se ao conjunto distinto de atividades assentadas na cria- tividade, no talento ou na habilidade individual, cujos produtos incorporam propriedade intelectual e abarcam do artesanato tradicional às complexas cadeias produtivas das indústrias culturais.

Reis (2008, p. 15) evidencia a importância dos dois aspectos funda- mentais da Economia Criativa: a criatividade que, aliada às tecnologias e à globalização contemporâneas, é impulsionadora não só do novo, mas da reinvenção, o que proporciona “equacionar soluções para novos e velhos problemas”; e a economia que tem a própria criatividade como propulso- ra. Esse quadro de coexistência entre o universo simbólico e o mundo con- creto é o que transmuta a criatividade em catalisador de valor econômico. (REIS, 2008, p. 15) A gamificação (VIANNA et al., 2013) presente na socie- dade contemporânea e o lugar do Brasil como o quarto maior consumidor de games do mundo colocam o setor como promissor no desenvolvimento econômico e cultural do país, apresentando um potencial que pode ir de encontro ao que diz Reis (2008, p. 20):

Encontrar as características de economia criativa adequadas a cada país ou região, identificar suas vantagens competitivas, sua unicidade, seus proces- sos e dinâmicas culturais, as redes de valor criadas e o valor agregado poten- cial da intangibilidade de seus produtos e serviços.