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Entrando no jogo:

O JOGO EM SUA FORMA DIGITAL

O jogo, portanto, faz parte do universo cultural da humanidade há muito tempo. E com a emergência da sociedade tecnologicamente conectada e em rede (CASTELLS, 2011) e da onipresença do ciberespaço4 (LÉVY, 2007),

4 O ciberespaço, tal como entendido por Lévy (2007, p. 104), abrange não apenas o jogo em sua forma digital – os videogames –, como também outras dimensões simbólicas onipresentes na so-

DIMENSÕE S CRIA TIV A S D A E C ONOMIA D A CUL TURA

o jogo, agora em sua forma digital, tornou-se um dos elementos mais evi- denciados da cultura contemporânea, em diversas civilizações – do Orien- te ao Ocidente –, adquirindo também dimensões além do entretenimento. O jogo em sua forma digital se aproxima do entendimento trazido ante- riormente por Huizinga (1938) e por Caillois (1958), mediado, agora, por meio das convergentes tecnologias multimídias,5 as quais Lévy (2011, p. 25) entende como metáfora “para todas as esferas da realidade em que sig- nificações estejam em jogo”. Compreendendo que a convergência entre os meios ocorre através da interação entre as pessoas, e que esta é potencia- lizada pelas tecnologias (JENKINS, 2009), compartilhamos o pensamento de Vilches quando este diz que:

A grande mudança que as tecnologias da informação está criando na socie- dade ultrapassa a simples convergência entre os meios [...]. O que movimen- ta o mundo é a migração simbólica entre espaço e tempo; não as tecnolo- gias, mas seus conteúdos culturais. (VILCHES, 2003, p. 71)

Podemos dizer, então, da migração simbólica do jogo para o contexto digital. O jogo encontra no ciberespaço um ambiente ampliado ou mesmo um contínuo da nossa realidade. (LÉVY, 2007) Situa-se num contexto em que as tecnologias da informação e da comunicação são, também, ressigni- ficadas em tecnologias de interação sociocultural, pois citando Wertheim (2001, p. 170), o espaço virtual não é apenas mais um ambiente para coleta de informações, mas também para interação social, comunicação e entre- tenimento interativo, “o que inclui a criação de uma profusão de mun- dos de fantasia online em que as pessoas assumem elaborados alter egos”. Salienta-se, aqui, que o jogo sempre fora mecanismo de interação entre as pessoas e no contexto digital amplia-se esta dimensão.

O universo criado nos videogames eleva o corpo físico para uma di- mensão altamente complexa, numa potencial relação simbiótica entre

5 São exemplos de tecnologias multimídia: computador, console de videogame, tablet, smartphone, Smart-TV e a própria web, cada vez mais integradas e conectadas entre si.

C OLE Ç Ã O DO OBSER V A TÓRIO D A E C ONOMIA CRIA TIV A

corpo e tecnologia (SANTAELLA, 2004) – ainda mais se consideramos a noção de subcriação6 proposta em 1939 por J. R. R. Tolkien. (apud WOLF, 2008, p. 308) No universo desses jogos ou nesses “espaços informacionais” – conforme termo usado por Santaella (2004) –, há regras e lógicas pró- prias, que envolvem geografia, história, cronologia, culturas, línguas, flora, fauna (WOLF, 2008, p. 308), e até sistema financeiro próprio. Tal contexto constitui o que Santaella (2004, p. 47) chama de metamídia complexa, isto é, um ambiente de “signos híbridos no qual imagens, gráficos, desenhos, figuras, palavras, textos, sons e mesmo vídeos misturam-se” e que resulta em mundos imaginários completos e consistentes. (WOLF, 2008, p. 308) Esses mundos de “fantasias tecno-científicas”, conforme Wertheim (2001, p. 31), “são parte cada vez mais poderosa de nossa paisagem cultural”.

A essa migração do jogo para a sua forma digital, de maneira simbó- lica, estudiosos assinalam o ano de 1958, quando do desenvolvimento do primeiro jogo eletrônico conhecido como Tênis para dois, “utilizando um osciloscópio ligado ao terminal de um computador analógico”, na Univer- sidade de Brookhaven, em Nova Iorque. (LOPES; FERNANDO; GHOMES, 2012, p. 3) Entretanto, a sua inserção na sociedade ocorre somente a par- tir dos anos 1970: “quando Nolan Bushnell adicionou um slot de moeda para o jogo de arcade Computer Space em 1971, a indústria de videogames nasceu”. (WOLF, 2008, p. 29, tradução nossa) Era o início de um fenôme- no social e cultural. Conforme Wolf, “como a indústria do jogo de arcade cresceu, a indústria do jogo doméstico seguiu o exemplo, estimulado com a ascensão dos computadores pessoais, muitos deles com recursos de joga- bilidade”. (WOLF, 2008, p. 29, tradução nossa)

As dinâmicas transformações da computação acentuadas a partir da década de 1970, que envolviam atualizações constantes na miniaturização, armazenamento, memória e, sobretudo, capacidade gráfica, possibilitaram

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a ascensão social do computador e de uma nova configuração do mundo. (CASTELLS, 2011) “O resultado foi uma revolução cultural, tanto quan- to tecnológica” (REHAK, 2008, p. 76), característica fundante da socieda- de atual. Diante de tantas mudanças, o videogame foi o elemento mais emblemático desse cenário: “como primeiro uso meramente recreativo de hardware de computador, os videogames representaram a redefinição do que – e para quem – os computadores realmente eram.” (WOLF, 2008, p. 21, tradução nossa).

Assim, para este pesquisador, o videogame tem um lugar importante na história cultural, pois além de ser “o primeiro meio a combinar ima- gens em movimento, som e interação com o usuário em tempo real em uma máquina”, eram, durante essa década, os primeiros “computadores” a entrar nas casas das pessoas; lembrando que, nesta época, o acesso aos sistemas informáticos era ainda restrito a universidades ou a grandes cor- porações. (CASTELLS, 2011)

Relativamente simples, conforme verifica Wolf (2008, p. XIV), os sis- temas de videogame domésticos foram ganhando popularidade tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Destaca-se, no período, a empresa Ata- ri, que havia se tornado a única empresa a produzir jogos digitais, consoles e computadores domésticos, e que hoje é referenciada, tanto no imaginá- rio popular quanto por estudiosos, como a empresa que possibilitou a in- serção dos videogames na sociedade.

Embora a história dos videogames no mundo tenha um pouco mais de quatro décadas, para Wolf (2008, p. XV) este é um tempo relativamen- te curto se comparado com a dos outros meios. O autor conta que essa história “é densa e multifacetada, uma vez que coincide com outras áreas como o cinema, televisão, Internet e outras mídias interativas”. (WOLF, 2008, tradução nossa) Bem verdade, seu desenvolvimento, como vimos, está associado aos avanços da computação, quando esta indústria passou de “simples blocos saltando gráficos para uma indústria global de enormes proporções”. (WOLF, 2008, p. 1, tradução nossa)

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Entretanto, para além da sua dimensão tecnológica, evidenciamos também a sua dimensão econômica e simbólica: o videogame não só é jo- gado por milhares de pessoas, alcançando enorme sucesso na maioria dos países, como também influencia e é influenciado, hoje, fortemente por ou- tras mídias como o cinema, a televisão, a literatura, a música, a internet (JENKINS, 2009), sobretudo a partir da emergência dos jogos multiplayers a partir dos anos 1990.