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2. REVISÃO DE LITERATURA E FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 A regulamentação da profissão em Biblioteconomia

2.2.3 O mercado de trabalho do bibliotecário

Em 2000, Valentim publicou um artigo em que descreve as possibilidades de atuação dos bibliotecários no mercado de trabalho. No contexto da virada do milênio, vaticinou sobre as mudanças na sociedade (e, por conseguinte, no mundo do trabalho) em decorrência do surgimento das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC). Afirmou na época que:

A informação, portanto, como objeto de trabalho e estudo do bibliotecário, tem sido afetada pelas tecnologias de informação, modificando seu formato, seu suporte, seu processamento e disseminação, influindo na forma de mediação entre o bibliotecário e o usuário/cliente (VALENTIM, 2000, p. 17).

As tecnologias de informação impulsionaram as mudanças na atuação do profissional da área, uma vez que eram consideradas ferramentas essenciais de trabalho, para qualquer tipo de unidade de informação. Logo, possuir o conhecimento nessas tecnologias seria fundamental. Sobre isso, Valentim (2000, p. 20) afirmava que os cursos formadores “devem disponibilizar todo e qualquer tipo de tecnologias ao seu corpo docente e discente, buscando um ensino-aprendizagem que permita ao profissional atuar no mercado de trabalho de forma segura e competente”.

A previsão sobre o impacto das NTIC na atuação do profissional se concretizou e, também, não deixa de ser atual a divisão do mercado de trabalho do profissional bibliotecário feita por Valentim (2000). A autora cita o “mercado informacional tradicional”, que engloba as bibliotecas públicas, universitárias, escolares e especializadas, os centros culturais e os

arquivos; o “mercado informacional − tendências”, que compreende a atuação em centros de informação e documentação em empresas privadas, bancos e bases de dados eletrônicos e digitais, portais de conteúdo e portais na internet/intranet; e o “mercado informacional existente não ocupado”, integrado por editoras, livrarias, bibliotecas escolares, empresas privadas, provedores de internet, bancos e bases de dados. Deve-se registrar a observação de Valentim (2000, p. 21-22) sobre as bibliotecas escolares: “um imenso mercado de trabalho que se de fato fosse atuante, não haveria profissionais suficientes para atender a demanda nacional”. Talvez por isso elas estivessem também elencadas no grupo do “mercado informacional existente não ocupado”. Ressalta-se que o artigo em questão é anterior à promulgação da Lei 12.244, de 2010, que dispunha sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País. Valentim (2000, p. 22) posicionou as bibliotecas universitárias como “um mercado consolidado com grande concentração de profissionais”. Mais à frente, nas análises dos dados deste trabalho empírico, estará ratificado que as bibliotecas universitárias e escolares continuam sendo os locais que abrigam a maior parte dos profissionais bibliotecários egressos da UFMG.

Ainda sobre as possibilidades do mercado de trabalho dos profissionais da informação, Baptista e Mueller (2005) afirmaram, tal como Valentim, que os avanços tecnológicos e a informatização promoveram novas formas de trabalho em todas as profissões e que isso abriu um leque de oportunidades aos bibliotecários. Nas palavras das autoras, “parece haver também, entre os bibliotecários, maior consciência de que conhecimentos e habilidades adquiridas no curso de Biblioteconomia são aplicáveis em qualquer contexto onde há estoques de informação” (BAPTISTA; MUELLER, 2005, p. 37). As autoras citaram na época a Internet como área promissora de atuação profissional. Neste caso, a literatura do período relatava que, em geral, as oportunidades estavam relacionadas às tarefas de “planejar, construir e operacionalizar sites e com atividades de busca de informação” (BAPTISTA; MUELLER, 2005, p. 40).

Segundo Baptista e Mueller (2005), o nicho de informação para negócios, especialmente alavancado por organizações que praticavam a inteligência competitiva, era outra tendência. Contudo, observava-se que o bibliotecário nas grandes organizações, citando Davenport (2001)18, não participava das equipes de informação, que eram,

geralmente, compostas por egressos da computação e da administração. Para as autoras, isso poderia ser uma reação derivada da nomenclatura da profissão que, já à época, não

18 DAVENPORT, Thomas H. Equipe especializada em informação. IN: Ecologia da informação: porque só a tecnologia não basta para o sucesso na era da informação. São Paulo: Futura, 2001, p. 140-172.

compreendia adequadamente os limites do campo de atuação nem mesmo o mercado de trabalho ao qual se destinava. Então, a denominação tradicional – “bibliotecário” − já era, nos primórdios dos anos 2000, considerada por alguns como um fator negativo à profissão. De acordo com as autoras, “a literatura confirma esse ponto, demonstrando que, na visão dos empregadores, a capacidade real do bibliotecário fica prejudicada pela associação com formas e fontes tradicionais de trabalho” (BAPTISTA; MUELLER, 2005, p. 45). De outro lado, Souza (2006) não acreditava que a crise de identidade profissional do bibliotecário estivesse vinculada diretamente ao nome da profissão nem ao nome do campo de conhecimento que a sustentava teoricamente. Para o autor, o problema de entendimento quanto ao campo de atuação do bibliotecário teria a ver com as próprias condições socioeconômicas do País, sendo que isso somente seria superado com a maior participação do bibliotecário nos diversos espaços que a sociedade pudesse dispor:

[...] o reconhecimento do bibliotecário e do cientista da informação, de suas profissões e das ciências que as sustentam não depende da percepção “iluminada” de que os nomes Biblioteconomia e Bibliotecário deixaram de ser adequados para designar o que os profissionais sabem e fazem. O que, possivelmente, precisa continuar a ser realizado, cada vez mais, com maior ação e envolvimento, é a requalificação da ação política, a ampliação do número de estudantes nos cursos que preparam para a atuação nas profissões de bibliotecário e cientista da informação e a ampliação do número de profissionais qualificados que as praticam (SOUZA, 2006, p. 32).

Retomando a discussão sobre o mercado de trabalho do bibliotecário, a respeito dos mercados dito tradicionais, Baptista e Mueller (2005) descreveram que, em relação ao peculiar mercado de trabalho de Brasília, por exemplo, sempre predominaram oportunidades em bibliotecas especializadas, especialmente nas áreas jurídica, legislativa e de assessoria de governo. Já as bibliotecas públicas e escolares sempre ofereceram poucos empregos nessa localidade, diferentemente das bibliotecas universitárias, que naquele período eram impulsionadas pela expansão do ensino superior privado.19 De todo modo, a referência ao

menor número de oportunidades nas bibliotecas escolares vai ao encontro do que foi também afirmado por Valentim (2000). Nesse sentido, ainda que as faculdades privadas estivessem

19 Entre 1995 e 2010, as matrículas (presenciais e a distância) no ensino superior brasileiro passaram de 1.759.703, em 1995, para 6.379.299, em 2010, isto é, crescimento da ordem de 262,52%, sendo que as matrículas nas instituições privadas aumentaram em 347,15%, enquanto que na rede pública o aumento foi de 134,58%. Em 1995, a oferta de matrículas na educação superior em instituições públicas correspondia a 39,8% e nas privadas 60,2%. Em 2002, havia ocorrido redução das matrículas em instituições públicas (30,8%) e aumento nas privadas (69,2%) (MANCEBO; VALE; MARTINS, 2015).

com possibilidade de expansão de oportunidades aos bibliotecários, ainda assim percebia-se que o emprego público era o maior empregador (BAPTISTA; MUELLER, 2005).

Baptista e Mueller (2005) reforçam que, tanto no nicho de informação para negócios quanto nas oportunidades derivadas da Internet, no período em questão os profissionais autônomos estavam se apresentando como uma tendência, ainda que de forma bem discreta. Citaram como exemplo os Estados Unidos, onde a literatura registrava o “teletrabalho” e o “home office” como novas formas de trabalho que já eram praticadas há mais tempo pelos profissionais da informação (BAPTISTA, 199520 apud BAPTISTA; MUELLER, 2005).

Não se deve deixar de mencionar a interessante observação a respeito do mercado de trabalho dos profissionais da informação no que tange a educação e pesquisa. Segundo Silva e Fujino (2018), embora tenham reconhecimento na sociedade ainda associado aos lugares tradicionais de acervos físicos, esses profissionais encontraram uma valorização diferenciada nas áreas de ensino, pesquisa e inovação. Para elas, esses profissionais “[...] deixaram de atuar na função ‘meio’, como se costuma usar no jargão da área, para se tornarem ‘profissões fim’, como apontado na literatura” (SILVA; FUJINO, 2018, p. 3993).

É interessante comentar que, como Souza (2003b), que defendeu que no início do século XXI os cursos de Biblioteconomia estudados por ele não atendiam às demandas do mercado de trabalho recentes e futuras, Baptista e Mueller (2005, p. 45) também afirmaram que, “apesar da preocupação constante com o mercado de trabalho, sabe-se que a velocidade das inovações tecnológicas e os outros fatores sociais impõem um ritmo de mudanças que a escola tem tido dificuldade para acompanhar”, o que, decerto, se apresentou como um obstáculo a ser superado por meio da educação continuada.