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4 A MEMÓRIA INSTITUCIONAL COMO UMA TECNOLOGIA DIGITAL DA

4.1 A MEMÓRIA E OS “TRÊS PÓLOS DO ESPÍRITO HUMANO” SEGUNDO PIERRE LÉVY

4.1.3 O pólo informático-mediático e a memória pontual

O terceiro momento no desenvolvimento da memória como tecnologia da inteligência, sugerido por Lévy (1993), pode ser descrito como uma revolução não mais das técnicas de inscrição ou da escrita enquanto código semiótico de representação da realidade, mas uma revolução associada às superfícies de inscrição. Assim, a escrita e o conteúdo da informação terminam por assimilar as características da superfície de inscrição mediático-informática, criando o que Pierre Lévy (1993) chama de memória pontual.

A primeira característica da memória pontual é uma transformação dos padrões de transmissão, que passam a incorporar novas mídias e conexões simultâneas para armazenar e disseminar a memória em ambiente institucional de modo hipertextual. A lógica que prevalece, portanto, é a do hipertexto, ultrapassando a idéia de que um texto ou documento é composto, apenas, por palavras e linhas escritas de modo linear em uma superfície fixa. A idéia de hipertexto para Pierre Lévy é

[...] um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos, que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de informação não são ligados linearmente, como em uma corda com nós, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexões em estrela, de modo reticular. Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira (LÉVY, 1993, p.33).

Surge, assim, derivando da dinâmica hipertextual o documento hipermídia, ou hiperdocumento, capaz de conter, em si mesmo, todas as mídias para transmissão de um assunto ou tema. Além disso, possibilita a leitura transversal de

documentos, ou seja, uma leitura não linear de textos, de imagens em movimento e de sons. Parágrafos sobre o mesmo assunto, mas em textos e livros diferentes, podem ser lidos em uma ampla variedade de seqüências. Para Dertouzos (1997, p. 230), os hiperdocumentos “[...] representam uma mudança significativa, em relação à organização linear do conhecimento, usada a séculos nos livros”.

A propósito, a unidade documental de uma memória institucional de base arquivística montada em uma estrutura de hipertexto, como já estão montados alguns sites de pró-reitorias, unidades universitárias, órgãos suplementares da própria UFBA com conteúdo operacional é, exatamente, o que chamamos, acima, de hiperdocumento. O que caracteriza essa memória é sua não linearidade e originalidade permanente considerando o seu resgate, ou atualização pontual, específica, realizada sempre em função de cada acesso, em sua singularidade. O hiperdocumento de memória institucional é o que resulta de um percurso, de uma trajetória do usuário sobre uma base de conhecimentos relacionados à memória da instituição organizada com inúmeras saídas, entradas e possibilidades de interconexão entre documentos convencionais. A performance exploratória de cada usuário na base de dados desenha o hiperdocumento como um mapa de sua trilha virtual. O potencial de composição e correlação entre conteúdos de um hiperdocumento em uma lógica hipertextual é praticamente infinito, podendo responder com surpreendente criatividade, inclusive, a questões de especificidade operacional. A memória institucional, assim organizada, termina por partilhar dos princípios que definem e caracterizam a lógica hipertextual. Segundo Maraschin e Axt (2000, p. 96)

seis princípios caracterizam mormente o modelo de hipertexto: (1) a metamorfose: a rede hipertextual encontrar-se-ia em constante construção e transformação; (2) a heterogeneidade: os nós e conexões seriem heterogêneos em relação a seus constituintes; (3) a multiplicidade de encaixes: a rede apresentaria uma organização fractal; assim cada nó seria, por sua vez, organizado por redes; (4) a exterioridade: não haveria unidade orgânica nem motor interno; (5) a topologia: o funcionamento se daria por proximidade, por vizinhança – tudo o que se desloca deve utilizar a rede ou modificá-la; e (6) a mobilidade dos centros: a rede não possuiria um centro, mas diversos centros, permanentemente móveis.

A superfície de inscrição linear no espaço, como a conhecíamos, desaparece, e surge, agora, o tempo como superfície de inscrição e registro. A memória deixa de ser simplesmente cinética e causal e passa a ser dinâmica e pontual. Pontual porque a memória é estruturada seletivamente em função dos interesses de quem a resgata, é estruturada no momento em que é acessada. Trata-

se de uma estrutura de disseminação plástica que se molda e se adapta aos interesses do usuário. Assim, os conteúdos da memória institucional de natureza arquivística adquirem a possibilidade técnica de descontextualização e contextualização com velocidade nunca observada, além da criação de composições complexas entre documentos, permitindo a consolidação de textos com o máximo de singularidade como uma possibilidade corriqueira.

Na dinâmica do pólo informático-mediático, o fundamental é compreender a memória institucional como um tipo muito especial de conhecimento; um conhecimento que até a pouco tempo era percebido como estático, sendo armazenado e preservado com escassos recursos de pesquisa e recuperação. De fato, devemos observar que

enquanto um conhecimento era estável, ele passava desapercebido e nós mantínhamos, com ele, uma relação também estável. No momento em que esse conhecimento se modifica, e com uma velocidade cada vez maior, ele passa a ser questão e, neste caso, justamente porque ele passa a ser visto como um fator que se altera, ele acaba sendo incluído numa visão estratégica [...]. Ou seja, uma organização que pretende ter de si mesma uma visão estratégica precisa levar em conta que há um fluxo de conhecimentos que afeta a produção como um todo (COSTA, 2000, p.189).

Com efeito, a memória institucional/arquivística, organizada em hipertexto e possibilitando a produção de hiperdocumentos, aproxima-nos da realidade de lidar com informações estratégicas em tarefas de gestão do cotidiano da organização universitária.

Algumas propriedades da informação digital e de seu ambiente de rede podem promover uma dinâmica renovada e profundamente dialógica do conteúdo de um dado acervo de memória institucional e o conjunto dos usuários, inclusive dos gestores da administração superior das instituições universitárias. Estamos, portanto, diante da possibilidade de uma nova interface entre informação estratégica, enquanto memória institucional, os processos decisórios institucionais. As tecnologias digitais podem assegurar uma nova presença para a memória na instituição, não enquanto “lugar de memória” apenas, mas como duração, como fonte permanentemente disponível e presente de informação estratégica. De fato, como lembra Ribeiro (2004):

vivemos a emergência da velocidade e do excesso de informações em nossa contemporaneidade, cremos que a premissa dessa emergência é indiscutível em nosso cotidiano. Eventualmente encontramos um discurso falacioso que atribui às tecnologias da informação uma responsabilidade pela frieza, pelo distanciamento e pela velocidade que impõem um ritmo que distancia os indivíduos de um convívio social mais amplo e rotineiro.

Podemos considerar que as conseqüências do uso das novas tecnologias da informação tem propiciado, junto às ciências humanas, questionamentos de que essas tecnologias estariam forjando a emergência de uma nova concepção dos lugares de memória, propiciada pela digitalização de dados e imagens, e também pela suposta capacidade infinita de armazenamento de dados.

4.2 ALGUMAS PROPRIEDADES DA INFORMAÇÃO DIGITAL E DE SEU