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O papel das Comunidades de Aprendizagem Distribuídas

Capítulo 3: O e-learning e o e-assessment

3.1 Do magister dixit ao e-learning

3.1.2 O papel das Comunidades de Aprendizagem Distribuídas

Dizia Aristóteles que o “homem é um animal político”, ou seja, alguém naturalmente vocacionado para viver em comunidade ou, mais concretamente, numa polis (‘cidade- -estado’). De cada polites (‘cidadão’) esperava-se, portanto, que contribuísse com as suas características próprias para construir em harmonia a rede de relações que estão na base da vida em sociedade. Como tal, para além de interesses e objectivos em comum, um aglomerado de pessoas só se constitui em comunidade quando interage entre si tempo suficiente para estabelecer um conjunto de convenções e quando as pessoas acabam por depender umas das outras para atingir determinados objectivos (Wilson &

27 No documento “Anexo 1” apresenta-se a mais recente versão do E-LOI (retirada do site http://facstaff.bloomu.edu/hdobson/public_html/epaper.doc, consultado na Internet a 09 de Abril de 2005). 28 Citação retirada de Dobson, H. (2002). E-Learning: Will You Succed or Fail?. Disponível online no site http://facstaff.bloomu.edu/hdobson/public_html/epaper.doc (consultado na Internet a 09 de Abril de 2005).

Ryder, 1998). Se a isto se acrescentar o adjectivo ‘distribuídas’, ter-se-á um conjunto de indivíduos de várias origens geográficas que partilham interesses comuns e que podem ser constituídos com os mais diversos propósitos.

Tendo isto em conta, pode afirmar-se que, sensu lato, quando se fala de ‘comunidade de aprendizagem distribuída’ (CAD), se está a referir a um grupo de pessoas descentralizado geograficamente, que interage numa relação de interdependência (relativa) e que tem o objectivo de aprofundar o conhecimento numa dada área ou assunto. Para além disto, este conceito ainda tem a ele subjacente que a gestão da própria aprendizagem não é rigidamente controlada por uma autoridade exterior à própria comunidade. Em consequência, é a ela intrínseco o facto de todos os elementos envolvidos partilharem da experiência de aprender, mesmo que a diferentes níveis; daí que se entenda a figura do e-tutor não só como alguém que “abre portas” à aprendizagem de forma flexível, mas também como aprendente dentro da própria comunidade. Como reforça Dias (2004:15):

“a criação da comunidade de formação on-line pressupõe que todos os membros do grupo, incluindo o e-formador [ou e-tutor], se encontrem envolvidos num esforço de participação, partilha e construção conjunta das representações e do novo conhecimento.”

Decorrente do que foi acima mencionado, pode esperar-se que uma CAD (em contexto

de e-learning), para além de partilhar dos mesmos objectivos de aprendizagem, se

caracterize pelo seguinte (Wilson & Ryder, 1998):

a) Controlo distribuído – Numa CAD ninguém está “oficialmente” em controlo, uma vez que tudo é negociado entre os membros. Deste cenário, salvaguarda-se a posição do e-tutor como avaliador que embora em alguns momentos possa ser substituído por outras comunidades ou elementos de outros grupos dentro de uma mesma comunidade, regra geral só a ele compete o processo de avaliação quantitativa final.

b) Compromisso e empenho na geração e partilha de novo conhecimento – Esta característica vai ao encontro do princípio vygostkiano (sócio-construtivista) que dita que, neste processo, o sujeito seja interactivo. Assim, antes de iniciar um processo intrapsicológico de reestruturação do conhecimento em relação às estruturas previamente existentes, a interiorização envolve uma actividade externa interpsicológica (com o outro): a aprendizagem desenvolve-se ciclicamente do concreto (tendo em conta o que é exterior ao indivíduo) para o abstracto (como acção mental individual).

c) Negociação das actividades que levam à aprendizagem29 – Em relação a este

ponto, esta pode considerar-se a dois níveis: as actividades propostas pelo e- -tutor e as actividades delineadas por determinada sub-comunidade (ou grupo de trabalho) para atingir os objectivos pedagógicos previamente delineados. Como tal, pode afirmar-se que deverá sempre haver flexibilidade suficiente que permita a negociação das actividades, embora em relação às segundas haja uma selecção natural das que são bem sucedidas (e, portanto, desenvolvidas, reutilizadas e partilhadas) e as que são mal sucedidas (que não serão reutilizadas).

d) Alto nível de diálogo, interacção e colaboração – Entende-se que a base da construção do conhecimento é a partilha e discussão constante entre os elementos de uma comunidade; assim, “o esforço de aprendizagem, a tomada de decisões, a calendarização de actividades e a manutenção da coesão de

grupo são responsabilidades atribuídas aos membros” da própria comunidade,

numa lógica de diálogo e interacção colaborativa (Lima, 200330).

O desenvolvimento das TIC tem levado a que se perspective este conceito (CAD) tendo em conta outros vectores, nomeadamente os relacionados com as formas de comunicação. Uma das vantagens das TIC é o facto de estas possibilitarem a existência de uma aprendizagem contextualizada, ou seja, permitirem que se criem realidades virtuais que façam o enquadramento das matérias abordadas para que o indivíduo assimile melhor o conhecimento que constrói e tenha mais facilidade em transpor esse mesmo conhecimento para novas situações. Assim, tal como Lave (1988) defende, o processo de construção do conhecimento deve ter em conta dois princípios fundamentais: a informação deve ser apresentada em contexto o mais real possível e, como vivemos em sociedade, todo o processo requer interacção social e colaboração. E é também com base nestes preceitos que alguns estudos têm apontado vantagens claras decorrentes da utilização de ambientes online na construção de conhecimento conjunta ou colaborativa; daí que se tenha vindo a assistir a uma proliferação de comunidades de aprendizagem distribuídas.

29 Salienta-se que, no âmbito da reestruturação das disciplinas com base nos princípios inerentes ao Processo de Bolonha, tal como esta foi descrita na secção 2.1, a negociação das actividades que levam à aprendizagem será bastante vantajosa, em especial em relação às tarefas propostas pelos alunos e que já se situarão para lá do “essencial learning” (Gosling & Moon, 2002). Isto porque, com a ajuda do e-tutor, ainda que numa perspectiva de negociação, o aluno poderá definir a sua proposta de forma mais consciente e consistente.

30 Citação retirada de Lima, Jorge (2003). Comunidades Virtuais de aprendizagem. Disponível online no site http://cfaematosinhos.cidadevirtual.pt/dossiers.htm#TICs (consultado na Internet a 08 de Março de 2005).

Os media revelam-se, assim, bastante importantes para os construtivistas, uma vez que possibilitam levar o mundo real ao indivíduo através do som, do vídeo e das imagens, permitindo uma mais fácil ligação às estruturas de conhecimento anteriormente consolidadas e, também, que o ser humano experiencie o saber de múltiplas formas. Tendo isto em conta, os sistemas de gestão de aprendizagem (ou Learning Management

Systems – LMS) assumem particular importância para o e-learning. Estas plataformas

podem ser sumariamente definidas como “Sistemas de Informação centrados no suporte a processos de comunicação, coordenação e colaboração, com objectivos pedagógicos” (Martins et al., 2002:2) e, na maioria dos casos, suportam ferramentas que possibilitam: (i) diversos tipos de interacção (por exemplo, fora, chat, mailing lists, partilha de documentos, etc.), (ii) gestão de conteúdos (publicação, acesso, exploração e integração de recursos multimédia), (iii) avaliação (questionários de auto-avaliação, realização e correcção automática de testes de avaliação, publicação de trabalhos, criação de portfólios) e (iv) apoio à organização (operações de carácter institucional).

Existem centenas de plataformas disponíveis para e-learning (mais de 700) que proporcionam diferentes soluções para suporte à comunicação e à interacção entre participantes (WebCT, Centra, LearningSpace, AulaNet, Formare, etc.). Ainda assim, devem ponderar-se alguns factores na escolha de um LMS, dos quais se realçam: a facilidade de administração (gestão e criação de cursos), as tecnologias suportadas (certeza que a plataforma suporta várias tecnologias), as ferramentas para autoria de conteúdos (facilidade, o que se pode realizar dentro da plataforma), as ferramentas para avaliação, o suporte a standards (SCORM, por exemplo), a compatibilidade (ao nível dos utilizadores, do software da perspectiva do cliente; multiplataforma), a manutenção (que suporte é dado em termos de erros e de apoio imediato).

Tendo em conta as potencialidades das plataformas multimédia, pode afirmar-se que estas são instrumentos com grande relevância por permitirem conferir mais controlo e liberdade aos utilizadores, tornando a aprendizagem mais significativa. É neste contexto que surge o conceito de ‘ferramentas cognitivas’ que se podem definir como sendo os produtos de software que usam a potencialidade do computador em amplificar, estender e enriquecer a cognição. Com elas pretende-se facilitar a aprendizagem, podendo apoiar o desenvolvimento de capacidades cognitivas. Com a utilização destas ferramentas pretende-se que a aprendizagem activa substitua a passiva: não se revela suficiente apresentar o saber como absoluto, ou seja, torna-se necessário que haja interacção com o saber para que o indivíduo construa os seus próprios significados (com o outro) e

integre os novos conhecimentos na densa tecitura de conexões que formam a mente e a memória.

Assim, numa abordagem sócio-construtivista, os espaços de trabalho colaborativo e de expressão de grupo assumem centralidade, ou seja, a construção do conhecimento passa também pela utilização de ferramentas de comunicação síncronas e assíncronas, no sentido de garantir o envolvimento das comunidades e a comunicação entre os diversos elementos. Dias (2004:16) vai ainda mais longe quando afirma que:

“A possibilidade de criar ambientes orientadores para os contextos das aprendizagens, associada às facilidades de interacção e ao desenvolvimento de estratégias de trabalho colaborativo são, entre outras, as principais dimensões que contribuem para a concepção da rede de comunicação e de aprendizagem como uma interface para a construção do conhecimento.”

Desta forma, pode afirmar-se que a criação de uma CAD pressupõe uma súmula de premissas, nomeadamente: os objectivos de aprendizagem serem comuns a todos os membros, haver igualdade de direitos e de participação de todos os elementos (inclusive no que diz respeito a questões técnicas ou tecnológicas), haver trabalho de equipa (numa perspectiva colaborativa), haver interacção permanente e haver, pelo menos, um elemento orientador (e, eventualmente, avaliador) da comunidade – o e-tutor. Salienta-se, contudo, que a presença do e-tutor não deverá ser sempre perspectivada como dominante sobre todos os outros elementos, ao ponto de não permitir conferir uma autonomia crescente aos aprendentes no processo de construção colaborativa do conhecimento (Dias, 2004). Ainda assim, e quase como contraponto, relembra-se que, tal como já foi anteriormente referido, a figura do e-tutor é determinante na gestão da CAD. A título de exemplo, enquanto e-mediador, se um e-tutor falha na gestão de conflitos, o bom funcionamento da CAD poderá ficar comprometido (Palloff & Pratt, 1999).

Depois de uma clarificação conceptual sumária, resta, então, alertar para algumas questões que deverão ser tidas em conta aquando da criação de uma CAD online, que foram propostas por Amy Jo Kim (s. d., apud Lima, 2003):

definir as finalidades de uma comunidade: identificar e caracterizar o público-alvo, as suas expectativas e objectivos;

promover a socialização: criar espaços de “pura” socialização e de discussão dos conteúdos (por exemplo, fóruns);

definir um código de conduta: este deve ser claro e flexível, para que a comunidade defina limites comportamentais;

organizar e promover eventos cíclicos: uma comunidade (virtual ou não) vive do que acontece e das discussões que estes eventos geram;

integrar a comunidade no mundo real: deverá tentar estabelecer-se, sempre que possível, a ponte para o mundo real, para que o conceito de ‘comunidade’ seja mais sentido e/ou mais próximo de um contexto físico.

Para além destes pontos, nunca será demais voltar a realçar que uma CAD não se auto- -sustém, ou seja, não sobrevive se não forem implementadas estratégias de interacção (por parte do e-tutor) que motivem os seus membros.