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1.1 O papel das instituições e a tomada de decisão

Segundo o Artigo 50º do TUE, o Conselho Europeu, o órgão político84 da União, onde estão representados os chefes de Estado e de Governo dos Estados membros, é a instituição receptora do pedido de saída do Estado membro da UE – “Qualquer Estado membro que decida retirar-se da União, notifica a sua intenção ao Conselho Europeu (…)”, diz no seu ponto 285

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Recepcionado o pedido, que deverá ter a forma de uma simples carta, à semelhança do que ocorre com a adesão de um Estado membro86, o Conselho Europeu remete-o à Comissão Europeia, ao abrigo do nº 2 do Artigo 17º do Tratado da UE, que diz que: “os actos legislativos da União só podem ser adoptados sob proposta da Comissão, salvo disposição em contrário dos Tratados. Os demais actos são adoptados sob proposta da Comissão nos casos em que os Tratados o determinem”. Na posse do

84 - Vide Artigo 15º do TUE: “O Conselho Europeu dá à União os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e define as orientações e prioridades políticas gerais da União (…)”.

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- Vide Artigo 15º do TUE. Op. Cit. 86 - Vide Anexos para o caso de Portugal.

pedido, a Comissão, sob as orientações emanadas do Conselho Europeu e aí tomadas por consenso87 e imbuída da sua função de iniciativa e de promoção do interesse comum dos Estados88, estuda então o pedido de saída e redige uma proposta que contém as bases para a negociação por parte da União e que vai apresentar, de seguida, ao Conselho de Ministros. Esta proposta traduz-se nas „recomendações‟, citadas no nº 3 do Artigo 318º a que alude o Artigo 50º do TUE que, na prática, não são mais do que um acto legislativo - “Para exercerem as competências da União, as instituições adoptam regulamentos, directivas, decisões, recomendações e pareceres”, refere o Artigo 288º do Tratado sobre o Funcionamento da UE, relativo aos actos jurídicos da União, acrescentando que as “recomendações e os pareceres não têm carácter vinculativo”89

. O Conselho de Ministros vai então analisar a proposta da Comissão que deverá servir de base à negociação para a saída do Estado membro e sujeita-a a votação por maioria qualificada90 para que daí resulte a decisão (acto legislativo, mas já com carácter obrigatório91) que vai permitir dar início à fase de negociação entre a União e o Estado membro demissionário.

Note-se, porém, que ao abrigo do nº 4 do Artigo 50º, o “Estado membro que pretenda retirar-se da União não participa nas deliberações, nem nas decisões do Conselho Europeu e do Conselho que lhe digam respeito”, pelo que está, à partida, excluído da votação da proposta da Comissão. A maioria qualificada necessária para

87 - Vide Artigo 15º, nº 4: “O Conselho Europeu pronuncia-se por consenso salvo disposições em contrário dos tratados”.

88 - Vide CE – Como funciona a UE. Bruxelas: Edição CE, 2008. P 23: “A Comissão dispõe do direito de iniciativa. Por outras palavras, só a Comissão é competente para a elaboração de propostas de nova legislação da UE que apresenta ao Parlamento e ao Conselho (…)”.

Vide Artigo 17º, nº 1 e 2, do TUE: “1 - A Comissão promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito. A Comissão vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adoptadas pelas instituições por força destes. Controla a aplicação do direito da União, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia. A Comissão executa o orçamento e gere os programas. Exerce funções de coordenação, de execução e de gestão em conformidade com as condições estabelecidas nos Tratados. Com excepção da política externa e de segurança comum e dos restantes casos previstos nos Tratados, a Comissão assegura a representação externa da União. Toma a iniciativa da programação anual e plurianual da União com vista à obtenção de acordos interinstitucionais. 2- Os actos legislativos da União só podem ser adoptados sob proposta da Comissão, salvo disposição em contrário dos Tratados. Os demais actos são adoptados sob proposta da Comissão nos casos em que os Tratados o determinem”.

89 - MOTA de CAMPOS, João - Direito comunitário, Volume II, 3ª Edição. Lisboa: Editado por Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. P 131. O autor refere que as recomendações são actos da Comissão dirigidos ao Conselho ou aos Estados membros, “exprimindo-lhes o seu ponto de vista sobre determinadas questões, apontando-lhes as medidas ou soluções reclamadas pelo interesse comunitário, sugerindo-lhes os comportamentos a adoptar”.

90 - Artigo 16º nº 3 e nº 4 do TUE. 91

- A decisão “é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários a que ela se designar”, in “Direito Comunitário”, p 123. Op. Cit.

aprovar a proposta de negociação, apresentada pela Comissão já não corresponde a um mínimo de 255 votos do total dos 345 repartidos pelos 27 Estados membros, mas a 246 votos no caso de se tomar Portugal como o Estado em vias de saída92. Como estipula o Protocolo anexo ao Tratado de Lisboa relativo às disposições transitórias, no seu Artigo 3º, nº 4: caso “nem todos os membros do Conselho participem na votação (…), essa maioria qualificada corresponde à mesma proporção dos votos ponderados e à mesma proporção do número de membros do Conselho (…)”.

Aprovada a proposta da Comissão pelo Conselho de Ministros, inicia-se então a fase de negociação que deverá prolongar-se, no máximo, por dois anos, como define o nº 3 do Artigo 50º do TUE. Das negociações resultará um projecto de acordo de saída, que vai ser remetido ao Conselho de Ministros e ao Parlamento Europeu para aprovação por ambas as instituições. Só depois se poderá proceder à assinatura formal do acordo de saída entre o Estado membro demissionário e a União, que dará por concluído todo o processo, à semelhança do que se verifica com o procedimento de adesão. É nesta última fase que tem lugar o processo de co-decisão entre o Conselho de Ministros e o Parlamento Europeu.

O projecto de acordo é analisado pelo PE que envia o seu parecer (de concordância ou não) ao Conselho que, em primeira leitura e votando por maioria qualificada, pode aceitar a posição do PE, pelo que os termos do acordo estão definitivamente aprovados ou rejeitados (se aprovar a recusa da proposta feita pelo PE). No primeiro caso, segue-se a assinatura do acordo e o processo de retirada do Estado membro fica definitivamente concluído, enquanto no segundo caso, os termos do acordo terão de ser alterados. Pode ainda suceder que o Conselho não concorda com a posição do PE, qualquer que ela seja, pelo que não a aprova e remete as suas explicações para o PE, que deverá pronunciar-se sobre a decisão do Conselho no prazo máximo de três meses. Caso não o faça dentro deste período, a posição do Conselho é considerada automaticamente aceite pelo PE e o acordo está aprovado. Pode, no entanto, ocorrer que o PE, votando por maioria dos membros que o compõem conforme estabelece o Artigo 249º do Tratado sobre o Funcionamento da UE, rejeite a posição do Conselho ou discorde apenas de alguns dos seus elementos, propondo as respectivas alterações. No caso de rejeição, o Conselho nada mais pode fazer do que solicitar a intervenção do Comité de Conciliação onde têm assento, para além dos representantes do PE e do

Conselho, também da Comissão, para que se obtenha um consenso. No caso das emendas propostas pelo PE, se o Conselho as aceitar na totalidade, mediante votação por maioria qualificada, considera-se o acto aprovado e então pode efectivar-se o acordo final; mas se o Conselho não aprovar todas as alterações propostas, torna-se necessária a acção do Comité de Conciliação, para se tentar alcançar um consenso sobre a matéria em questão no prazo de seis semanas. Obtido este consenso, ele sobe ao PE e ao Conselho para aprovação por cada uma das instituições, de novo por maioria absoluta dos seus membros e por maioria qualificada, respectivamente. Se alguma destas duas instituições não aceitar o acto em questão, desta feita ele é considerado definitivamente chumbado e nada mais há a fazer, do que repetir-se o procedimento mas com uma nova proposta da Comissão.

Note-se, no entanto, que, se no processo de co-decisão93, mesmo com a intervenção do Comité de Conciliação, a proposta de acordo não obtiver consenso, tal não impede a saída do Estado membro da UE pois, como refere o nº 3 do Artigo 50º do TUE: “os Tratados deixam de ser aplicáveis aos Estados em causa (…) dois anos após a notificação” de saída. Como lembra Afonso Patrão, um Estado pode mesmo “retirar-se sem aguardar dois anos e sem concluir um acordo disciplinando aos relações futuras com a União (…)” e a sua “saída consensual não depende da anuência de todos os Estados membros (a celebração do acordo de saída depende apenas da maioria qualificada no Conselho)”, ao contrário do que se verifica com a adesão, em que se torna necessário unanimidade e ratificação do acordo por todos os Estados membros. Isto revela uma maior facilidade no processo de saída do Estado membro, que tem a ver com o facto desta não depender “da conclusão do acordo, consagrando a todos os Estados membros um direito de denúncia (…)”94

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