• Nenhum resultado encontrado

1.3 O recurso ao processo de adesão por omissão

O Artigo 50º do TUE é omisso em algumas questões, como, quanto ao conteúdo das negociações e a quem compete assinar, pelo lado do Estado membro demissionário, o acordo de saída. Porém e por analogia com o processo de adesão, infere-se que será o chefe de Estado ou de Governo do país que sai a assinar o acordo101. Recordando Gorjão Henriques: à falta “de norma própria, remete-se para a norma mais próxima”102

. Ora, o TUE define no seu Artigo 49º as condições para adesão de um Estado à UE:

Qualquer estado europeu que respeite os valores referidos no artigo nº 2 e esteja empenhado em promovê-los, pode pedir para se tornar membro da União. O Parlamento Europeu e os parlamentos nacionais são informados desse pedido, o estado requerente dirige o seu pedido ao Conselho que se pronunciará por unanimidade após ter consultado a Comissão e após aprovação do Parlamento Europeu, que se pronunciam por maioria dos membros que o compõem. São tidos em conta os critérios de elegibilidade aprovados pelo Conselho Europeu.

As condições de admissão e as adaptações dos Tratados em que se funda a União decorrentes dessa admissão serão objecto de acordo entre os Estados membros e o estado peticionário. Esse acordo será submetido à ratificação de todos os Estados contratantes, de acordo com as respectivas normas constitucionais.

O Artigo 2º do TUE refere, por seu lado:

A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do estado de direito e do respeito pelos direitos do homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos estados membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.

101 - O Tratado de Adesão de Portugal, por exemplo, foi assinado pelo então Presidente da República, Mário Soares.

A adesão de um Estado à UE implica, em primeiro lugar, o cumprimento dos chamados Critérios de Copenhaga, inscritos pela primeira vez no Tratado de Lisboa, quando refere no seu Artigo 49º: “(…) São tidos em conta os critérios de elegibilidade aprovados pelo Conselho Europeu”103

.

Estes critérios abrangem três níveis: político, reportando-se à existência de instituições estáveis que garantam a democracia, o estado de direito, os direitos do homem, o respeito pelas minorias e a sua protecção (critério político); económico, relativo à existência de uma economia de mercado viável e com capacidade para fazer face às forças do mercado e à pressão concorrencial da União Europeia; e de aceitação do acquis communautaire, referente à capacidade de assumir as obrigações decorrentes da adesão, designadamente de subscrever os objectivos da união política, económica e monetária.

Cumpridos estes critérios por parte do país contratante, segue-se a formulação do seu pedido de adesão ao Conselho, que o remete para a Comissão e informa o PE e os Parlamentos de todos os Estados membros (actualmente 27) da intenção recebida.

A Comissão terá de pronunciar-se favoravelmente sobre a nova adesão (o Tratado de Lisboa expressa a obrigatoriedade de consulta à Comissão)104 e o PE de votar e aprovar por maioria dos votos expressos o pedido em causa (igual ao procedimento de saída). Segue-se a aprovação do pedido de adesão pelo Conselho, mas por unanimidade, com todos os Estados membros da UE a mostrarem-se adeptos da entrada desse novo país. Iniciam-se, então, as negociações entre a UE e o Estado candidato, cabendo também ao Conselho, sob proposta da Comissão, decidir quando as negociações relativas a cada domínio (dossiê) devem começar e terminar e quando todo o processo negocial deverá estar concluído, à medida que as negociações vão evoluindo e a Comissão o vai informando105. Ou seja, a fase de negociação para a adesão não tem

103 - Vide PITTA e CUNHA, Paulo. In “Tratado de Lisboa”, p 51.

104 “O Conselho solicita à Comissão que avalie a capacidade do candidato para cumprir as condições de adesão. Se a Comissão emitir um parecer favorável e o Conselho aprovar por unanimidade um mandato de negociação, as negociações são formalmente abertas entre o candidato e todos os Estados-Membros”, in Compreender o alargamento. Op. Cit. P 9.

105 - Vide Compreender o Alargamento, Op. Cit. Para cada dossiê, “a Comissão elabora um “relatório de

screening”, que constitui a base para o lançamento do processo de negociação técnica propriamente dito. Estes relatórios são apresentados ao Conselho, competindo à Comissão formular uma recomendação para que as negociações sejam abertas em determinado capítulo ou para as subordinar ao cumprimento de determinadas condições ou “critérios de avaliação”. O país candidato apresenta então a sua posição de negociação. Com base numa proposta da Comissão, o Conselho adopta uma posição comum da UE, que permite abrir as negociações. A partir do momento em que a UE chega a uma posição comum relativamente a cada capítulo do acervo e que essa posição comum da UE é aceite pelo país candidato,

um prazo definido a priori para a sua realização; tudo depende do desenrolar do processo, onde, à luz do intergovernamentalismo, estão em luta os poderes de cada uma das partes envolvidas106. Assim se compreende a diferença dos prazos de adesão de país para país, desde a formulação do seu pedido até ao estabelecimento formal do acordo de adesão. Por exemplo, no caso concreto de Portugal, as negociações prolongaram-se por cerca de oito anos, enquanto no caso da Finlândia não ultrapassaram os três anos107 e na Turquia já se arrastam há 24 anos108.

Terminada, por completo, a fase de negociação, o projecto de Tratado de Adesão resultante é sujeito a parecer favorável da Comissão, do Conselho e do Parlamento Europeu e só depois é alvo de assinatura pelo Conselho, em nome de todos os Estados membros, e pelo governo ou chefe de Estado do país aderente e de ratificação por todos os parlamentos nacionais. Posto isto, o Tratado de Adesão passa a fazer parte do direito primário da UE e o país aderente tornar-se-á membro de pleno direito da União na data estipulada no referido Tratado.

De um modo geral, verifica-se a existência de muitas semelhanças entre os processos de entrada e saída de um Estado da UE, a começar pela apresentação do pedido que é, em ambos os casos, um acto voluntário de um Estado e pela intervenção das mesmas instituições (Conselho, Comissão e PE) e a terminar pelo tipo de negociação, envolvendo todos (no caso da adesão) ou apenas alguns (no caso da saída) domínios do acervo comunitário e cujo objectivo final é definir um acordo consensual entre ambas as partes que contenha as obrigações a respeitar por cada um dos lados.

Apesar de todas estas parecenças, a saída de um Estado membro da União envolve um processo mais fácil e rápido. Logo, à partida, porque não há um conjunto de critérios jurídicos que o Estado demissionário tem de cumprir, como sucede com a adesão, para que possa sair; depois, porque o seu pedido não tem de ser aprovado em

são encerradas as negociações para esse capítulo, embora apenas provisoriamente. As negociações de adesão à UE regem-se pelo princípio de que “nada está acordado até tudo estar acordado” e, como tal, o encerramento definitivo dos capítulos só terá lugar no final de todo o processo de negociação”.

106 - Note-se que, por vezes, os países aderentes apresentam atrasos significativos, nomeadamente, em termos económicos, relativamente aos demais Estados da UE, pelo que se torna necessários prestar uma ajuda de pré-adesão para que eles se passam aproximar dos padrões comunitários. Esta situação prolonga não só o prazo para adesão como também enfraquece o poder negocial do Estado aderente.

107 - A Finlândia pediu a adesão em 1992 e a 1 de Janeiro de 1995 tornou-se membro de pleno direito da UE.

Conselho de Ministros por unanimidade109, nem tão pouco o acordo resultante das negociações precisa de ser ratificado pelos restantes Estados membros, como sucede com a adesão; também porque está definido um prazo máximo de dois anos para a saída e para a adesão não há limite temporal; e, por fim, porque não há nenhum período de preparação para a saída, como acontece com a pré-adesão. A impossibilidade de recusa da UE à saída do Estado membro tornam, logo à partida, o processo mais célere.

Apesar das diferenças existentes entre os dois processos, algumas bem significativas (atente-se só ao facto da entrada de um Estado poder ser recusada e da saída não), as normas e os procedimentos relativos à adesão dos Estados membros (e são muitos, tendo em conta o número de países que compõem actualmente a UE e os seus mais de 50 anos de história) podem ser utilizados, juridicamente e por aproximação, a situações de abandono da UE, na falta de regras específicas. Do mesmo modo, e citando Gorjão Henriques,110 poderá fazer-se uso da experiência do Sistema Monetário Europeu para inferir, juridicamente, sobre uma possível saída só da Zona Euro.