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Se é certo que as muitas e profundas dificuldades económicas que Portugal hoje atravessa têm, sobretudo, origem em deficiências internas, causadas ou não, agudizadas ou não, pelo Euro167, também se pode argumentar, do ponto de vista económico, que a falta de autonomia do País em matéria de política monetária e cambial, resultante do facto de pertencer à Zona Euro limita a sua mais rápida e fácil recuperação económica. Como explica o economista chefe do FMI, Olivier Blanchard, “a adaptação é mais fácil

165 - In entrevista a Ana Isabel Travassos a 20-06-2011. Vide Anexos. 166 - In entrevista a Ana Isabel Travassos a 02-06-2011. Vide Anexos.

167 - Pedro Lains é da opinião de que: “O impacto da crise em países da periferia da Europa não está directamente associada ao estar ou não estar no Euro”, enquanto Sarsfield Cabral atribui algumas responsabilidades da actual crise profunda portuguesa ao facto de estarmos na Zona Euro: “Nós entramos no Euro a uma taxa de câmbio demasiado elevado, mas queríamos tanto entrar (…). Ficámos um bocadinho anestesiados por entrarmos no Euro. Achámos que estávamos ricos e que podíamos gastar como ricos; só que tínhamos uma produtividade de pobres. Houve incúria da parte de Portugal”. In entrevistas a Ana Isabel Travassos. Op. Cit.

para os países que podem desvalorizar a moeda”168

, o que não é o caso de Portugal ou dos outros 16 Estados que fazem parte da Zona Euro. Também para João Ferreira do Amaral, os Estados da Zona Euro, “deixaram de poder recorrer à emissão monetária para cumprir as suas obrigações e isto é um dos aspectos mais negativos da Zona Euro, porque os Estados ficam na mão dos mercados financeiros (…). Hoje em dia, se o Estado não tiver dinheiro tem que o pagar mais caro, ou simplesmente entra na bancarrota. (…) Emitir dinheiro é bom, quando há uma crise complexa. (…) Pertencer à Zona Euro tem outra grande implicação: fazer perder o instrumento eficaz de combate ao défice externo, que é a desvalorização cambial”169

. Ferreira do Amaral vai mesmo mais longe, afirmando que o facto de Portugal estar na Zona Euro, agravou, “sem dúvida nenhuma” a crise. “Nós teríamos uma crise deste tipo, de financiamento, mesmo sem ser mundial, porque estávamos, pelo memos desde 2005, sucessivamente a endividarmo-nos e, portanto, era uma questão de tempo até atingir os níveis de endividamento em que deixassem de nos emprestar dinheiro. O facto de estarmos na Zona Euro não nos protegeu de nada, antes, desprotegeu a nossa economia muito mais, pois deixámos de ter os instrumentos essenciais de política cambial e numa altura em que o euro se reforçava cada vez mais. Como é que uma economia como a nossa aguentava isto?”170

Francisco Sarsfield Cabral lembra que, “já tivemos a intervenção do FMI duas vezes antes da actual (em 1978 e em 1983) mas, agora, o facto de não podermos desvalorizar a moeda é um travão, é um obstáculo complicado”171

.

Já António Mendes da Silva Ferraz considera, inclusive, que um dos custos da União Monetária é “o problema com que os países membros da UEM podem ser confrontados na ausência do instrumento da taxa de câmbio, no caso do advento de “Choques Agregados” nacionais (…), dado que as autoridades nacionais perdem a sua independência monetária”172

. O próprio FMI sublinha, no seu relatório de Abril de 2011, que “os desequilíbrios pronunciados dos saldos correntes e orçamentais comprometem a recuperação dos países da Europa mais pequenos (…). E se alguns

168 - In jornal “Diário Económico” de 23-02-010, citando a entrevista concedida ao jornal italiano La Republica.

Vide que a desvalorização da moeda é um instrumento de política monetária. 169

- In entrevista a Ana Isabel Travassos em 02-06-2011. Vide Anexos. 170 - Ibidem.

171 - In entrevista a Ana Isabel Travassos a 20-06-2011. Vide Anexos. 172

- FERRAZ, António Mendes Silva – “Área Monetária óptima e política monetária na Zona Euro: duas questões em debate”. In NIPE Working Paper. Universidade do Minho, Série 5, 2000, p 27.

desequilíbrios das contas externas correntes foram corrigidos em muitos países emergentes, eles permanecem consideráveis (e difíceis de corrigir) num número de países da Zona Euro que não podem recorrer à depreciação monetária para relançar a sua competitividade”173. Por seu lado, Paulo de Pitta e Cunha, no seu livro “a Integração Europeia no dobrar do século”, afirma que: “os países que compõem uma zona de moeda única perdem a autonomia na condução de certas políticas económicas, sobretudo as políticas monetárias e cambiais. (…) Com a moeda única, estas armas desaparecem, deixam de existir na posse de cada país, sendo assumidas globalmente a nível da União (…). Isso pode criar dificuldade aos países periféricos, aos países mais pequenos, que deixaram de dispor dos instrumentos, que dantes possuíam, para equilibrar a sua posição em relação ao exterior”174

. Também João César das Neves considera que, se Portugal não estivesse na Zona Euro, teria “suportado um custo bastante maior em 2009 por ter uma moeda que mais ninguém tem (…), mas também, provavelmente, haveria um ajustamento mais rápido (…)”. Lembra, no entanto, que esta maior celeridade na recuperação económica, via desvalorização, pode significar apenas uma melhoria temporária da economia: “as desvalorizações não resolvem a questão. Quando nós desvalorizamos, falsificamos os dados, pois parece que estamos a vender melhor, mas não estamos; estamos simplesmente a alterar a unidade de medida de valor, que é a moeda e isso faz com que as empresas não se ajustem”, o que é importante quando os problemas de uma economia têm a ver com a sua estrutura produtiva. E “esse benefício de desvalorizar, como não foi feito nada na estrutura [produtiva] dura algum tempo e, no final desse tempo, voltamos a ter de desvalorizar outra vez”, explica César das Neves que, em consequência, revela algumas hesitações quanto à saída de Portugal da Zona Euro175.

A UEM é assim „acusada‟ de impossibilitar, pelo menos, a rápida recuperação económica, seja por impedir aos países a emissão ou retracção da moeda, seja por lhes bloquear a flexibilização das taxas de câmbio e das taxas de juro176 que poderiam levar

173

- FMI – World Economic Outlook. Tensions from the Two Speed Recovery: Unemployment, Commodities, and Capital Flows. Washington DC: Edição International Monetary Fund, Abril 2011. P 87. ISBN 978-1-61635-059-8. Disponível também em: www.imf.org.

174- PITTA e CUNHA, Paulo – A integração europeia no dobrar do século. Coimbra: Edição Almedina, 2003. P 46.

175 - In entrevista a Ana Isabel Travassos a 30-06-2011. Vide Anexos.

176 - A terceira fase da UEM, iniciada em 1 de Janeiro de 1999, veio introduzir a moeda única – o euro – e criar políticas monetária e cambial únicas, retirando assim a autonomia nacional nestas matérias e impedindo o recurso aos instrumentos destas políticas, como a emissão e flexibilização da moeda e a

a aumentos das exportações e do investimento e, consequentemente, a acréscimos do PIB177. É que, como refere Rui Rodrigues Alves, a integração monetária, com “a criação da moeda única não se faz sem custos. Também do ponto de vista estritamente económico, os custos mais relevantes prendem-se com a redução da flexibilidade da política económica e com a possibilidade de emergência de desequilíbrio de objectivos macroeconómicos. O primeiro aspecto reporta à perda do instrumento de política monetária e cambial, ficando os Estados apenas com os instrumentos de política fiscal e orçamental para atender a situações de crise conjuntural, sendo que mesmo o seu uso acaba por ser fortemente restringido face aos critérios de participação na UEM e à necessidade de assegurar uma situação de equilíbrio (ou de excedente) orçamental no médio prazo como consequência do acordo traduzido no PEC. Os maiores problemas daqui decorrentes seriam, segundo alguns autores, mais significativamente sentidos em países com menores níveis de desenvolvimento económico (…)”178

. Ou, como explica o Banco de Portugal, “numa união monetária existe uma única política monetária para os membros da união. Isto implica restrições na utilização dos instrumentos de política: a taxa de câmbio deve ser constante ao longo do tempo e a taxa de juro nominal deve ser idêntica entre países”, pelo que “existem custos associados a um regime de câmbios fixos, ou a uma união monetária, que resultam da perca de capacidade dos decisores de política utilizarem instrumentos monetários para política de estabilização”179

.

A transferência destas duas políticas económicas - monetária e cambial - para o domínio comunitário, com a criação da UEM, e a respectiva perda de soberania nacional180, não só impede os Estados da União Monetária (Zona Euro), isoladamente e variação livre das taxas de câmbio e das taxas de juro para corrigir desequilíbrios macroeconómicos existentes.

Vide ainda Tratado sobre o Funcionamento da UE, aditado pelo Tratado de Lisboa, Artigo 127º: “as atribuições fundamentais cometidas pelo SEBC são: a definição e execução da politica monetária da União; a realização de operações cambiais (…)” e Artigo 282º “ (…) o Banco Central Europeu e os bancos centrais nacionais dos Estados membros cuja moeda seja o euro, que constituem o Eurossistema conduzem a política monetária da União)”. A política fiscal permanece autónoma, embora os Estados tenham de cumprir regras de estabilidade ao abrigo PEC (critérios de convergência).

177 - Vide PIB = C (Consumo) + I (Investimento Privado) + G (Gastos Públicos) + X (Exportações Líquidas). In SAMUELSON, Paul e NORDHAUS, William - Economia. 16ª Edição. Lisboa: Editado por MacGraw Hill de Portugal, 1998. ISBN 972-8298-83-8. P 395.

178

- ALVES, Rui Henrique Ribeiro Rodrigues – “Da moeda única à união política”. Tese de Doutoramento. Porto: Faculdade de Economia da Universidade do Porto, 2000. [Consultado em: 10-06- 2011]. Disponível em: www.fep.up.pt/investigação/working papers/wp 99.pdf.

179

- ADÃO, Bernardino e CORREIA, Isabel e TELES, Pedro – “Custos de uma União Monetária”. In Boletim Económico do Banco de Portugal. Outono 2006.

180 - VENTURA, Daisy e ALQUIÉ, Philippe – “O euro e as relações exteriores da UE”. In Revista

brasileira de politica internacional. Brasília. Volume 41, nº1, 1998: “A gestão da política monetária, importante elemento de soberania nacional, foi transferido para o domínio comunitário (…)”.

em qualquer momento, de recorrerem a instrumentos monetários e cambiais para ultrapassarem os seus desequilíbrios macroeconómicos, mais ou menos intensos, mais ou menos temporários, e retomarem a sua expansão económica181, mas também entrega às instituições comunitárias, em boa parte, o ónus de resolverem ou de contribuírem para resolver as dificuldades económicas e financeiras que eventualmente possam ocorrer nos seus Estados membros182.