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O papel do professor na autonomia do aprendiz

CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO

2.4 O DESENVOLVIMENTO DA AUTONOMIA: UM PROCESSO

2.4.2 O papel do professor na autonomia do aprendiz

Uma grande preocupação de Freire (1996), em sua Pedagogia da autonomia:

saberes necessários à prática educativa refere-se ao respeito à identidade do educando

pelo professor o que depende de uma prática coerente com o saber. Pois como o autor afirma, o processo de construção da autonomia é baseado na experiência sobre a tomada de decisões. Assim, postula que:

A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade. (FREIRE, 1996, p. 121).

O contexto sugerido por Freire (1996), apesar de não se referir à autonomia aplicada ao ensino de língua estrangeira, lhe cai perfeitamente, observando a prática de construção dos saberes desenvolvida pelos aprendizes de línguas estrangeiras. Este cenário também contempla os professores de línguas que compartilham a gestão do processo de aprendizagem com seus aprendizes, oferecendo aos alunos a possibilidade de escolha das atividades, a abertura para questionamentos e a sugestão de mudanças.

Na rota do desenvolvimento da aprendizagem autônoma, os professores agem como coautores do processo educacional, o que exige um trabalho flexível que possibilite a realização de experiências inovadoras com oportunidade para que os alunos exerçam como diz Paiva (2001, p. 85), “sua autonomia como pessoas, aprendizes, comunicadores, e usuários de tecnologia”. Nessa fala, a autora sugere que a tecnologia representa uma ferramenta ainda pouco utilizada pelo professor de língua estrangeira no cotidiano escolar. No entanto, um professor que busca o desenvolvimento da autonomia deve estar concatenado com o universo de interesse de seus alunos e, a partir dele, disponibilizar estratégias de ensino.

Nesta mesma direção, a construção da autonomia no ensino e aprendizagem de língua estrangeira exige a capacidade de criar ambientes de aprendizagem menos hierárquicos, com distribuição de poderes. Nestes ambientes, professores e alunos gerenciam a autonomia distribuída e interagem no processo de avaliação da aprendizagem. Contudo, esta inversão de papéis não se reduz a simples expectativa de comportamento ou distribuição de poder. A distribuição da autonomia envolve termos de dimensões política, social, técnica e psicológica, o que pode gerar conflitos nas relações entre alunos e professores e de ambos com suas instituições de ensino.

No contexto brasileiro, Nicolaides (2003) afirma que o sistema de educação, na maioria das vezes, oferece grande resistência à introdução de aspectos característicos da aprendizagem autônoma, como autenticidade, aprendizagem socialmente mediada, negociação das tarefas de aprendizagem, reflexão sobre o processo de aprendizagem e autoavaliação. A autora afirma que é preciso despertar a atenção do aluno para os saberes dispostos no entorno da escola. Nesse caminho, cabe ao professor criar condições para que o fluxo de informações também possa vir de fora para dentro, ou que os conhecimentos adquiridos acerca de uma LE, em sala de aula, possa provocar uma maior interação com informações dispostas na rotina dos aprendizes para que o processo de apropriação flua de forma contextualizada.

Outra ação a ser desenvolvida pelo professor é o incentivo ao trabalho cooperativo em detrimento ao competitivo o que corrobora com os estudos de Morrison (2008, p. 125) quando afirma que para uso de estratégias de desenvolvimento da autonomia:

Educadores argumentaram em favor de uma abordagem de ensino de línguas mais centrada no aprendiz, mais reflexiva e menos prescritiva, com aprendizes assumindo mais responsabilidade pelo próprio aprendizado e com foco no desenvolvimento de estratégias de aprendizagem eficazes.

Para Miccoli (2007) os professores podem facilitar a aprendizagem quando motivam seus alunos a identificar suas necessidades, encorajando-os a desenvolver habilidades linguísticas baseados no estímulo à identificação, construção e uso de estratégias que os ajudem a monitorar seus pontos fortes e fracos na língua-alvo. Ressaltando, contudo, que “tanto professores como alunos devem saber que seus papéis em sala de aula são limitados – o professor não pode ensinar tudo e o aluno não deve esperar que através do professor se aprenda tudo” (MICCOLI, 2007, p.34). Dessa forma, a prática dos professores deve potencializar as soluções encontradas pelos próprios alunos sobre a reflexão de seus avanços no processo de aprendizagem.

Para Dickinson (1994, p. 5-12), no treinamento de aprendizes para a autonomia, cabe ao professor, primeiramente, valorizar qualquer esquema ou estratégia que os aprendizes adotem para potencializar sua aprendizagem, depois fornecer estratégias alternativas que contemplem a diversidade de estilos dos diferentes aprendizes, recomendando que escolham aquelas que lhes servirem melhor.

E para que o professor tenha melhor compreensão de como acompanhar o desenvolvimento pedagógico de promoção da autonomia, Nunan (1997) identifica os seguintes níveis de implementação desse sistema junto ao aprendiz:

QUADRO 7 – NÍVEIS DE IMPLEMENTAÇÃO DA AUTONOMIA DO APRENDIZ

Nível Ação do aprendiz Conteúdo Processo

1 Consciência Os aprendizes são

conscientizados sobre os objetivos pedagógicos e sobre os conteúdos do material que está

Os aprendizes identificam as implicações estratégicas das tarefas pedagógicas e identificam suas

sendo usado. estratégias e seus

estilos de

aprendizagem.

2 Envolvimento Os aprendizes são

envolvidos na seleção de seus próprios objetivos. Os aprendizes fazem escolhas dentre as inúmeras opções oferecidas.

3 Intervenção Os aprendizes são

envolvidos nas modificações e adaptações dos objetivos e conteúdos do programa de aprendizagem. Os aprendizes modificam e adaptam as tarefas. 4 Criação Os aprendizes

criam seus próprios objetivos.

Os aprendizes criam suas próprias tarefas.

5 Transcendência Os aprendizes vão

além da sala de aula e fazem ligações entre o conteúdo da sala e o apresentado fora dela. Os aprendizes tornam-se professores e pesquisadores.

Fonte: Moura Filho, 2005, p. 264.

É importante lembrar ainda, que neste contexto o aprendiz não pode ser tratado como onipotente, pois o mesmo tem sua autonomia restrita ao compartilhamento de potencialidades, de acordo com a autonomia distribuída pelo professor, pois o objetivo a ser atingido por esta postura educativa exige contínuo processo de reflexão e ressignificação, apoiando-se no pressuposto de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou construção (FREIRE, 1996). Essa orientação pedagógica reitera um conceito de educação progressista, libertadora. Nela o professor reconhece a autonomia do aprendiz quando este passa a construir seu próprio conhecimento em vez de reproduzir o que lhe foi transmitido.

Como afirma Freire (1996) e é reforçado nesta pesquisa, a responsabilidade com o aprendizado do aluno não é do professor, mas este pode ajudá-lo a ser mais autônomo. Contudo, essa afirmação pressupõe a necessidade de reflexão sobre os mecanismos que fomentam a mudança de crenças do professor em direção à motivação da autonomia do aprendiz de língua inglesa, de forma a considerar os fatores de interferência externos e os diferentes graus de independência no processo de aprendizagem (PAIVA, 2005).

Ressalvando ainda que “a melhor metodologia é aquela que atenda ao desejo da maioria dos alunos” (PAIVA, 2009, p.32), estimulando-os a construir seu próprio aprendizado.

A revisão literária proposta por este capítulo buscou dar visibilidade ao modo como crenças, motivação e autonomia estão inter-relacionadas e podem atuar como aspectos determinantes para o entendimento de como o processo de ensino e aprendizagem de língua estrangeira acontece, evidenciando que a exploração da proximidade desses construtos pode trazer grandes contribuições para os estudos em Linguística Aplicada, principalmente, quando se observa como o desenvolvimento de ideias, percepções e comportamentos dos professores que orientam a execução de práticas pedagógicas de ensino de LE, impulsiona e influencia a capacidade dos alunos de realizar escolhas, construir objetivos próprios e efetivar reflexões sobre seu processo de aprendizagem.

Concluída a revisão teórica proposta para este capítulo, explicita-se, a seguir, a metodologia adotada na coleta e na análise dos dados.