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Capítulo 2: A Comunicação e a Ciência

2.7 Agentes na Comunicação de Ciência

2.7.1 O Papel dos Cientistas

Os cientistas são frequentemente associados a uma imagem estereotipada de “cientista semi- louco, alheio a tudo e a todos, desligado da sociedade e frequentemente adverso às questões sociais, totalmente absorvido pelo seu trabalho” (Bernardo, 2013, p. 271), e tendo presente uma visão clássica na qual os cientistas são colocados “no laboratório, de bata branca” (Carvalho, 2004, p. 36).

Em relação a estes estereótipos a que os cientistas são frequentemente sujeitos, Lamas et al. (2007) afirmam que “a imagem do cientista como alguém inacessível, por demais inteligente, que vive imerso no seu trabalho não tento quaisquer capacidades sociais, raramente corresponde à realidade” (p. 76). Concordando com esta perspetiva, Manaia (2018) afirma que essa imagem do cientista

“solitário e alheado do mundo faz parte do passado”, até porque hoje a investigação científica envolve diálogo, dos cientistas com os pares, com outras áreas do conhecimento, com a sociedade, entre outros. Por esta razão, há cada vez mais cientistas que procuram “romper com essas imagens falsas dos cientistas e da ciência” (Lamas et al., 2007, p. 76).

De referir que, a partir dos anos 80, os cientistas passaram a ser incentivados a comunicar os resultados do seu trabalho, e a dispor de fundos de financiamento para esse fim (Pinto & Carvalho, 2011, p. 73). Como tal, acredita-se que passou a haver uma consciencialização da responsabilidade social da profissão de cientista, motivada através do recurso a financiamento público que cria uma obrigação ética de ‘prestar contas’ à sociedade (Carvalho & Cabecinhas, 2004, p. 8). Por isso, Pinto e Carvalho (2011) dizem que “essa obrigação, imposta ao cientista, de divulgar o resultado dos seus trabalhos aos contribuintes que o financiam vem, de alguma maneira, implicar uma redefinição do papel do cientista” (p. 73). Assim, os cientistas não têm apenas de produzir inovações científicas que podem contribuir para o progresso científico, mas precisam também de comunicar os resultados obtidos das suas investigações e convencer os cidadãos da utilidade do seu trabalho para acederem a fundos e poderem realizar novas pesquisas de investigação (Pinto & Carvalho, 2011, p. 73).

Além disso, Castanho (2018) afirma que o início do século XXI trouxe muitas mudanças na forma de olharmos a ciência, na medida em que o mundo se tornou mais mediático e as tecnologias e as redes sociais passaram a influenciar a forma como comunicamos, levando os cientistas a ganhar consciência da necessidade de fazer parte desse mundo. Neste sentido, Manaia (2018) diz que um dos desafios que hoje se coloca à comunidade científica é o de “sair da zona de conforto e vencer barreiras de linguagem ou de metodologia inerentes a cada área científica”.

Carvalho (2004) defende que a abertura da ciência ao espaço público pode ser explicada por uma tentativa de reforço do poder social dos cientistas (p. 46). Desta forma, essas mudanças foram “motivadas pela percepção do caráter estratégico da mediatização como forma de promoção social (Bucchi, 1998), mesmo dentro das comunidades científicas” (Carvalho & Cabecinhas, 2004, p. 8). Por esta razão, Pinto e Carvalho (2011) afirmam que assistimos atualmente a uma atitude mais proactiva dos cientistas no contacto com os públicos, quer através dos media como de outros meios, e a uma melhoria das suas capacidades comunicativas, em grande parte devido aos gabinetes de comunicação que são cada vez mais frequentes nas instituições de investigação científica (p. 84).

Carvalho (2004) defende que os cientistas têm a responsabilidade de conhecer melhor os públicos e comunicar com eles, constituindo “um dever de cidadania no sentido de ‘aproximar’ a ciência dos públicos” (p. 39). A este propósito, Bernardo (2013) afirma que o papel do cientista na

sociedade “tem sido discutido com alguma vivacidade, sobretudo quando a ciência, por boas ou más razões, atrai a atenção da opinião pública” (p. 283). É ainda referido que os cientistas têm vindo a assumir um papel ‘político’, na medida em que chamam “a atenção dos públicos para determinadas questões, constituindo-as em problemas públicos e políticos” (Carvalho, 2004, p. 43).

Como resultado, “os cientistas têm vindo a sair dos seus laboratórios e a apontar o dedo a problemas públicos, parecendo desenvolver um maior sentido de intervenção política e de responsabilidade cívica” (Carvalho, 2004, p. 46). Desta forma, “muitos cientistas reconhecem a necessidade de uma maior abertura do campo científico e de um diálogo mais profundo com públicos leigos, como meio de construção da confiança e legitimidade públicas das decisões” (Gonçalves, 2004, p. 21). Isto reflete a existência de algumas mudanças no que toca à atuação dos cientistas junto dos cidadãos, com a afirmação de “atitudes mais pró-ativas no contacto com os públicos” (Carvalho & Cabecinhas, 2004, p. 8), sobretudo através dos media.

Pelo contrário, Carvalho e Cabecinhas (2004) afirmam que “a maior parte dos cientistas tem, de facto, hesitado em construir pontes com públicos não especializados” (p. 7). As autoras dão como exemplo o contacto com os media, que “tem sido frequentemente temido devido aos riscos de simplificação excessiva, de deturpação de resultados e de sensacionalismo” (Carvalho & Cabecinhas, 2004, p. 7), o que realça a ideia de que os cientistas geralmente têm receio ou desconfiança em lidar com os media (Bettencourt-Dias et al., 2004, p. 92). Isto leva a que, muitas vezes, os cientistas se confinem aos seus círculos fechados devido ao receio dos “males da exposição pública e a desaprovação dos seus pares” (Carvalho & Cabecinhas, p. 7).

Uma das razões que pode explicar esse distanciamento entre a comunidade científica e os cidadãos, segundo Gonçalves (2004) é o facto de os cientistas considerarem que a ‘falta de compreensão’ que os leigos demonstram em relação à ciência “poderá estar na origem da oposição da opinião pública face à ciência” (p. 27). Portanto, para os cientistas parece que a falta de informação dos leigos é “a justificação para a falta de compreensão em relação aos objetivos e ao papel da ciência nas sociedades atuais” (Gonçalves, 2004, p. 28). No entanto, Carvalho (2004) considera que “a existência de um público informado e interessado na ciência é continuamente considerado importante para a saúde económica e política das sociedades” (p. 41).

Isto contrasta com “uma frequente e crescente frustração do público perante as explicações científicas” (Gonçalves, 2004, p. 20), sobretudo quando falamos da ‘incerteza’ no seio da área científica. Neste sentido, Gonçalves (2004) considera que comunicar questões complexas parece ser “um grande desafio para os cientistas” (p. 20). Devido a essa situação, é referido que “por vezes, a

exagerada simplificação dos temas, e a linguagem de ‘absoluta segurança’ em situações em que se desconhecem os riscos, poderá resultar em desconfiança pública e pânico” (p. 20).

Assim, não há uma opinião consensual sobre a função social dos cientistas na sociedade moderna. Isto porque, para uns os cientistas deveriam apenas focar-se em fazer ciência, “sendo inaceitável que tenham uma intervenção ativa na sociedade” (Bernardo, 2013, p. 284), enquanto que outros acreditam que os cientistas “deveriam ser ouvidos e que as suas opiniões deveriam ter um peso importante nas decisões e ações políticas” (Bernardo, 2013, p. 284).

Vários autores defendem que os cientistas necessitam de formação profissional para saberem como lidar com a ciência na sua dimensão pública. Do mesmo modo, Bettencourt-Dias et al. (2004) defendem que “os cientistas devem receber formação em competências de comunicação, tendo em conta a necessidade do diálogo público, debate e inclusão na tomada de decisões (Miller et al., 2002b)” (p. 92). Além disso, todos os cientistas precisam de aprender a comunicar com os media, mas também aprender a explicar a ciência de forma simples, isto “se quiserem colocar as questões científicas de maneira eficaz e sem distorção” (Bodmer, 1985, p. 34).