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O pensamento e a ciência moderna examinam a questão racial

Como consequência dos debates e pesquisas realizados e em proximidade com as declarações científicas, resultaram determinadas publicações de caráter distintivo conhecido pelo objetivo de serem propagadas como veiculadoras de um “espírito” antirracista (UNESCO, 1953). Essas publicações compõem coleções específicas com a finalidade de traduzir os princípios que orientam as diretrizes normativas contidas nas declarações científicas. Embora possuam uma linguagem formal aplicada pelos estudiosos responsáveis pelas publicações, os livros buscam desdobrar o debate teórico para uma linguagem mais simplificada aos leitores leigos a fim de explicar as indicações dos documentos.

Le probleme de la race, tel qu’il se présente à l’époque actuelle, ne peut être résolu que par l’action conjointe de différentes disciplines scientifiques, car il se situe à la fois sur des plans biologique, social et moral. Par des brochures, dont la rédaction sera confiée à des spécialistes éminents, l’Unesco s’emploiera à

 

faire connaître à un vaste public les résultats obtenus dans ces

divers domaines (UNESCO, 1950, p. 4).64

De modo específico, este tópico se restringe a estas coleções, uma sobre a questão racial e a ciência moderna, cujos textos apresentam o debate no âmbito da psicologia, da história, da sociologia, e demais ciências “modernas”. A outra coleção refere-se ao enquadramento do debate diante do “pensamento moderno” onde se aloca o modo como diferentes religiões “modernas” pensam a problemática racial.

Como exemplo, dentre as publicações destinadas ao grande público, há um informativo ilustrativo65 dedicado aos argumentos da pesquisa genética sobre o que é “uma raça”:

       

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UNESCO, La UNESCO et son programme : la question raciale. 1950, 11p. 65

Qu’est ce-qu’une race ? Des savants répondent, publicado peloDepartamento de informação da UNESCO em 1952. Muitas dessas publicações sofreram duras críticas sendo interpretadas como textos fantasiosos sem rigor teórico ou científico. A estrutura do informativo é baseada nas obras de L. C. Dunn sobre as questões biológicas, no texto de Otto Klineberg sobre as questões psicológicas e o texto de M. Leiris sobre as relações raciais. Este texto foi o substituto de uma primeira publicação Qu’est ce-qu’une race ? La science répond, publicada em 1951.

 

Figura 3 - Capa do informativo Qu’est-ce qu’une race? Publicado pela UNESCO em 1952. © UNESCO/1952.

O material busca responder questões consideradas essenciais sobre os aspectos biológicos de raça66. As questões procuram dar uma resposta sobre a origem das raças, além de tentar explicar a formação dos grupos raciais. Cumpre ressaltar, que o próprio informativo indica que tais questionamentos sofreram modificações em consequência das descobertas da genética e dos antropólogos.

Figura 4 - Ilustração reproduzida do informativo Qu’est-ce qu’une race ? Des savants répondent. Referente à origem das raças. Publicado pela UNESCO em 1952, p. 11. © UNESCO/1952.

       

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O texto está dividido em três partes: a primeira, “Existe-t-il une race pure?”; a segunda, “Existe- t-il une race superieure?” e, por fim, a terceira “Existe-t-il des différences raciales immutables?” (UNESCO, 1952, sumário).

 

Por fim, o informativo traz imagens e ilustrações sobre a formação dos grupos raciais além de oferecer elementos para que um educador possa organizar uma discussão sobre a raça67.

       

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As sugestões são questões nas quais os estudantes devem assinalar verdadeiro ou falso, além de questões diretivas relativas ao texto (UNESCO, Qu’est ce-qu’une race ? 1952, p. 75).

 

Figuras 5 - Esquema reproduzido do informativo Qu’est ce-qu’une race ? Des savants répondent. Sobre o isolamento geográfico na formação dos grupos raciais, p. 38-39. © UNESCO/1952.

 

A coleção sobre as ciências modernas reúne em diversos livros os debates que circundam as duas primeiras declarações científicas de 1950 e 1951. Dentre estes livros um é dedicado a apresentar os dados de uma das pesquisas sobre o conceito de raça68, publicada como livro em 1953. Este livro expõe as críticas e questionamentos enviados por carta à UNESCO por pessoas comuns, assim como argumentos de estudiosos de campos científicos como o da genética humana e o da antropologia física para descortinar a confusão entre a interpretação do conceito de raça como “fato biológico” ou “fenômeno social” (UNESCO, 1953, p. 7). Traz, ainda, uma exegese das declarações anteriores e a proposição de inclusão de artigos e sentenças para um posterior texto final.

A publicação completa que traz o debate do tema no interior das disciplinas acadêmicas alocadas na ciência moderna é publicada neste mesmo ano69. Já na introdução há uma indicação de que o texto é destinado ao “grande público” para que conheça as várias interpretações dadas ao tema pela ciência e que seja visto como uma extensão a Declaração sobre raça de 1950. De igual maneira, advoga que a publicação é um espaço para a expressão das ideias de alguns estudiosos que não puderam estar presentes no encontro que gerou o documento. Os textos estão centralizados em cinco aspectos da questão racial: civilizatórios, biológicos, psicológicos, o caráter de mitos raciais e a origem dos preconceitos70. Tais textos são publicados como materiais individuais em 1951 e posteriormente, em 1956, fizeram parte de outra coletânea, quando são publicados em volume único.

Em 1973, esta coleção é ampliada incorporando a estes textos acrescidos de outros sobre questões raciais em campos como a genética e descrições de experiências de convívio em contextos específicos onde convivem grupos raciais

       

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UNESCO, Le concept de race: résultats d’une enquête. In: La question racial devant la science moderne, Paris, 1953, 117p.

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UNESCO. La question racial devant la science moderne, 1956. Constitui-se de uma compilação de textos publicados entre 1951 e 1953, é publicada uma edição completa em 1965.

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Textos da Coleção de 1953: LEIRIS, M. “Race et civilisation” [Raça e civilização], ; KLINEBERG, O. “Race et psychologie”[Raça e psicologia], DUNN, L. C. “Race et biologie” [Raça e biologia]; COMAS, J. “Les mythes raciaux” [Os mitos raciais]; ROSE, A. M. “L’origine des préjugés” [A origem dos preconceitos]; LEVI-STRAUSS, C. “Race et histoire”[Raça e história]; MORANT, G. M. “Les différences raciales et leur signification”[As diferenças raciais e seu significado]; LITTLE, K. L. “Race et société”[Raça e sociedade].

 

distintos. No prefácio há a indicação de que nem a ciência nem a história se modificaram desde 1950, cita as conferências sobre o tema realizadas pela UNESCO em 1964 e 1967 centradas nas pesquisas sobre a genética de populações e nas ciências sociais 71 (UNESCO, 1973).

O objetivo dos textos publicados foi o de promover uma leitura minuciosa dos documentos da UNESCO e ratificar a distinção conceitual entre raça como “fato biológico” e raça como “fenômeno social” (UNESCO, 1953). Indica que a noção de que as diferenças culturais e realizações materiais entre os grupos, expostas em 1951 não seriam reflexos de diferenças biológicas genéticas e hereditárias. Afirma que até 1950, pensava-se em raça no campo teórico como uma categoria descritiva, após as reuniões ofertadas pela UNESCO há a recomendação de que a palavra seja substituída pelo termo “grupo étnico” assente na ideia de que as diferenças entre os povos passassem a ser interpretadas como culturais.

Dentre os textos que compõem a coleção sobre o racismo e a ciência moderna, o a apresentação ao seu conteúdo assinada pelo zoólogo L. C. Dunn aponta para a variabilidade no interior dos grupos raciais no que concerne a quantidade genética. As diferenças entre os grupos, portanto, são referidas aos caracteres de ordem cultural. Segundo ele, os signatários da Declaração sobre raça de 1950 apresentam a primeira proposta do limite da utilização da categoria raça visto que há um consenso de que ela não existe, havendo ainda uma indicação de que “raça” apenas deva ser utilizada quando estiver ligada a uma classificação antropológica de traços físicos “bem definidos” um “grupo biologicamente caracterizado” (DUNN, 1951, p. 39).

       

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Com o título “Le racisme devant la science”e os textos“Race et genetique contemporaine” de N. P. Doubinine; “Tribalisme et racisme” de E. U. Essien-Udon; “Le racialisme et la classe urbaine” de Jon Rex. Há ainda os textos anteriormente publicados na Revue internationale des sciences sociales: “Race, caste et identité etnique” de A. Béteille; “Evolution de la situation profissionnelle des Chinois em Asie du Sud-Est” de Go Gien-tjwan e “Changement, conflit et règlement: dimensions nouvelles” de Max Gluckman, há um texto de Jean Hiernaux, anteriormente publicado, mas nesta edição com uma nomenclatura diferente “L’espèce humaine peut-elle être découpée em races” (UNESCO, 1973).

 

A coleção sobre a questão racial no pensamento moderno72 publicada em 1958 reúne um conjunto de publicações com objetivo de ampliar os conhecimentos sobre as questões raciais a partir de determinadas tradições religiosas modernas73. Elaboradas por intermédio de Alfred Métraux são consideradas representativas dos debates acerca do relativismo cultural. A justificativa de encomendar a elaboração de publicações sob essas perspectivas ocorre mediante a concepção de que as pesquisas científicas para resolução dos conflitos raciais se mostravam insuficientes74 (UNESCO, 1970). Os textos sobre a questão racial a partir do viés de varias religiões são compilados e publicados sequencialmente.

Um deles, a partir de uma perspectiva budista, retoma passagens de textos sagrados indianos e exploram a relação entre casta e grupos raciais diferentes. Dividido em três partes, o texto problematiza a relação entre raça, racismo e casta e o lugar da humanidade no budismo e a política budista em relação às raças e castas (MALALASEKERA, JAYATILLEKE, 1958). Além disso, afirma que há uma correlação entre casta e raça e que ao combater o preconceito de casta se combate de forma concomitante o racismo. Por seu turno, o texto elaborado do ponto de vista da igreja católica debate os princípios cristãos diante do problema racial e algumas problemáticas específicas sobre o tema, como o antissemitismo (CONGAR, 1953).

O texto do “movimento ecumênico” descrito como um “cristianismo moderno” (igrejas protestantes, anglicanas e ortodoxas) debate a questão racial a partir do encontro do “homem branco e os homens de outras raças”, o papel destas igrejas no escravismo negro e os demais conflitos de cunho racial (HOOFT, 1954). A perspectiva do islamismo é tratada em texto específico, o qual em sua relação com o racismo se utiliza de passagens sagradas a fim relacionar os

       

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Coleção Question racial et la penseé moderne textos publicados a partir de 1953. 73

Textos publicados: “L’eglise catholique devant la question raciale, 1953 de Yves M. J. Congar; “L’islam et la question raciale” por ’Abd-al-’Azîz ’Abd-al-Qadir Kamil, 1970; “La pensée juive, facteur de civilisation”, por Léon Roth, 1954 (texto não encontrado on line) ; “Le mouvement oecuménique et la question raciale”,por W.A. Visser’t Hooft, 1954 e “Le bouddhisme et la question raciale”, por G.P. Malalasekera et K.N. Jayatilleke, 1958.

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Prefácio da edição de “L’islam et la question raciale” de ’Abd-al-’Azîz ’Abd-al-Qadir Kamil, de 1970.

 

preceitos religiosos às relações sociais, decorrendo na compreensão de a garantia de noções universais da luta contra o racismo ser uma obrigação humana (KAMIL, 1970).

Todos os textos, embora se dediquem ao debate literal e teológico de cada religião para a questão racial, apresentam semelhanças na construção dos argumentos. Essa derive no debate com a entrada do viés teológico visa responder as questões acerca do tema, colocadas pelas pessoas via correspondência direta a UNESCO, amplia a discussão sugerindo que as discussões fossem retiradas do espectro canônico das ciências acadêmicas e incluídas outras esferas de saber. Ao se dirigir para essa esfera, identifica-se um movimento para estabelecer uma relação com algo que concerne à experiência das pessoas, a sua religiosidade. Com a convocação de representantes de religiões diversas, a UNESCO procura falar às pessoas que pertencem a essas religiões, oferecendo em retribuição a possibilidade de que possam expressar-se por meio de um veículo da UNESCO. Isto, no entanto, não sugere um rompimento com a ciência, mas um modo de endossá-la, na medida em que os textos apresentam partes dedicadas a estabelecer a relação entre cada religião e a ciência, de modo a corroborar seus argumentos com as ideias científicas.

Alguns dos textos encomendados no interior da coleção, dedicada à ciência moderna, foram intensamente difundidos. O texto de Lévi-Strauss “Raça e história” é um dos mais debatidos, publicado pela primeira vez em 1952 é considerado como um complemento teórico à Declaração sobre raça de 1950. Lévi-Strauss se torna um dos nomes mais fortes do antirracismo na UNESCO, por conta do grande número de publicações postuladas em seu nome. Diante do sucesso adquirido nos meios acadêmicos “Raça e história” converte-se em emblema da literatura antirracista da época. O sucesso se deve ao fato de Lévi- Strauss trazer uma questão da etnologia, ao colocar uma proposição relativista acerca do problema da existência e do convívio entre várias culturas em oposição ao problema da raça. Esse é o léxico central por meio do qual o texto adquiriu o qualificativo de antirracista, por identificar e afirmar que seria um engodo

 

centralizar o debate no âmbito racial, visto que raça não existiria de forma concreta.

Lévi-Strauss aponta o erro de abordagem do campo antropológico em associar um fator biológico (como, por exemplo, a cor da pele) a algo cultural (a produção material e imaterial de alguns povos denominados como “de cor”), este é o núcleo da prática racista cotidiana (LEVI-STRAUSS, [1952] 1980). Indica que esse é o desafio colocado para a antropologia: o de deslocar a equivalência entre a existência de várias culturas e as escalas de civilização. O risco está na definição acerca da contribuição dessas diversas culturas, para isto forçosamente seria necessário partir de uma medida de desenvolvimento para identificar o progresso. É tendo como pano de fundo a noção de progresso como grau de medida que o autor fundamenta sua crítica no campo da análise historiográfica. O texto de Lévi- Strauss objetiva descortinar uma concepção de racismo pautada na correlação entre patrimônio genético e atitudes intelectuais e morais.

Lévi-Strauss questiona o uso da raça, seja como conceito ou categoria, visto que não havia consenso sobre sua definição na antropologia, havia uma significação sobre cultura, mas não de raça, de modo que esta categoria seria insuficiente. A contribuição do texto como a defesa da unidade da espécie humana e o caráter arbitrário em utilizar a noção de raça como critério de classificação da humanidade, o fez ser considerado um texto clássico do antirracismo. O qualificativo de antirracista está vinculado à afirmação de que não o progresso da humanidade, não afere qualquer tipo de desigualdade intelectual inata em razão de que cada cultura coopera de um modo específico para o desenvolvimento da humanidade. Colocado de outra forma, a humanidade caminharia para a execução do “projeto moderno” em um processo diretivo cujo alcance seria o pleno desenvolvimento e o ápice da racionalidade. Tal hipótese fundamenta as proposições que a UNESCO passa a sustentar.

Para o Lévi-Strauss, colocar a questão em termos de “contribuição das raças humanas” seria já um equivoco conceitual, pois coloca em pauta aquilo que a publicação tenta distanciar:

 

Falar da contribuição das raças humanas para a civilização mundial poderia assumir um aspecto surpreendente numa coleção de brochuras destinadas a lutar contra o preconceito racista. Resultaria num esforço vão ter consagrado tanto talento e tantos esforços para demonstrar que nada, no estado atual da ciência, permite afirmar a superioridade ou a inferioridade intelectual de uma raça em relação a outra, a não ser que se quisesse restituir sub-repticiamente a sua consistência à noção de raça, parecendo demonstrar que os grandes grupos étnicos que compõem a humanidade trouxeram, enquanto tais, contribuições específicas para o patrimônio comum (LÉVI-STRAUSS, 1980, p. 8).

Ao longo de dez pontos, Lévi-Strauss desenvolve argumentos propondo questões teóricas e metodológicas para pensar as características e particularidades que marcam os grupos humanos. Logo no início do texto, o autor afirma que é um equívoco utilizar raça e ao longo de seu desenvolvimento passa a empregar os termos “culturas”, “culturas humanas”, “civilizações”, “sociedades”. Versando sobre as culturas, identifica uma rede de significados das problemáticas entre as culturas, nesse sentido problematiza as noções de “etnocentrismo”, “progresso”, “tempo histórico”, estabelecendo uma crítica à pretensão da “civilização ocidental” e à colaboração entre as culturas que são a base para se pensar as trocas entre as culturas.

Mas a simples proclamação da igualdade natural entre todos os homens e da fraternidade que os deve unir, sem distinção de raças ou de culturas, tem qualquer coisa de enganador para o espírito, porque negligencia uma diversidade de fato, que se impõe à observação e em relação da qual não basta dizer que não vai ao fundo do problema para que sejamos teórica e praticamente autorizados a atuar como se este não existisse. Assim o preâmbulo à segunda declaração da UNESCO sobre o problema das raças observa judiciosamente que o que convence o homem da rua da existência das raças é "a evidência imediata dos seus sentidos, quando vê junto um africano, um europeu, um asiático e um índio americano" (LÉVI-STRAUSS, 1980, p. 5).

Lévi-Strauss afirma que a proposta de assimilação das culturas é um erro político e conceitual, algo como uma forma de “racismo de assimilação” (LEDOYEN, 1998). Desta perspectiva sua aposta será na indicação de que as culturas devem ser preservadas. A associação equivalente entre raça e cultura, base de sustentação do preconceito racial, é alvo de suas análises demonstrando

 

seu posicionamento na crença de que a existência das diferenças culturais entre as sociedades não deve ser negligenciada, mas ao contrário que as condições para a evolução de tais sociedades deveriam ser definidas a partir de critérios que garantissem sua preservação. Lévi-Strauss ainda afirma que a igualdade tão proclamada pela UNESCO negligencia a humanidade.

O texto "Raça e História" é seguido, após duas décadas, pelo texto "Raça e Cultura" apresentado na conferência inaugural do Ano Internacional de Luta contra o Racismo em 1983. O texto é interpretado nos círculos acadêmicos como oposto às ideias defendidas no texto “Raça e História”. Em “Raça e Cultura”, o autor descarta a necessidade de saber o que é raça e coloca ênfase no debate sobre cultura, mais especificamente sobre as diferenças culturais (LÉVI-STRAUSS, 1983, p. 3). A questão central sobre a qual se debruça é sobre capacidade de justificar e compreender as diferenças entre os grupos culturais por meio de seu patrimônio genético, ou ainda, se este tipo de questionamento é válido. Posicionando-se de forma contrária, se dirige à etnologia para debater as distinções entre as culturas, o texto prossegue com exemplos variados para resolver o impasse de que se a raça influenciaria a cultura e de que forma. Ao identificar o caráter irresoluto do tema, procura sofisticar o argumento de que são as formas próprias de cada cultura que determina sua evolução, de modo que raça é uma função entre outras da cultura (LÉVI-STRAUSS, 1983, p. 9). Lévi-Strauss retoma alguns argumentos desenvolvidos no texto “Raça e história” dentre os quais o apelo ao fato de que as culturas não poderiam permanecer isoladas para adquirir uma “história cumulativa”.

Lévi-Strauss contrapõe-se à proposição da UNESCO acerca da “luta ideológica contra o racismo”, afirmando que tal medida tem pouca interferência prática contra os preconceitos raciais. Essa alegação está posta sobre a impossibilidade de aferir se a intolerância racial deriva de ideias falsas. Tal perspectiva coloca em questão a interpretação de que o racismo atua por ideologia, de modo que reafirma a própria hipótese que tenta refutar, pois os contextos de desiguais relações de poder é que de fato auxiliariam a formação do preconceito racial. Portanto, o papel do etnólogo é inócuo nesse sentido, ao que

 

poderiam ocupar os psicólogos ou educadores na compreensão e repreensão de “sentimentos de repulsa e de hostilidade” (LÉVI-STRAUSS, 1983, p. 13). Lévi- Strauss empreende uma crítica à política da UNESCO por colocar nas ciências canônicas modernas a tarefa de desarraigar os preconceitos raciais. Isto acaba por se tornar um golpe na proposição central da UNESCO. O autor não compreende raça como uma formação ideológica que resulta no racismo e que pode ser modificada pela ciência. Sendo assim, o objetivo da tarefa demandada pela UNESCO seria a de afirmar o erro contido na apreensão de que as variações raciais resultam em variações culturais.

A conferência de Lévi-Strauss na comemoração dos 60 anos da UNESCO em 200575 recolocou a contenda incluindo a função da antropologia e da etnologia as quais se apresentam diante de um impasse aos seus princípios, visto que ressaltam aquilo mesmo que a UNESCO recusa: o ato de “reparar e isolar” as variações entre os grupos humanos que se constitui de objeto central da etnologia e da antropologia (Op. cit. p. 14). Isso impôs um problema à reflexão etnológica