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O percurso histórico da histeria na obra freudiana O papel da sedução e da

2. O DIAGNÓSTICO EM PSICANÁLISE: IDENTIFICAÇÃO E NOMEAÇÃO DO

2.2. O percurso histórico da histeria na obra freudiana O papel da sedução e da

A ida de Freud a Paris (1885) será uma oportunidade de entrar em contato com mulheres tidas como histéricas e, também, aprender o processo de hipnose. Ao retornar a Viena, utilizou a expressão la belle indifférence para referir-se ao fato de que estas mulheres ao relatarem seus sintomas e suas queixas faziam isto desprovidas de qualquer emoção. Percebeu ainda que os sintomas apresentados pelas pacientes não podiam ser explicados organicamente. Os estudos sobre a histeria realizados por Freud, com o auxílio de Josef Breuer, apontavam para o desenvolvimento e criação do axioma da teoria psicanalítica: o Inconsciente (Freud, 1886a/1987).

Freud descreve como a histeria era entendida na época. Tratava-se de uma palavra sem definições claras e que era cientificamente caracterizada por sinais negativos. Até aquele momento, os estudos acerca desta temática não eram tão extensos e a sua compreensão era permeada de preconceitos. Com Charcot os estudos promoveram avanços e modificações a partir de sua separação entre a neurose e o sistema genital, possibilitando assim que os casos pudessem ser confirmados em homens e mulheres. Nas histerias traumáticas, Charcot localizou sinais como a natureza do ataque, anestesias, distúrbios da visão, entre outros. Assim, a histeria sai de um diagnóstico de sinais negativos para estabelecer-se por indicações positivas. Portanto, ele assume a responsabilidade de que os sintomas histéricos são de fato reais e não se tratam de simulação como se acreditava até o momento (Freud, 1886b/1987).

Freud, influenciado por Charcot, pouco depois das afirmações feitas por seu professor de que a histeria não estaria necessariamente relacionada ao órgão genital e que poderia acometer ambos os gêneros, descreveu em detalhes a história de vida e os sintomas de um de seus pacientes para argumentar que suas manifestações corporais eram suficientes para concluir que se tratava de um caso de histeria. Um dado que merece destaque e possibilitará reflexões posteriores neste trabalho é que este homem possuía algumas doenças orgânicas. Entretanto, isto não excluía a possibilidade de se tratar de um paciente histérico e deste sujeito apresentar sintomas inexplicáveis anatomicamente ou por exames laboratoriais. Haver algum tipo de doença orgânica não impossibilitaria, para Freud, o fato de outras áreas do corpo serem afetadas em decorrência de um conflito psíquico, gerando, por exemplo, algum sintoma conversivo (Freud, 1886b/1987).

Em 1888 (Freud, 1888/1987) assinalou que, apesar dos progressos obtidos pela medicina, com o decorrer do tempo a histeria continuava sendo uma doença que, sem evidenciar alterações significativas no sistema nervoso, deixava ver nos pacientes nestas regiões em que os sintomas se manifestavam uma excitabilidade diferente de outras partes do corpo. Os sintomas desenvolvidos por um paciente histérico eram bastante diversificados. Dentre eles:

Ataques convulsivos: os movimentos observados mostram-se coordenados e há uma preocupação em evitar ferimentos ou machucados, o que se distingue bastante de casos orgânicos.

Zonas erógenas: áreas do corpo que apresentam enorme sensibilidade, podendo atingir a pele, os ossos, membranas mucosas e até mesmo os órgãos dos sentidos.

Distúrbios de sensibilidade: existem dois tipos, as anestesias e as hiperestesias. No caso da anestesia, diferentemente do que seria na doença orgânica, o distúrbio de sensibilidade histérico não prejudica a atividade motora. As doenças orgânicas raramente possuem este tipo de sinal.

Distúrbios da atividade sensorial: qualquer órgão do sentido pode ser acometido, gerando perda da visão de modo total ou parcial; surdez em um dos ouvidos – raramente há uma perda de audição completa – paladar e olfato.

Paralisias: a anatomia não é considerada, por exemplo, é possível ter perda de movimento do braço esquerdo, mas a perna esquerda continuar funcionando normalmente. Tal sintoma recebe o nome de hemiplegia. No caso de uma hemiplegia histérica, a perna que perde o movimento é arrastada assemelhando-se a uma extensão morta. Não são raras as manifestações de afasia histérica e com isto, além das paralisias dos membros observa-se a perda total da fala e uma incapacidade completa de produzir sons. Na maioria destes casos, o que se constata é uma intensa habilidade na escrita, sendo a comunicação por este meio mais investida.

Contraturas: manifestações presentes nos casos mais graves de histeria nos quais o aparelho muscular reage aos menores estímulos.

Para Freud (1888/1987), a histeria era conhecida por seu exagero, pois os sintomas exibiam proporções muito maiores do que provavelmente possuíam. Outra característica muito comum era a de que os sintomas se modificavam e/ou se deslocavam. Por exemplo, a anestesia de uma perna podia se deslocar e se instalar nos braços e no momento seguinte, os membros inferiores podiam estar completamente normalizados. A histeria, na verdade, não

criava nada de diferente, ela apenas imitava e mimetizava relações fisiológicas e possíveis doenças, mas o fazia de modo ainda mais dramático e exagerado.

Mesmo tendo feito estas considerações, Freud (1888/1987) ainda se deparava com intensas resistências dos profissionais da época e tinha grande receio de que as suas observações e as suas teorias fossem descartadas. Ele ainda considerava como justificável que os histéricos desta época apresentassem a doença em decorrência de uma pré-disposição genética, principalmente se existisse na família deste paciente alguém que era epiléptico ou possuía algum transtorno mental. Em geral, a histeria se manifestava após alguns eventos mais graves, como por exemplo, um acidente, uma criança que recebera muitos cuidados de seus pais por ser filho único, episódios de violência, nascimento prematuro, trauma, intoxicação por chumbo ou álcool, enfim, qualquer circunstância que pudesse gerar algum prejuízo para o indivíduo. Associado a isto, nas explicações freudianas, não se descartava a importância dos aspectos sexuais na histeria acreditando-se que a vida sexual tivesse o seu papel para o desenvolvimento de sintomas histéricos, assim como em qualquer neurose. Ele admitia ainda que uma carga de excitação e uma intensa quantidade de estímulos no cérebro fossem responsáveis por este tipo de crise. O excesso poderia ocorrer tanto por ideias conscientes quanto inconscientes. No que se refere à manifestação histérica esta costuma ocorrer em um período próximo à puberdade, de modo geral, um pouco antes ou um pouco depois. Nos homens, a aparência da histeria costuma ser de doença grave e dada a sua intensidade, na maior parte das vezes, o paciente se sente incapaz de trabalhar e se vê obrigado a interromper as suas atividades.

Apesar dos prejuízos e interferências que podem resultar dos sintomas histéricos, estes nunca se constituem, segundo ele, como um risco de morte, além do que as funções intelectuais dos pacientes e sua capacidade se mantêm preservadas, embora ele não especifique exatamente qual seria esta competência que se mantém sem qualquer prejuízo. Na grande maioria dos casos, ao serem questionados, os pacientes não sabem identificar qual foi o problema ou o evento que fez com que a histeria se desencadeasse. Isto porque, até os sintomas se manifestarem, eles passam por um período de latência, não aparecendo logo após alguma situação traumática, existindo um período de incubação (Freud, 1888/1987).

No contato com Charcot, Freud aprende a técnica da hipnose e, com este método, observa que a pessoa consegue recordar-se de fatos dos quais não se lembraria com tanta facilidade em estado consciente. Esta dificuldade em resgatar eventos da infância na memória opera-se com as chamadas lembranças encobridoras. No entanto, com o passar dos anos, Freud começa a perceber que a técnica da hipnose não é completamente eficaz, pois os

sintomas que desapareceriam por meio da sugestão, retornavam tempos depois. Segundo ele, a justificativa era o fato do paciente estar desprovido da razão e não se responsabilizar pelo que foi verbalizado no estado hipnóide. Ele se vê obrigado a buscar explicações para este reaparecimento (Freud, 1891/1987).

Na histeria, as ideias contrárias aflitivas são mantidas afastadas da consciência, de maneira que se produz uma dissociação, entre a intenção e a ideia, mas estes pensamentos não deixam de existir, apenas mantêm-se inconscientes, inacessíveis aos pacientes. Uma outra característica frequente para estes sujeitos liga-se ao fato de que quando aparecem as intenções, as ideias que possuem conteúdos aflitivos são atualizadas e revividas no corpo (Freud, 1891/1987). Aqui cabe uma observação de que quando Freud muda-se para Paris para realizar o estágio, conhece também Janet, e ao elaborar suas ideias a respeito da histeria reconheceu que as hipóteses e teorias de Janet já antecipavam, há anos, alguns dos resultados obtidos por Freud e Breuer quanto ao uso do método catártico em pacientes histéricos. Entretanto, ainda que reconhecesse a importância de Janet, em sua explicação Freud defendia que a divisão da consciência é algo adquirido e, assim, secundário, pois o eu se depara com uma ideia, sentimento ou afeto tão aflitivo e intenso que opta por afastá-lo da consciência, esquecê-lo, mas para tal, “monta” uma defesa e com isto demonstra uma atitude ativa e não o contrário, como pensava Janet, opondo-se a esta condição mental que lhe seria insuportável (Pereira, 2008). De acordo com o pai da psicanálise, os desejos são levados em conta mesmo que o sujeito não tenha consciência disso, como por exemplo, no caso da paciente que não tinha qualquer intenção de amamentar, mas por receio isto não era manifestado. Ela acabou por desenvolver sintomas que a impossibilitavam de nutrir o bebê, produzindo aversão pela comida, dores, perda de apetite e vômito. Ou seja, o corpo oferecia sinais de que não era possível levar em conta o próprio desejo, produzindo evidências muito mais significativas e perceptíveis do que seria de se esperar no caso de uma simulação. Freud observa que nos casos em que a moral e a boa educação estão presentes, de modo muito rígido, é comum o aparecimento deste tipo de sintoma e o paciente acaba sendo vítima das ideias recalcadas (Freud, 1891/1987).

A partir da experiência clínica no contato com os pacientes, o autor constata ainda que não há uma explicação médica e anatômica para justificar as observações clínicas, o órgão na histeria não funciona como em um caso orgânico em que as paralisias se dão a partir das distribuições dos nervos. No quadro histérico o órgão é tomado (num sentido popular ou leigo) diferentemente do que seria considerado pelos técnicos e profissionais, para os quais a região da perna, por exemplo, não se restringe ao quadril somente, mas inclui o abdômen, em

termos de distribuição dos nervos e sensibilidade. Vale mencionar que o mesmo acontece com o braço, de acordo com os técnicos. Isto é, não se entende o braço somente do ombro até as mãos, mas quando uma paralisia se manifesta, no caso de uma lesão cerebral / orgânica, por exemplo, o sintoma afeta também a face o que não ocorre nos casos histéricos. Tais hipóteses e constatações de Freud são compartilhadas por Janet. Para Freud, este membro ou órgão só está paralisado porque existe uma grande carga de afeto, da qual o sujeito não se dá conta, mas que impede qualquer associação que poderia ser a maneira de reverter o quadro da paralisia, da lesão dinâmica (Freud, 1893/1987).