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Prevalências do transtorno no Brasil e no mundo

7. A HISTERIA E OS TRANSTORNOS SOMATOFORMES: NOMES DIVERSOS

7.1. A desconstrução da histeria nos manuais psiquiátricos, artigos e dados

7.1.2. Prevalências do transtorno no Brasil e no mundo

O SciVerse Scopus é a maior base de dados com resumos e referências do SciVerse da Elsevier. Na elaboração deste trabalho, julgou-se necessário pesquisar o que havia sido publicado a respeito dos temas da dissertação e, para tal, foram utilizados os seguintes descritores: histeria, hysteria, transtornos somatoformes, somatoforms disorders. Ressalta-se que os termos “hysteria” e “somatoform disorders” foram associados em inglês, pois deste

modo é possível localizar um maior número de artigos que contemplam inclusive os trabalhos redigidos em português.

A partir dos resultados localizados no gráfico (vide Anexo A) acerca das produções em periódicos referentes à histeria no período entre 1833 e 2014 é possível formular algumas hipóteses que eventualmente expliquem os motivos pelos quais a publicação científica experimentou variações ao longo da história. Pode-se supor que interferências e motivos históricos contribuiram para tais variações. Uma observação relevante é que o ano para o inicio da investigação foi determinado pelo banco de dados, 1833 foi o primero ano identificado como tendo trabalhos sobre a histeria. Nota-se que há em 1851 a primeira elevação que indica um número maior de trabalhos na área. Ao recorrer à história deste período observa-se que a histeria com James Braid é retirada de um tipo de sofrimento com base na teoria dos fluidos, juntamente com Sydenham, para explicar a sua relação com o cérebro.

Com a proposição de que a histeria estaria localizada no cerébro, ele defende uma noção de origem física-química-psicológica, que poderia ser tratada por meio da hipnose. Tendo isto como ponto de partida, Charcot dedica-se a estudar os fenômenos clínicos da histeria no Hospîtal de la Salpêtrière exatamente neste período e persiste com estas investigações até os anos de 1900, oferecendo contribuições notáveis a respeito. Em 1893 a produção eleva-se novamente, momento que coincide com a decisão de Freud em mudar-se para Paris para estagiar com Charcot (Trillat, 1986), além das discussões a este respeito que estavam em pauta para a criação do que viria a ser nomeada anos mais tarde como Classificação Internacional de Doenças, CID. Aqui cabe também assinalar, que as manifestações dos sintomas histéricos também foram mais diagnosticadas, segundo os historiadores, pelas crises na sociedade industrial, quando ocorriam greves os sinais e sintomas eram observados nas multidões (Roudinesco & Plon, 1998). Depois deste ano, notam-se alguns aumentos, mas agora já de forma mais equilibrada, ainda que deva ser considerado o ano de 1912 e 1913, agora já com a fundação da psicanálise e com a compreensão da histeria mais solidificada. Estes dois anos já estão próximos à reformulação que Freud faria da teoria em 1915 e com a elaboração da primeira tópica. Posteriormente, tendo já passado algumas décadas, as oscilações e variações acerca da histeria são ainda mais notórias, o que provavelmente possa ser justificado pelas diversas discussões no campo científico sobre a validade e relevância deste diagnóstico. É válido destacar que as constatações no gráfico são feitas mais ou menos a cada dez anos (1952, 1963, 1973, 1983, 2001, 2011), o que pode ilustrar períodos marcantes para aquela década no que tange ao

campo da saúde mental. Apenas a título de exemplo, a elevação em 1952, é quase concomitante ao ano de publicação do DSM-I. Em 1994, a diminuição dos trabalhos pode ser entendida como concomitante à abolição do diagnóstico de histeria nos manuais psiquiátricos. E, mais ou menos em 2011, quando já se aproximavam as reformulações nos sistemas classificatórios em psiquiatria, novamente observa-se uma elevação considerável nas produções.

Já no que se refere ao gráfico de transtornos somatoformes (vide Anexo A) este é predominantemente crescente desde 1966, quando o termo foi empregado pelas primeiras vezes no campo psiquiátrico. É digno de nota que as quedas de publicações científicas tenham ocorrrido somente nos anos de 1999, 2005, 2008 e 2011, já em outros anos, ora há aumento na produção e ora uma estabilização dos trabalhos publicados, mas esta não se configura como queda. O ano de 2011 pode ter coincidido com as transformações que seriam feitas posteriormente nos sistemas classificatórios, por exemplo, o DSM-V substituindo o termo transtornos somatoformes por sintomas somáticos. Estas alterações produziram maior proximidade com a histeria e com questões psicológicas que afetavam o corpo, reforçando a conclusão obtida pelo gráfico anterior, com a elevação de artigos sobre a histeria em detrimento dos TS. Apesar do período examinado, no que diz respeito aos TS, ser bem menor – somente 48 anos –mais trabalhos a este respeito foram produzidos (10.191) se comparados aos 181 anos de investigação da histeria (8.202).

Na década de 80, as condições de pobreza e de dificuldades sociais no mundo exigiram que os sofrimentos psíquicos recebessem atenção, a alexitimia (dificuldade de nomear e expressar sentimentos e emoções) e os quadros psicossomáticos estavam evidentes. A partir das novas configurações de adoecimento emergentes nesta época, os profissionais do campo de saúde mental viram-se obrigados a compreender estes fenômenos, o que, provavelmente, culminou em uma larga expansão das categorias diagnósticas nas décadas seguintes perdurando até os dias atuais. A noção de sofrimento psíquico para o saber psicológico, médico, social e filosófico talvez ainda esteja pouco esclarecida no que diz respeito às suas diferenças e às formas pelas quais cada um destes campos compreende este conceito. Apesar disso, localizam-se cada vez mais estudos e estratégias para investigar os motivos que resultam no adoecimento do sujeito. No que se refere à psiquiatria, existem alguns transtornos, nos quais as relações de interferência entre os dois planos, físico e mental, parecem pouco discriminadas. Exemplos deste tipo podem ser encontrados nos transtornos somatoformes, transtornos dissociativos, anorexia, bulimia, entre outros (Projeto elaborado por membros do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise, Latesfip, 2014).

Casos como a ascensão súbita dos diagnósticos de anorexia em Hong Kong depois de 1994, a onda de Transtornos Pós Traumáticos em Sri-Lanka, Tailândia e Malásia, após o tsunami de 2004, a epidemia de depressão no Japão nos anos 1990, após o alto impacto de divulgação de antidepressivos em meio à crise econômica, ratificam um importante estudo internacional levado a cabo pela Organização Mundial de Saúde nos anos 1960 e atualizado em 2004 (Projeto elaborado por membros do Latesfip, 2014, p.3).

De maneira similar, os transtornos conversivos e dissociativos apresentam uma prevalência considerável na Turquia. Neste país, 60% da população é diagnosticada com algum transtorno somatoforme, sendo que a justificativa para esta taxa diz respeito à impossibilidade de expressão emocional vivida por estes pacientes. Eles são impedidos, por preceitos culturais, de expressarem angústia e raiva – e isto contribui para o sofrimento emocional e problemas sociais (Schmelling-Kludas et al., 2003; Nickel et al., 2006). Os estudos epidemiológicos mostram evidências de que as populações da América Latina são propensas à somatização, principalmente em dois países centro sul-americanos não especificados pelos autores. De acordo com Tófoli et al. (2011), a frequência destes quadros clínicos representa no mundo uma proporção de 8,5% dos habitantes nativos. Este índice é ainda elevado se considerarmos as pessoas que migram para outros países. No Nordeste brasileiro, o maior risco é para quadros de ansiedade e depressão, principalmente no gênero feminino na faixa etária de 40 a 65 anos, ainda que por vezes quadros de somatização estejam presentes. Entre os paulistanos encontraram-se doenças orgânicas associadas a somatizações em determinados tipos de trabalhos e aos fatores psicossociais, mas os autores não mencionam quais seriam as ocupações mais atingidas. No sudeste do Brasil constata-se significativa relação entre queixas físicas, migração e problemas econômicos e sociais. Apesar dos índices de somatização no país, não há nenhum sintoma específico que caracterize de modo evidente a nossa população. Isto é, os pacientes tanto apresentam quadros de somatização e de transtornos somatoformes como de síndromes somáticas funcionais, como a fibromialgia (FM) e a síndrome da fadiga crônica (Tófoli et al., 2011).

A partir do percurso da pesquisa ressalta-se que, se a histeria for entendida como um tipo de quadro clínico sem etiologia conhecida, ao menos no campo psiquiátrico, torna-se inviável prescrever qualquer tipo de medicação. No caso de pacientes acometidos pelos transtornos somatoformes, a impossibilidade de medicar continua funcionando de modo

similar a como era com os casos de histeria. Tal como se sabe, o que se faz é prescrever remédios que tratem de questões colaterais. Pensar na ausência de um tratamento medicamentoso nos remete à informação contida nos arquivos de pacientes histéricas do Hospício Nacional de Alienados, localizado no Rio de Janeiro, por volta de 1900, onde em um dos prontuários pode-se ler o seguinte: “(...) a única medicação indicada em seu prontuário era o extrato de fluido de maracujá” (Cupello, 2011, p.09; Ávila & Terra, 2012). Este era um registro frequente entre as pessoas diagnosticadas como histéricas: todas recebiam esta prescrição. Ainda que os médicos e cientistas se esforcem para descobrir um tratamento eficaz para os pacientes histéricos, somatoformes ou sintomas somáticos e transtornos relacionados, ao que parece, não há ainda como medicalizar este tipo de sofrimento psíquico. A dificuldade quanto a uma terapêutica eficaz para este público também pode ser constatada nas palavras dos autores Gallucci Neto e Marchetti (2008, p. 356):

Tratar o paciente com transtorno de somatização, conversão e dissociação pode ser considerado um desafio na prática médica. Em geral, estes pacientes tendem a negar a existência de problemas psicológicos ou sociais relacionados à gênese de suas queixas. Muitas vezes, ao serem encaminhados ao psiquiatra após a comunicação de que “não têm nada físico, todo o problema está na cabeça”, desenvolvem sentimentos de rejeição e raiva, abandonando o tratamento. Procuram, então, outros especialistas, em um círculo vicioso que só poderá ser interrompido na vigência de uma comunicação diagnóstica adequada e formação de uma aliança terapêutica com seu médico.

O termo somatização foi introduzido em psiquiatria por Stekel em 1943, para referir a linguagem do órgão, surgiu para substituir a histeria que logo recebera popularmente uma conotação negativa. Apesar disso, o termo histeria não parou de ser utilizado, ainda que informalmente. Em seu lugar os manuais preferiram termos como somatoforme e dissociativo (Trillat, 1991).

No que se refere à prevalência dos pacientes somatizadores, sabe-se que este índice pode apresentar uma significativa variação a depender do local de referência. Engel (1970) afirmou, a partir das investigações na Filadélfia (Estados Unidos), que os sintomas conversivos chegam de 20% a 25% em serviços de saúde primária. As pesquisas epidemiológicas da Cidade do México (México) referidas por Martinez et al. (1997) apontam que 10% de quaisquer serviços médicos são concedidos aos pacientes com transtornos

somáticos e quadros de doenças não identificadas organicamente. De acordo com este estudo, os pacientes com este acometimento passam em média cerca de sete dias por mês internados no hospital resultando na maioria das vezes em gastos anuais desnecessários. Já Mai (2004) realizou uma pesquisa em um hospital geral em Ottawa (Canadá) e constatou que cerca de 4,5% a 16% do público que frequenta os ambulatórios psiquiátricos são acometidos por somatizações.

Ainda no que se refere aos diagnósticos, hoje é possível localizar uma significativa sobreposição entre as somatizações e algumas doenças específicas, dentre elas a fibromialgia. Dentre as características envolvidas no quadro, além dos sintomas de dor, encontram-se manifestações não específicas similares às encontradas na histeria, isto é, insônia, dores de cabeça, problemas gastrointestinais, entre outros. Se compararmos o transtorno de somatização com a histeria, as informações convergem e se confundem ainda mais, isto porque além de sintomas injustificáveis, localizam-se também intervenções cirúrgicas, muitas vezes produzindo resultados iatrogênicos e consultas frequentes a especialistas, hospitais e pronto-atendimentos (Ford, 1997).

No que se refere aos gastos e interferências produzidos na vida destes pacientes com diagnóstico de TS, vale destacar dois estudos: Smith, Rost e Kashner (1995) e Thomassen et. al. (2003). No primeiro foram investigadas possíveis estratégias para tratar os pacientes somatizadores. Estas proposições decorreram do fato de se tratar de uma população que gera um alto dispêndio de dinheiro público nos hospitais psiquiátricos e nos hospitais gerais, devido à sua elevada frequência a estas instituições. Os autores constataram que quando estes pacientes recebem atenção dos profissionais e recomendações a respeito de seu tratamento nas consultas psiquiátricas, os custos e as despesas diminuem consideravelmente, pois eles tendem a se sentir mais seguros e assistidos e, com isso, passam a procurar menos atendimento médico. No segundo estudo, foram analisadas 13.314 consultas psiquiátricas na Holanda por um período de quase 20 anos, de modo a comparar os diagnósticos de transtornos somatoformes, outros diagnósticos psiquiátricos e a população em geral. Deste total, 544 pacientes receberam a confirmação de transtornos somatoformes, sendo 215 conversivos. Verificou-se que destes pacientes conversivos, 58% que tinham de 20 a 29 anos perderam o emprego e 6% com idade de 50 a 59 anos também ficaram desempregados. Segundo os autores, este índice foi o mais alarmante entre os transtornos mentais em geral, independentemente do gênero.

Os gastos excessivos com estes pacientes justificam-se pelas incontáveis buscas por atenção médica, assim como pelas atitudes dos profissionais que decidem avaliá-los e tratá-los

compulsoriamente, resultando como já mencionado, em diversas hospitalizações, procedimentos e exames invasivos e prescrição de medicamentos ineficazes. São também dignos de nota os afastamentos do trabalho, ou seja, observam-se significativas incapacidades físicas e sociais nestes pacientes. Uma das explicações para isto seria a necessidade frequente de irem aos médicos e, portanto, se ausentarem do trabalho (Martinez et al., 1997).