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O PETAR e a reorganização da produção no Bairro da Serra

CAPÍTULO 5 – Caracterização sócio-ambiental

5.3. O PETAR e a reorganização da produção no Bairro da Serra

Em novembro de 2004, entrevistei o Sr Modesto, diretor do PETAR, quem me acolheu com toda simpatia e simplicidade típicas das pessoas do Vale do Ribeira. Natural de Iguape, onde cresceu com sua família no meio rural, o Sr Modesto me pareceu ser a pessoa ideal para administrar os conflitos sócio-ambientais resultantes da presença do Parque, pois, como parte integrante da região, entende muito bem os transtornos causados pela presença das unidades de conservação e as inúmeras dificuldades que causam o sofrimento de seu povo. O resultado desse entendimento parece ser a fórmula para a sua postura política que oferece uma grande abertura ao diálogo com a população local e flexibilidade no trato das questões legais.

Apesar do caráter humanitário de sua gestão como diretor, suas mãos e pés parecem estar algemados pela estrutura burocrática do Instituto Florestal, a qual engessa o processo administrativo local por meio de limitações à autonomia do PETAR, inviabilizando ou retardando demasiadamente algumas ações e estratégias necessárias para aliviar, ou mesmo, solucionar alguns problemas específicos das populações afetadas pela presença do Parque. De acordo com o Sr Modesto, o PETAR (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira) foi criado a dezenove de maio de 1958 como PEAR (Parque Estadual do Alto Ribeira) e ganhou o adendo “turístico” dois anos mais tarde em 1960. Contudo, foi somente em 1983 que o PETAR foi implementado realmente. Antes disso, não havia qualquer estrutura administrativa local e, tampouco, fiscalização. Tratava-se, portanto, de um “parque de papel”, onde não havia quaisquer restrições ao uso tradicional que as populações locais faziam da floresta em busca de recursos para a subsistência.

O PETAR ainda não possui o seu Plano de Manejo, o que se constitui num sério empecilho para o planejamento e ordenamento das ações em seu interior. Para remediar essa situação o Parque conta com um “plano emergencial” definido a partir do estabelecimento de zonas de uso, viabilizando, por meio desse recurso, a visitação pública.

Atualmente, o parque desenvolve 4 dos 5 programas listados a seguir: a) administração;

b) proteção, a qual é efetuada pelo DPRN, Polícia Florestal e guardas-parque; c) uso público;

d) interação sócio-ambiental;

e) pesquisa (programa que ainda não está sendo desenvolvido pelo parque).

Dentro desses programas, merece um destaque especial o programa de interação sócio- ambiental que abriga o Conselho Consultivo, certamente, o espaço de maior contato entre a administração do parque e a população afetada ou, simplesmente, interessada nos desdobramentos organizacionais e planejamento de ações. O Conselho Consultivo é uma espécie de assembléia que reúne representantes das populações do entorno e interior do parque, prefeituras, ONGs, Casa da Agricultura, operadoras de turismo, representantes de pousadas locais, entre outros, havendo ampla participação comunitária e se constituindo numa ferramenta essencial na condução de discussões pertinentes à resolução de conflitos locais atribuídos à presença do parque. Essas reuniões têm como um de seus objetivos viabilizar a conciliação do Plano de Manejo com os Planos Diretores dos municípios de Apiaí e Iporanga, os quais têm boa parte de suas áreas ocupadas pelo parque.

Outro programa que merece atenção especial é o programa de uso público que, por enquanto, se restringe à visitação turística. Apenas dois dos quatro núcleos do PETAR oferecem estrutura para a recepção turística: o de Caboclos, no município de Apiaí, e o de Santana, no Bairro da Serra, município de Iporanga. Embora o parque possua várias cavernas abertas para a visitação pública, bem como trilhas interpretativas, a única atividade em que se pode contar com a monitoria de um guia do parque é, no caso do núcleo Santana, a visita à caverna de Santana. De acordo com o Sr Modesto, isto se deve ao número muito reduzido de monitores que o parque possui. Por outro lado, essa situação induz os turistas a contratarem guias locais autorizados pelo PETAR, o que vem sendo intensamente estimulado pela direção do parque, pois se trata de uma das vias mais importantes por onde se dá a entrada de recursos financeiros para a comunidade.

O programa de formação de monitores ambientais, por meio do Curso básico para

monitores ambientais de Iporanga e região do Alto Ribeira, promovido pela Secretaria de

Meio Ambiente (SEMA), Instituto Florestal (IF) e Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (CNRBMA), tem como objetivo central a criação de uma fonte de renda alternativa para a comunidade através da capacitação profissional de voluntários locais. Essa estratégia produz profissionais que mantêm uma relação de dependência

financeira com o parque e com sua conservação, funcionando no sentido de inserir o PETAR dentro do sistema produtivo local, bem como melhorar a imagem do parque diante da comunidade, pois até então, ou mesmo, com menos intensidade nos dias de hoje, o grande vilão apontado pela população regional como o responsável pela miséria local eram as unidades de conservação que se instalaram, uma após a outra, no Vale do Ribeira.

Por outro lado, a visitação turística no PETAR apresenta ainda um quadro bastante problemático marcado pelo descontrole e falta de informações. Não há qualquer estrutura de atendimento e informação ao turista em Iporanga e, tampouco, no Bairro da Serra, onde acontece grande parte das atividades turísticas, pois é lá que se localizam os núcleos de Santana e Ouro Grosso, os quais reúnem boa parte das cavernas abertas à visitação. Entretanto, como já foi apontado, a única caverna que conta com um certo controle e serviço de guias do parque é a de Santana, onde a visitação se restringe às áreas permitidas pelo plano de manejo da caverna. É, localmente, a exceção. De resto, há grande liberdade de uso no restante das cavernas locais e há, até mesmo, algumas cavernas localizadas dentro dos limites do parque, onde o acesso é feito sem precisar passar pelas portarias, como é o caso da Alambari. Qualquer um, com ou sem monitor, pode visitar essa caverna que oferece dificuldade e risco no seu percurso.

De acordo com o Sr Modesto, o controle de visitação na caverna Santana é realizado a partir da liberação de um grupo com 8 a 10 pessoas a cada 15 minutos. Os critérios adotados nessa norma estão muito mais relacionados à funcionalidade do serviço de monitoria, isto é, para que os grupos não congestionem totalmente a caverna, do que em relação a algum estudo de capacidade de suporte de cavernas.

Para os turistas interessados em visitar os atrativos oferecidos pelos núcleos do PETAR é cobrada uma pequena taxa de três reais por pessoa. Em tempos passados, esse dinheiro era encaminhado a um fundo administrado pela Fundação Florestal que, de acordo com determinados critérios, redistribuía o montante, subtraídas as taxas administrativas, para as diversas unidades de conservação sob a administração do Instituto Florestal, sempre observando, em teoria, o retorno de pelo menos 70% do total arrecadado para as unidades de conservação que adotam o sistema de cobrança de ingressos. A antiga norma que determinava o retorno de 70% do montante financeiro arrecadado pela unidade de conservação não existe mais e o rateio do fundo financeiro é feito de acordo com a situação

econômica e as prioridades de cada unidade de conservação administrada pelo Instituto Florestal.

Para o PETAR, o momento atual é de tranqüilidade financeira, apesar de não haver o retorno de um único centavo arrecadado em suas portarias. Essa situação inédita na história do PETAR se deve ao financiamento a fundo perdido do banco alemão KFW (Kreditanstalt für Wiederaufbau) que dá suporte ao Projeto para a Proteção da Mata Atlântica (PPMA), o qual se encontra na segunda e última fase. As unidades de conservação do Vale do Ribeira beneficiadas nessa segunda fase do projeto, que vem acontecendo desde o final de 2001, são os parques estaduais de Intervales, Jacupiranga, Carlos Botelho e o PETAR.

Apesar do aporte financeiro que tem dado sustentação às atividades de conservação ambiental nas diferentes unidades de conservação do Vale do Ribeira, alguns dos velhos problemas continuam tão atuais como há 50 anos. Talvez o problema de maior destaque na região seja a exploração predatória do palmito jussara. De acordo com o Sr Modesto, é de conhecimento público que, no Bairro da Serra, muita gente corta o palmito ainda nos dias de hoje, mas não se constituem, necessariamente, em palmiteiros, isto é, não vivem a partir da renda produzida por essa atividade. Dentro do PETAR estão as evidências materiais deste tipo de prática que é testemunhada no dia-a-dia dos guardas-parque. Além disso, há também a ação dos palmiteiros profissionais que promovem uma verdadeira devastação por toda a Mata Atlântica e não poupam, nem mesmo, os experimentos de cultivo e manejo da jussara que vem sendo conduzidos naquela região. Os roubos de palmito em propriedades particulares da região são relatados2 desde a década de 50 e, atualmente, inviabilizam a

condução de projetos de manejo nos bairros rurais de Maria Rosa e São Pedro. Entre outros exemplos, há o relato do Sr Modesto sobre o roubo de palmito em uma grande área experimental no Parque Estadual de Intervales. Apesar dos esforços para o controle desta situação, que se resumem ao incremento da força repressiva, a situação tem evoluído para uma condição ainda mais grave que no passado, quando consideramos o escasseamento progressivo deste precioso recurso florestal.

De acordo com o Sr Modesto, parte deste problema se deve ao reduzido número de guardas-parque, cujo trabalho de fiscalização não é suficiente para impedir a exploração de recursos florestais dentro do PETAR. Na verdade, esta questão é ainda muito mais delicada. O recente programa de desarmamento desarmou também os guardas-parque e, agora,

qualquer ação que exija a apreensão de produtos ou a rendição de invasores necessita do acionamento da Polícia Florestal, o que torna o processo demasiadamente lento e ineficaz, permitindo a fuga dos infratores. Apesar da ajuda da Polícia Florestal, fiscalizar os 35.712 hectares do parque é uma tarefa impossível mesmo para uma legião inteira da força militar. É, certamente, um trabalho de alto risco e, o pior, pouco eficiente. Além disso, todo bom palmiteiro que se preza anda muito bem armado pelo mato, é grande conhecedor do ambiente, excelente caçador e, evidentemente, não quer ser preso. Por outro lado, ele precisa sobreviver e cuidar de sua família, mas o sistema que se instalou em seu mundo lhe deixou poucas alternativas para obter êxito em sua simples empreitada.

Além dos problemas que o parque enfrenta com os palmiteiros, há ainda o problema da caça, tão grave e descontrolada como o extrativismo do palmito, e a invasão por posseiros, cuja solução temporária é mais fácil por meio do uso da força repressiva da Polícia Florestal que os expulsa do interior do parque, resultando, simplesmente, na transferência do problema para outras localidades.

Não podemos entender as infrações contra as unidades de conservação como um mero ato criminoso, pois, antes disso, trata-se, seguramente, de uma ação em busca de condições mínimas de sobrevivência. Todos nós precisamos de um teto e as invasões por posseiros são a manifestação desta necessidade, bem como a caça e o extrativismo predatório do palmito significam a busca por alimento e recurso econômico. Trata-se de necessidades básicas que devem ser supridas para garantir, no mínimo, a sobrevivência dessas populações. Não queremos com isso advogar que as fronteiras do parque devam ser abertas para o uso indiscriminado de seus recursos, mas é importante salientar que a busca por soluções para os conflitos locais não deve adotar a velha e ineficaz fórmula do aumento de fiscalização ou mesmo da criação de barreiras físicas que, simplesmente, dificultem o acesso ao parque.

De acordo com o Sr Modesto, entre as medidas adotadas no processo de mitigação de conflitos sócio-ambientais em nível local destaca-se a desafetação do PETAR, que se define como o recuo das fronteiras do parque no sentido de excluir a porção ocupada pelo Bairro da Serra. Dessa forma, a população do Bairro em sua porção desafetada volta a ter direito de uso e posse da terra, mas existem alguns aspectos condicionantes. O uso da terra e qualquer outra atividade dentro de 10 km a partir da fronteira do parque, que se constitui

na zona de amortecimento, ficam condicionados à aprovação pela direção do PETAR, pelo menos até que o Plano de Manejo do parque seja elaborado, o qual deverá apontar dimensões mais precisas para a zona de amortecimento.

O processo de desafetação só é possível, do ponto de vista legal, se as dimensões do parque forem mantidas. Para viabilizar essa proposta uma outra área de dimensões maiores já foi incorporada ao PETAR. Esse processo se encontra em sua fase final e aguarda votação na Assembléia Legislativa, não havendo quaisquer objeções que inviabilizem a sua aprovação. Mesmo assim, ainda fica um remanescente dessa questão, pois o processo de desafetação não contempla os moradores que vivem nas porções mais internas do parque.

A direção do PETAR tem assumido uma postura no sentido de implementar parcerias com a comunidade envolvida nesses conflitos e, para isso, tem incentivado a organização comunitária por meio da formação de associações. Na verdade, já existem associações em número maior do que seria necessário para um lugar tão pequeno. Até o momento, é possível listar a Associação Serrana Ambientalista (ASA), a Associação dos Monitores de Iporanga e Região (AMAIR), a Associação da Comunidade do Bairro da Serra e o Grupo de Ação para a Preservação da Mata Atlântica (GAPMA). Houve, ainda, a iniciativa de se formar uma cooperativa local, mas o projeto conduzido pelo Sr Jurandir, da Pousada Rancho da Serra, ainda não floresceu.

Certamente, a iniciativa de formar uma associação ou uma cooperativa é algo importante dentro do processo de organização, coesão e fortalecimento comunitário. Por outro lado, a formação de várias associações num lugar tão pequeno e despovoado pode ser o sintoma da dificuldade de entendimento entre os membros de cada um desses grupos. O Sr Modesto me relatou, em tom de reclamação, a grande dificuldade que é trabalhar em grupo no Bairro da Serra, explicando com suas próprias palavras que “cada um quer puxar a sardinha para o seu lado”.

Porém, é inegável que haja um certo potencial de organização comunitária no Bairro da Serra, tal como foi ilustrado anteriormente (seção 5.2.10) pelo depoimento de Dona Benedita. Além disso, é bem conhecido que as populações caipiras, diante de dificuldades, exibem uma grande disposição de cooperação vicinal e um forte senso de organização, como pode ser verificado na prática dos mutirões.