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CAPÍTULO 5 – Caracterização sócio-ambiental

5.1. O Vale, o município e o bairro: Aspectos gerais

Desde há muito tempo que tenho aprendido sobre o Vale do Ribeira, tanto na escola como em conversas entre colegas de universidade. Todavia, minha experiência pessoal naquela região, antes da oportunidade proporcionada por este trabalho, restringia-se a uma breve passagem pelos municípios de Registro e Cananéia, o que havia me deixado uma impressão de tratar-se, o Vale do Ribeira, de uma região assentada sobre uma planície de relevo suave onde as receitas eram geradas por meio da produção agrícola, nomeadamente, o chá e a banana.

Foi a partir dos trabalhos em campo realizados em abril e novembro de 2004 e, posteriormente, em novembro de 2006, que pude me aproximar um pouco mais do Vale do Ribeira e perceber a diversidade ambiental e cultural que compõem aquele ambiente, onde os diferentes atores sociais estabelecem uma trama de interações complexas que se estendem ao longo do processo histórico por meio das relações com o ambiente físico- biológico e com as políticas de desenvolvimento econômico e conservação ambiental. O acesso ao município de Iporanga, partindo do município de Campinas (SP), requer alguma dose de espírito de aventura. A viagem, até o município de Apiaí (SP), segue sobre rodovias pavimentadas em boas condições de uso e tráfego. Contudo, a partir de Apiaí, inicia-se uma difícil e lenta descida até o Bairro da Serra, um percurso de 20 km com desnível de 900m. Apesar de se tratar de um pequeno trecho, a viagem parece interminável para quem ainda não está habituado ao percurso. Se por um lado a paisagem é magnífica, o mesmo não se pode dizer sobre a estrada. Mal conservada e repleta de buracos, com exceção de um trecho ou outro recobertos pelo solo-cimento, a estrada sem pavimentação, com sua morfologia tortuosa e estreita, está longe das condições ideais de tráfego.

Ao longo da viagem, intercalam-se pontos de desabamento parcial da estrada com outros de quedas de barreira. As últimas chuvas que caíram antes da viagem de campo de novembro de 2004 deixaram essa estrada em condições mais precárias que as de costume, havendo, ao longo do percurso, pontos onde a obstrução era quase completa, ora devido ao grande

volume de solo que cedeu do barranco acima, ora devido às rochas que caíram sobre a estrada, uma das quais do tamanho de um veículo de médio porte.

O acesso ao Vale por essa estrada, certamente, não é nada fácil, e o risco é bem conhecido pela população local, que parece já ter aprendido a conviver com os acidentes constantes que vitimam tanto turistas como as pessoas da região. Trata-se, seguramente, de uma barreira natural ao trânsito de turistas. Há nesse fato, pelo menos, dois aspectos a serem assinalados. Se, por um lado, a dificuldade de acesso inibe parcialmente o fluxo de turistas, o que diminui a entrada de recursos financeiros para Iporanga e Bairro da Serra, por outro lado, essa mesma dificuldade de acesso opera como uma barreira, retardando a chegada do turismo de massa ou, pelo menos, diminuindo o seu fluxo. Longe de qualquer apologia a esse tipo de controle do fluxo de turistas, reconhecemos que o retardamento do processo de instalação do turismo de massa, causado pela dificuldade de acesso, cria condições para que a comunidade local se organize, desenvolva diretrizes para o turismo local e promova a melhoria da infra-estrutura básica para a recepção dos turistas.

Essa mesma estrada me revelou a existência de um ambiente magnífico que permite entender os esforços dos preservacionistas investidos naquela região. O relevo, marcado por uma sucessão de pequenas serras, exibe um caráter fortemente ondulado por onde a estrada de acesso se espreme nas encostas abruptas de vales profundos, como é o caso do vale do rio Betari. Ao longo dos barrancos da estrada, pode-se observar, em trechos onde a rocha está exposta, a forte inclinação das camadas estratigráficas que evidenciam a dinâmica intensa dos processos geológicos pretéritos daquela região. O clima, mais ameno nas cotas mais altas, se torna quente e úmido no decorrer da descida, o que parece criar as condições ideais para o estabelecimento de ecossistemas com altos índices de biodiversidade.

A vegetação arbórea densa se espalha pelo fundo dos vales e pelas encostas durante quase todo o percurso. A transição para esse outro ambiente fica evidente, também, na medida em que aparecem na paisagem casas de pau-a-pique, marca registrada do universo caipira, e as casas de tábua (Figura 5.1.1).

Figura 5.1.1 – Contrastes: casebre de tábua e antena parabólica – Bairro da Serra – município de Iporanga (foto do autor).

O tipo racial predominante é fortemente marcado pela presença do negro. A influência indígena nos traços fisionômicos da população local é inexpressiva e se faz sentir muito mais na cultura local expressa pela prática agrícola baseada na coivara, no conhecimento do ambiente natural e na cultura material. Homens e mulheres são fisicamente fortes e as crianças parecem gozar de uma boa saúde (Figura 5.1.2). Apesar da pobreza material evidente, todos parecem saudáveis e bem nutridos, obrigando-nos a duvidar da alcunha atribuída ao Vale do Ribeira como sendo o “vale da miséria”, pelo menos nas localidades que visitamos ao longo dos trabalhos de campo.

Figura 5.1.2 – Alegria e aparência saudável são características evidentes da população local (fotos do autor).

A precariedade da infra-estrutura, atribuída à pobreza da região, é outra característica marcante que assola a população local que sofre com a falta de atendimento médico- odontológico e saneamento básico.

De acordo com Hogan et alli (2000), o Vale do Ribeira possui características que

contrastam fortemente com o restante do Estado de São Paulo. Trata-se da região que

possui a menor densidade populacional, ao passo que apresenta as menores taxas de crescimento populacional a nível estadual. Se considerarmos os dados apresentados por Hogan et alli (2000) e pela Agenda de Ecoturismo do Vale do Ribeira (2005) que qualificam o Vale, no contexto estadual, como uma das regiões mais pobres e mais carentes em infra-estrutura de saneamento básico e, ainda, com os menores índices de escolaridade, podemos, por outro lado, entender que esse contraste não é tão intenso e, por vezes, não é tão negativo. Analisando os dados fornecidos por esses mesmos autores, verificamos que a taxa de mortalidade infantil na região é de 3,17% contra a média estadual que é de 2,16%, uma diferença de um ponto percentual. Outro exemplo ilustrativo diz respeito à taxa de fecundidade que aponta, para a região, um número médio de filhos por mulher de 2,68 contra a média estadual de 2,26. Tanto num caso como noutro, não se trata de contraste muito intenso. Contudo, essa conclusão não serve de justificativa para a situação atual, cujo

aspecto negativo exige, certamente, medidas urgentes que visem a busca por soluções. Há, entretanto, situações em que o contraste é realmente muito marcante, mas não se define num aspecto negativo para o Vale do Ribeira, tal como é o caso da mortalidade por doenças isquêmicas do coração cujo índice, considerando apenas a população masculina, é duas vezes menor na região em relação à média do Estado. Para as mulheres, a diferença é maior ainda: 1,61 na região contra a média estadual de 7,96 para cada 100.000 (HOGAN et alli, 2000, p.393). De acordo com os mesmos autores, “as taxas de mortalidade por AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida) e homicídio também são bem menores do que a média do Estado de São Paulo”. Esses aspectos são fundamentais para pensarmos o que é qualidade de vida e ponderarmos sobre a “necessidade de modernização” como caminho para o desenvolvimento local