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CAPÍTULO 5 – Caracterização sócio-ambiental

5.2. Visitas, diálogos e impressões

5.2.8. Visita à Mineração Furnas

Localizada dentro dos limites do PETAR, a uma distância de 3 km da caverna Santana, nas imediações do Bairro da Serra, Furnas consistiu numa atividade de exploração de chumbo e prata a partir da galena, com algum aproveitamento de zinco. A empresa mineradora, durante o tempo que se estabeleceu naquela área, acumulou uma grande quantidade de rejeitos do processamento, o assim denominado “bota-fora”, que foi depositado próximo à área de beneficiamento, a céu aberto e às margens do ribeirão Furnas, afluente do alto curso do rio Betari que, por sua vez, corta o Bairro da Serra e deságua no rio Ribeira de Iguape, nas imediações da cidade de Iporanga. Os rejeitos da mineração, além da grande quantidade de chumbo, contém também arsênio, ferro, zinco e antimônio (CORSI e LANDIM, 2003). Não sabemos precisamente quanto tempo os rejeitos ficaram depositados nessas condições, mas pudemos verificar, por meio de inspeção pessoal, a datação numa das entradas de uma antiga mina, agora lacrada, onde pudemos ler a inscrição em baixo relevo, lapidada sobre o portal em pedra, que registrava a data de 1944.

Os efeitos da contaminação no ribeirão Furnas são evidentes mediante simples avaliação visual e amplamente comprovados em vários trabalhos (MORAES, FIGUEIREDO e LAFON, 2004; COTTA, REZENDE e PIOVANI, 2006 ; MACHADO et al, 2002). Uma espécie de limbo de cor alaranjada recobre todo o leito rochoso do ribeirão Furnas – o indicativo da contaminação pela presença maciça de ferro ou chumbo em suas formas oxidadas – e se estende por todo o percurso que realizamos, quando margeamos o ribeirão

por uma trilha em estado selvagem, desde o ponto do antigo depósito de rejeitos, próximo a uma lagoa de decantação construída no próprio curso do ribeirão Furnas (Figura 5.2.8.1), até a caverna do Grilo, situada a uns 800m à jusante.

Figura 5.2.8.1 – Lagoa de decantação nas proximidades do local onde foram depositados os rejeitos da mineração – ribeirão Furnas. No primeiro plano da fotografia (na parte inferior) podem ser observados os rejeitos da mineração em forma de pequenos blocos rochosos que ainda permanecem expostos; no segundo plano (ao centro e esquerda) pode ser observada a cor vermelha intensa da água que escorre lentamente dos rejeitos depositados na margem; no terceiro plano (na parte superior) pode ser observada a cor alaranjada da água que cai diretamente no ribeirão Furnas (foto do autor).

De acordo com Corsi e Landim (2003), Furnas ocupa lugar de destaque quando se trata do aporte descontrolado de rejeitos da mineração e contaminação da rede de drenagem local e regional. Os efeitos da contaminação pelo chumbo e outros contaminantes associados, apesar do encerramento das atividades mineradoras na região, ainda estão presentes no ambiente e se estendem para muito além do Alto Ribeira, atingindo o complexo estuarino- lagunar de Iguape – Cananéia – Paranaguá (MACHADO et al, 2002; COTTA, REZENDE e PIOVANI, 2006), uma região amplamente reconhecida tanto no âmbito nacional como

internacional pela sua importância ecológica para a manutenção e reprodução de inúmeras espécies de seres vivos.

Em novembro de 2004, a empresa mineradora estava promovendo a recuperação da área degradada por meio da remoção e encapsulamento dos rejeitos em uma estrutura de concreto de dimensões aproximadas de 40m x 20m x 6m, seguida do plantio de grama no local onde havia a deposição dos resíduos. A obra está sendo realizada por uma empresa especializada em pavimentação de estradas de rodagem, a Malha Viária: Logística de

Estradas Ltda (Figura 5.2.8.2), e o tratamento que essa empresa tem dado ao processo de

recuperação ambiental levanta suspeitas em quem se aproxime um pouco mais de suas atividades.

Figura 5.2.8.2 – Placa da empresa responsável pela recuperação ambiental em Furnas (foto do autor).

Para fornecer uma idéia ilustrativa acerca de nossa impressão, cabe assinalar que por ocasião de nossa chegada a esse local, encontramos apenas dois funcionários, ambos moradores da região que acumulavam os cargos de peão-de-obra e vigia, retirando grama das bordas da estrada que era transportada em balaios no lombo de um único burro e plantada na margem do ribeirão, onde deveria haver o plantio de espécies típicas de mata ciliar.

Outro ponto bastante obscuro diz respeito às dimensões da cápsula de concreto construída para encerrar os rejeitos. Se considerarmos as dimensões da exploração de chumbo em Furnas, tomando por base apenas algumas galerias que visitamos e o tempo de atividade do empreendimento naquela localidade, torna-se difícil acreditar que todo o rejeito produzido poderia ser confinado numa estrutura de 4.800m³, e provavelmente não foi. Por ocasião de nossa visita a essa área, seguimos a pé por uma estrada de uns 1.500m, localizada dentro da propriedade da mineradora, até o local onde havia sido realizado o encapsulamento dos rejeitos. A estrada de terra estava recoberta por pedregulhos em toda a sua extensão. Mas, diferentemente da pedra britada, tanto no formato como no tamanho avantajado, esses pedregulhos davam uma característica desconfortável ao nosso andar que nos obrigava a deter nossa atenção para o chão enquanto caminhávamos. Dessa forma, com o olhar sempre dirigido para a estrada, não pudemos deixar de perceber a presença de alguns diminutos blocos de galena entre as pedras que pavimentavam a estrada. Estava muito claro o que acontecera ali. A idéia de cobrir a estrada com os rejeitos da mineração só poderia ter ocorrido por parte de uma empresa especializada em pavimentação de estradas, como é o caso da Empresa Malha Viária, responsável pela “recuperação ambiental da área degradada de minério de chumbo” em Furnas. A quantidade de material empregado para recobrir essa estrada, somado ao volume encapsulado, deve ser apenas uma pequena fração do montante de rejeitos que deveria ter se avolumado ao longo de décadas de exploração mineral. Se considerarmos a lógica empregada pela empresa em questão, não fica difícil imaginar o destino que teve o “bota-fora”. Mas, por enquanto, tudo isso fica em nível das impressões pessoais do autor.

Contudo, a contaminação pelo chumbo no Vale do Ribeira é um fato incontestável. Estudos recentes detectaram a presença de chumbo no sangue de crianças da região em níveis considerados de risco à saúde humana (Agência FAPESP, 2003). Os efeitos do chumbo no organismo podem comprometer o crescimento de crianças e a inteligência (DUNCAN, 2006), além disso, possui também efeitos carcinogênicos e teratogênicos (CORSI e LANDIM, 2003).

Certamente que essas desordens ambientais se constituem num aspecto negativo que pesa no outro prato da balança, na qual, até agora, foram contabilizados somente os aspectos positivos baseados no grande potencial ecoturístico da região. Lembremos que o

ecoturismo é um ramo da indústria turística que tem como uma de suas características a busca por áreas naturais com alto grau de conservação. Nesse sentido, vale salientar que o chumbo, tratando-se de um metal pesado com alto grau de toxicidade, acumula-se no ambiente e se instala nas cadeias tróficas com sérios prejuízos para o equilíbrio ecológico e para a saúde humana, principalmente a dos moradores locais. Dessa forma, compromete-se não somente o patrimônio natural, mas também as populações humanas da região, que são, pelo menos em teoria, a base dos projetos de fomento ao ecoturismo no Vale do Ribeira.