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2. Enquadramento teórico e jurídico da Adoção no Ordenamento Jurídico

2.3. A Adoção na atualidade – a lei 143/2015, de 8 de setembro, em

2.3.5. O Processo de Adoção

O Processo de Adoção apresenta-se como um processo simultaneamente administrativo e judicial, de assumida complexidade. Aliás, o RJPA tradu-lo enquanto conjunto de procedimentos – precisamente - de natureza administrativa e judicial, integrado designadamente por atos de preparação e atos avaliativos, tendo em vista a prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo da adoção95. A Lei 143/2015 veio assim promover uma clara definição das suas etapas processuais deixando o mesmo de corresponder apenas à intervenção judicial acolhendo hoje, um conjunto de procedimentos orientadores da decisão constitutiva do vínculo adotivo. Guiado pelo já discorrido elenco de princípios norteadores da intervenção em matéria de adoção, este processo, assim, como os seus preliminares assumem um caráter secreto, podendo, todavia, ser consultados pelo adotado depois de atingida a idade adulta – art. 3.º e 4.º RJPA.

Por preferência de sistematização, visando um estruturado estudo do processo de Adoção, cabe-nos elencar, primeiramente, as entidades que neste estão envolvidas e clarificar quais os papéis assumidos na concretização do mesmo.

Comecemos, a par do RJPA, pelos organismos Segurança Social dos quais constam o Instituto da Segurança Social, I. P., o Instituto da Segurança Social dos Açores, I. P. R. A., o Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM, e, no município de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. A estes organismos cabem as competências elencadas pelo art. 8.º do RJPA que, exemplificativamente, vão desde o estudo de caraterização das crianças em situação de adotabilidade, à prestação de informações a interessados sobre o processo de adoção, à receção de candidaturas dos mesmos, às diversas avaliações e acompanhamentos exigidos durante o processo (da seleção dos candidatos, da correspondência das necessidades do adotando às capacidades dos adotantes, da viabilidade de constituição do vínculo adotivo quer no período de transição quer no de pré-adoção), assim como, decretada a adoção, deverão proceder ao acompanhamento (mediante pedido expresso) das famílias tendo, assumidamente, um papel de extrema importância em todas as fases deste processo.

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O art. 15.º, do RJPA, permite que, excecionalmente, as instituições particulares sem fins lucrativos possam intervir no processo de adoção - sendo essa intervenção regulada pelos artigos seguintes – desenvolvendo praticamente todas as atividades previstas para os organismos da segurança social96.

A equipas técnicas de adoção suficientemente dimensionadas e qualificadas, integradas por técnicos com formação nas áreas da psicologia, do serviço social e do direito (podendo, quando necessário contar com apoio de profissionais da área da saúde e educação), caberá o acompanhamento e apoio dos intervenientes no processo de adoção. A Comissão para a revisão do regime jurídico da adoção, identificou como uma das fragilidades do regime anterior à Lei 143/2015 a “indistinta intervenção das equipas de adoção em todas as áreas de atividade do processo de adoção, sem especialização e separação da intervenção com adultos e com crianças97”. Visando colmatar tal necessidade, o novo regime estabelece que as equipas que intervêm na preparação, avaliação e seleção dos candidatos a adotantes devem ser autónomas e distintas das que, depois de decretada a adotabilidade, procedem ao estudo da situação das crianças e à concretização dos respetivos projetos adotivos (art. 9.º, n.º 3 do RJPA)98. Deste modo a lei visa garantir uma atuação mais específica, intensa, firmada nas competências de profissionais especializados conduzindo, consequentemente, à emissão de propostas de encaminhamento de criança para uma família adotante, verdadeiramente consistentes99.

Como uma das grandes criações do Novo Regime do Processo de Adoção, surge o Conselho Nacional para a Adoção. Composto por um representante de cada organismo mencionado no art. 7.º RJPA, tem como missão a harmonização dos critérios de aferição da correspondência entre as necessidades da criança a adotar e as capacidades do adotante tendo ainda as seguintes atribuições elencadas no art. 12.º, n.º 3 RJPA: a)

96 À exceção das atividades previstas nas alíneas g), k), l) e m) do art. 8.º RJPA, vide, art. 16.º, n.º 1 e 4;

97 GAGO, Lucília, op. cit., p 74;

98 O art. 9.º, n.º 4 do RJPA estabelece ainda que, as funções de preparação, avaliação e seleção de candidatos podem ser concentradas em equipas de âmbito regional, sempre que o volume processual assim o justifique, tomando sempre em linha de conta as exigências de proximidade que tais funções pressupõem;

99 Como indica o art. 11.º, n.º 1 do RJPA, a concreta proposta de encaminhamento de uma criança para a família adotante resulta de decisão participada e consensualizada entre a equipa que procedeu ao estudo da criança e a equipa que efetuou a preparação, avaliação e seleção dos candidatos;

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confirmar as propostas de encaminhamento apresentadas pelas equipas de adoção, incluindo as efetuadas no âmbito de confiança administrativa com base na prestação de consentimento prévio; b) emitir parecer prévio para efeito de concessão de autorização às instituições particulares, para intervenção em matéria de adoção; c) acompanhar a atividade desenvolvida pelas instituições particulares autorizadas; d) emitir recomendações aos organismos de segurança social e às instituições particulares autorizadas que intervêm em matéria de adoção, e divulgá-las publicamente.

O Ministério Público intervém, também, ativamente no processo de adoção, assumindo as vestes de guardião dos direitos e do superior interesse da criança como poderemos depreender da leitura dos arts. 26.º e 27.º;

Por último, sob a égide do art. 28.º, ao Tribunal caberá, dentro das funções que a Constituição lhe atribui, garantir o cumprimento da lei assim como assegurar a promoção e defesa dos direitos das crianças, dando prevalência ao superior interesse destas. A este competirá, em especial, a título de exemplo, presidir à prestação dos consentimentos prévios para a adoção, decretar a adoção, apreciar e decidir os recursos das decisões emitidas pelas outras entidades intervenientes no processo e, decidir do incidente de revisão da adoção.

Dando por terminada a apresentação das entidades intervenientes no processo de adoção, cabe-nos agora, de forma breve100, conhecer estruturalmente o processo de adoção.

O processo de adoção apresenta-se como um processo trifásico sendo constituído por uma fase preparatória, uma fase de ajustamento e, por fim, uma fase final;

Quanto à fase preparatória, esta integra as atividades desenvolvidas pelos organismos de segurança social ou pelas instituições particulares autorizadas, respeitando ao estudo de caracterização da criança com decisão de adotabilidade e à preparação, avaliação e seleção dos candidatos a adotantes – art. 40.º, alínea a) RJPA.

No estudo de caracterização e preparação da criança com decisão de adotabilidade – art. 41.º – o organismo de segurança social, ou a instituição particular autorizada, procederão, dentro do prazo previsto, a uma averiguação das necessidades específicas

100 Uma vez que as duas primeiras fases do processo de adoção serão alvo de tratamento mais profundo no próximo capítulo apenas procederemos à sua enunciação e definição tendo em conta as normas legais do RJPA;

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da criança no que concerne ao seu crescimento e desenvolvimento assim como à sua situação familiar e jurídica. As crianças são inscritas numa lista nacional usufruindo de ajuda técnica em vista da concretização do seu projeto adotivo – art. 41.º, n.º 3;

No que concerne à preparação, avaliação e seleção dos candidatos a adotantes, esta atividade só terá lugar depois do candidato a adotante se candidatar à adoção, segundo as exigências do art. 43.º. Após a formalização da candidatura, seguir-se-ão os procedimentos de preparação, avaliação e seleção dos candidatos que deverão incidir sobre os aspetos consagrados no art. 44.º, n.º 3, devendo ser concluídos no prazo máximo seis meses. Dando-se este estudo por concluído, a entidade nele envolvida procederá ao proferimento e notificação de decisão fundamentada ao respetivo candidato que, em caso de decisão de aceitação será obrigatoriamente inscrito na lista nacional sendo também emitido certificado de seleção101 – art. 44.º, n.º 6; em caso de

rejeição da candidatura, a notificação deverá referenciar a possibilidade de recurso assim como o devido prazo e tribunal competente para o efeito – art. 44.º, n.º 7 e ainda, art. 46.º.

Quanto aos seus efeitos, a aprovação da candidatura reveste uma enorme importância na medida em que permitirá a decisão de confiança a pessoa selecionada para a adoção no âmbito de processo de promoção e proteção102.

A fase de ajustamento, entre as crianças e os candidatos, é desenvolvida e acompanhada pelas mesmas entidades da fase anterior. Nesta fase estas entidades promoverão uma aferição da correspondência entre as necessidades da criança em situação de adotabilidade e as capacidades dos candidatos (fase de “matching”) constantes das listas nacionais sendo selecionados aqueles relativamente aos quais seja legítimo efetuar um juízo de prognose favorável de compatibilização. Subsequentemente proceder-se-á à organização do período de transição, com a duração máxima de quinze dias, onde se promoverá um conhecimento mútuo devidamente acompanhado e analisado por equipas técnicas. Caso este período de

101 Quanto ao certificado de seleção, veja-se o art. 45.º RJPA, que lhe atribui um prazo de caducidade de 3 anos, com possibilidade de renovação, pretendendo desta forma o legislador prevenir que o candidato, por circunstâncias do decorrer da vida e do tempo, sofra mudanças quanto às caraterísticas que o tornavam idóneo para a adoção, devendo este último comunicar à entidade que aprovou a sua candidatura de qualquer facto superveniente que ponha em causa o projeto de adoção, como a mudança de residência e alteração da vida familiar (n.º 3);

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transição se demonstre frutífero, iniciar-se-á o período de pré-adoção. Este período de pré-adoção, atualmente com a duração máxima de seis meses, é alvo de acompanhamentos efetivos por parte dos organismos competentes visando, desta forma, proceder a uma avaliação quanto à viabilidade da constituição do vínculo familiar entre a criança e o(s) adontante(s). Decorridos os seis meses103 ou logo que se encontrem verificadas as condições para ser requerida a adoção, a entidade competente elabora um relatório incidente nas matérias plasmadas no art. 8.º, alínea i), concluindo com um parecer relativo à concretização do projeto adotivo.

Quanto à fase final, esta integrará os tramites judiciais do processo de adoção com vista à prolação de sentença que decida da constituição, ou não, do vínculo adotivo. Este é um processo de jurisdição voluntária tendo caráter urgente e secreto – arts. 40.º, alínea c), 31.º, 32.º e 4º RJPA; Os pressupostos dos quais a prolação da decisão judicial depende, estão elencados no art. 34.º, n.º 1. Este processo judicial de adoção inicia-se com a apresentação de requerimento, pelo adotante, junto do tribunal competente, devendo este conter todos os factos que possam demonstrar o preenchimento das exigências previstas no art. 1974.º do C.C. bem como as restantes condições necessárias para a constituição do vínculo jurídico da adoção. Deverão também ser oferecidos com o requerimento, todos os meios de prova assim como o relatório elaborado pelo organismo competente sobre as matérias plasmadas no art. 8.º RJPA.

Relativamente à dispensa do consentimento dos pais, ou outras pessoas que o devam prestar em substituição deste, na concreta situação de não ter sido o processo de adoção precedido de medida de confiança com vista a futura adoção, no âmbito de processo de promoção e proteção, vale o anteriormente descrito e plasmado no art. 55.º do RJPA.

Nesta última e decisiva fase do processo de adoção, depois de terem sido observadas as diligencias subsequentes e audições obrigatórias – art. 54.º RJPA e art. 1984.º C.C. - a sentença é, finalmente, proferida. Sendo decretada a adoção, esta será averbada ao registo de nascimento do adotado104, admitindo ainda a lei a possibilidade

103 Este prazo poderá sofrer, excecionalmente e em situações devidamente fundamentadas, um alargamento de duração máxima de 3 meses; no entanto, poderá também, a todo o tempo cessar, por insucesso deste procedimento sempre tendo em consideração o superior interesse da criança. Cfr. art. 50.º, n.ºs 5 e 7;

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de também constardo texto do assento de nascimento ao qual tenham sido averbada, a requerimento verbal dos interessados ou dos seus representantes legais, mediante a realização de novo assento de nascimento105. Com esta última possibilidade, a lei abre a porta à pretensão dos pais adotivos de fazer “desaparecer” do registo da criança a sua filiação biológica, a sua história familiar passada, rasgada pelas novas (e desejavelmente fortes) correntes da adoção106.