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Os Efeitos Jurídicos da Devolução – em síntese

3. A devolução de crianças adotadas ou em processo de adoção

3.3. Os Efeitos Jurídicos da Devolução – em síntese

Quanto aos efeitos jurídicos da devolução, partindo da consideração de que esta poderá ter lugar no decurso do período de pré-adoção, verificamos que, este fenómeno comporta inúmeros efeitos psicológicos - como já tivemos oportunidade de analisar - e nenhuma consequência jurídica significativa a considerar. Este período assume-me como um período experimental e avaliativo, no qual a partir da convivência entre a criança e os candidatos a adotantes - encontrando-se aquela a cargo destes últimos – técnicos especializados aferirão a viabilidade do estabelecimento da relação parental.

223 LUNA, Thais de Fátima Gomes de Meneses, Análise dos efeitos jurídicos e psicológicos da devolução (…), op. cit. p. 69;

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Juridicamente, o regresso da criança ou jovem à instituição aquando da interrupção desta experiência de convivência, é possível, uma vez que, esta ditará o insucesso do processo de adoção, da futura constituição de uma relação paterno-filial entre aqueles candidatos e aquela criança. Mas, em concordância com as considerações de MENESES LUNA, “não se afigura razoável que os candidatos a pais lancem mão deste período experimental para avaliar objetivamente se aquela criança serve ou não para os mesmos, como se faz com um funcionário que se pretende contratar”224 sendo na nossa perspetiva defensável, a responsabilização dos candidatos a adotantes pelos danos causados ao adotando com a desvinculação afetiva que, pela interrupção do processo se impôs, sem quaisquer motivos de forte relevância que pudessem justificar tal opção pela desistência, pela devolução.

Quando a devolução se processa depois de decretado o vínculo adotivo, ou seja, depois de a criança ou jovem ser juridicamente considerado filho dos adotantes, para além das consequências psicológicas nocivas deixadas na criança ou jovem, acarretará ainda consequências jurídicas. Como temos vindo a salientar, a Adoção é irrevogável: a criança ou jovem adotando é tão filho dos adotantes como são, ou seriam, os seus filhos biológicos, comportando a adoção os mesmos efeitos que a filiação natural, não podendo, de forma alguma, o vínculo adotivo ser eliminado - nem por acordo das partes. Como no capítulo anterior expusemos, aquando da devolução de criança ou jovem adotados, os pais adotivos ver-se-ão inibidos do exercício das responsabilidades parentais: porque jurídica e socialmente são, efetivamente pais, as responsabilidades são-lhes de forma automática atinentes, assumindo-se irrenunciáveis e indisponíveis225; e, como pela adoção são tão pais como quanto se o fossem biologicamente, podem, portanto, ser inibidos do exercício desses poderes-deveres.

Contudo, a devolução surge como fruto da vontade dos pais adotivos em não exercerem as suas responsabilidades parentais em relação àquele filho, de se desvincularem afetivamente dele, remetendo-o novamente ao sistema de acolhimento. Este fenómeno consumará um verdadeiro choque, entre a irrenunciabilidade das

224 LUNA, Thais de Fátima Gomes de Meneses, Análise dos efeitos jurídicos e psicológicos da devolução (…), op. cit., p. 78;

225 Cfr. art. 1882.º do C.C.; MARTINS, Rosa, Menoridade, (In)capacidade e Cuidado Parental, op. cit., p. 192;

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responsabilidades parentais e a irrevogabilidade da adoção, com o superior interesse da criança que deverá incontestavelmente prevalecer. E, é à luz deste superior interesse que a devolução acaba por, miseravelmente, se assumir aos olhos do Estado e das entidades competentes, como “a” solução, uma vez que a permanência do adotado no seio da sua família poderá, certamente, revelar-se nociva e atentatória dos seus interesses, contrariando particularmente a essência do instituto da Adoção e das relações parentais, em geral.

Mas, apesar de inibidos do exercício das responsabilidades parentais, a lei, através do art. 1917.º do C.C. afirma que, a verificação de tal facto, não isenta os pais do dever de alimentarem o filho, uma vez que a inibição não extingue a relação parental seja ela assente em laços biológicos ou pela adoção constituída. Neste sentido e, ainda referindo a possibilidade de, à luz do superior interesse da criança, ser estabelecido um regime de visitas, MENESES LUNA traz ao nosso conhecimento um Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra segundo o qual, sumariamente:

“I - A inibição total exercício do poder paternal não obsta a que possa ser estabelecido um regime de visitas a favor dos pais do menor, ao abrigo do disposto nos arts. 1410.º do Código de Processo Civil226, ex vi art. 150.º da O.T.M., dependendo do motivo que levou ao decretamento dessa inibição e de aquele regime não pôr em causa a segurança, saúde e educação do mesmo menor.

II - No caso de ser decretada a inibição do exercício do poder paternal, não obstante o disposto nos arts. 1917.º do Código Civil e 198.º da O.T.M.227, os pais são obrigados a prestar alimentos ao filho se tiverem possibilidades económicas para o efeito, de acordo com o estatuído no arts. 2004.º do Código Civil”228.

226 Revogado pela Lei n.º 27/2019, de 28/03; Estabelece o artigo 58.º, n.º 1, alínea a) que a criança e jovem acolhidos em instituição, ou que beneficiem da medida de promoção de proteção de acolhimento familiar, têm, em especial, o direito de manter regularmente, e em condições de privacidade, contactos pessoais com a família e com pessoas com quem tenham especial relação afetiva, sem prejuízo das limitações impostas por decisão judicial ou pela comissão de proteção;

227 Diploma revogado pela Lei 141/2015, de 8 de setembro, estando o artigo em questão em consonância com o art. 56.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível;

228 Cfr. LUNA, Thais de Fátima Gomes de Meneses, Análise dos efeitos jurídicos e psicológicos da devolução (…), op. cit., p. 80; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de novembro de 2013, Relator MONTEIRO CASIMIRO, Processo n° 2884/03, disponível em:

http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/4af3e6868850f8e780256dfe0050f0 d6?O penDocument&Highlight=0,2884%2F03 , consultado a 18/04/2019;

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Também já assinalada, será ainda de considerar a exceção à regra da proibição de adoções simultâneas e sucessivas plasmadas respetivamente no n.º 1 e no n.º 2 do artigo 1975.º do C.C., estando em aberto a possibilidade de, a criança ou jovem devolvido(a), voltar a ser alvo de uma Adoção, se tal projeto de vida for condizente com o seu superior interesse, dado que, com a devolução facilmente se encontram verificadas as situações plasmadas nas alíneas d) e e) do art. 1978.º, n.º 1 do C.C. (por remissão do n.º 2 do art. 1975.º do C.C.). No entanto, como a citada autora enfatiza, no caso de a Adoção já não se assemelhar como projeto de vida da criança ou jovem devolvido(a), os laços familiares através desta constituídos permanecerão intactos, assim como todos os efeitos a estes associados, permanecendo na esfera jurídica do adotado os seus direitos sucessórios e alimentícios229230.

Concluindo, a devolução de criança ou jovem adotado(a) comporta várias consequências, inversamente ao vazio existente respetivamente à devolução durante o período de pré-adoção. Assumem-se assim como efeitos da sua verificação a inibição das responsabilidades parentais, a manutenção do dever de prestar alimentos e os direitos sucessórios inerentes à sua situação jurídica de filho, possível regulamentação de um direito de visitas (quando em harmonia com o superior interesse do adotado), a possibilidade de extinção do vínculo adotivo pela constituição de uma nova relação parental adotiva.

Acreditamos que, a este elenco de consequências, quer da devolução durante o processo de adoção quer depois da sua constituição, se deva acrescentar a possibilidade de responsabilização civil dos adotantes pelos danos causados aos adotados devolvidos, como temos vindo incansavelmente a defender ao longo da presente dissertação,

229 Cfr. LUNA, Thais de Fátima Gomes de Meneses, op. cit., p. 81;

230 Como ensina JORGE DUARTE PINHEIRO, a natureza jurídica da obrigação de alimentos não se assume nem familiar nem parafamiliar, no entanto é designada como “relação acessoriamente familiar” por se configurar um “possível efeito de relações familiares (e parafamiliares)”. Em concordância com o artigo 2003.º do C.C. o citado autor define alimentos como “prestações que visam prover a tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário da uma pessoa, compreendendo também o que é necessário à instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”, apresentando-se assim, com uma “estrutura patrimonial, enquadrada numa relação creditícia que em muitos casos se encontra funcionalmente associada a uma relação familiar”. Como fonte desta obrigação poderá encontrar-se um negócio jurídico como disso serão exemplo os arts. 2014.º, n.º 1, 2073.º e 2273.º do C.C., ou então, uma imposição legal – a obrigação legal de alimentos, consagrada no artigo 2009.º, n.º 1 do C.C., que brota da existência de vínculos familiares. Cfr. PINHEIRO, Jorge Duarte, O Direito da Família Contemporâneo, op.

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devendo ser assumida como uma consequência óbvia e direta deste fenómeno que mais não é um fenómeno de coisificação da criança ou jovem adota(n)do, ameaçador de tudo aquilo que o instituto comporta e, acerrimamente, protege.

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4. A Responsabilidade civil pela devolução de crianças adotadas ou