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1. A COMPREENSÃO GEOGRÁFICA DO TURISMO

2.3. Da Agropecuária ao Turismo

2.3.2. O Processo de Urbanização de Bonito

O processo de urbanização trouxe para o local uma série de benefícios tecnológicos e de comunicação que possibilitou a inserção da localidade no cenário do turismo mundial. O crescimento das cidades proporciona a vinda de novos conhecimentos, assim como de pessoas qualificadas para alavancar ainda mais a economia. Novas oportunidades são abertas para a população em geral e um novo dinamismo é projetado no espaço urbano. Conseqüentemente há uma sensível alteração ou complementação nos aspectos culturais da localidade. Corrêa (2003, p.167) já chamava a atenção para a dimensão cultural do espaço urbano modificado.

O urbano pode ser analisado segundo diversas dimensões que se interpenetram. A dimensão cultural é uma delas e por seu intermédio amplia-se a compreensão da sociedade em termos econômicos, sociais e políticos, assim como se tornam inteligíveis as espacialidades e temporalidades expressas na cidade, na rede urbana e no processo de urbanização. (CORRÊA, 2003, p.167).

Apesar de o autor reconhecer, no próprio texto, que a relação entre cultura e urbano não foi extensivamente estudada até a década de sessenta, e sendo a dimensão cultural valorizada somente no início da década de setenta pelos

geógrafos, hoje existe uma maior relação entre o crescimento urbano e a transformação cultural. No caso de Bonito, o processo é um pouco mais acelerado, pois além do crescimento espacial da cidade promovido por uma atividade econômica, existe o agravante de esta atividade ser o turismo. O seu espaço urbano é constantemente visitado por pessoas de diferentes culturas (Figura 7), trazendo diariamente novos hábitos e costumes para serem colocados em confronto com os hábitos e costumes locais.

Figura 7: Avenida Pilad Rebuá

Fonte: Acervo da Secretaria Municipal de Turismo, Indústria e Comercio de Bonito

O que pode parecer um conflito cultural pode também ser benéfico no aspecto sociocultural, pois o município pode ter grandes transformações positivas provindas da atividade do turismo e propriamente dos turistas. Mesmo que aparentemente não seja possível observar as transformações. Levi-Strauss (1976, p.358) nos ajuda a compreender que a humanidade não evolui num sentido único. E

se num certo plano ela parece estacionária, ou até regressiva, isso não significa que, de outro ponto de vista, ela não seja a sede de transformações importantes.

Consideravelmente houve uma mudança no espaço físico da cidade, uma nova paisagem surgiu e se transformou no cenário turístico de Bonito. Esta paisagem se transforma e se reorganiza a cada momento, impulsionada pela

dinâmica do próprio mercado e pela característica da comunidade construída e transformada no local.

A dimensão cultural do espaço urbano de Bonito está pautada principalmente no consumo do turismo em seu território. O produto “turismo ecológico” é o desejo de todos que visitam a cidade, a qual se ordena com sua arquitetura típica com base na formas simbólicas da natureza (fauna e flora) e sua paisagem vai aos poucos representando o seu principal produto de consumo, ou seja, o turismo e o meio ambiente. Bastide (1971, p.8) denomina como “estrutura cultural” toda a relação que envolve, no caso de Bonito, a sua relação com o turismo ecológico e ainda relata que:

Podemos tomar como exemplo Lévi-Strauss. Já que para ele, incontestavelmente, a estrutura não é “o núcleo do objeto”, mas, pelo contrário, “o sistema de relações latente no objeto”, os mesmos sistemas de relações ou, pelo menos, as leis de passagem de um a outro poderiam ser encontrados em objetos bastante diferentes.

Assim, verificamos que todo o sistema de relações existentes no município em torno do objeto principal de “consumo” da população local ou dos turistas, ou seja, o turismo ecológico é bastante amplo e acaba influenciando de forma generalizada todos os habitantes, envolvidos ou não com a atividade turística. De uma forma geral o município vem sendo moldado com este “selo” ecológico estampado em todos os seus produtos. Um dos mais novos produtos de consumo no local é a construção de condomínios fechados que são vendidos com um forte apelo de marketing para que os compradores possam viver mais próximos da natureza.

Bonito, em meados do século XX, era uma cidade com características rurais, pois toda a base de sua economia era voltada para a pecuária, com a criação de bovinos. Portanto, a sua cultura era baseada na ruralidade, com suas crenças e seus mitos. A presença indígena no local é bastante forte, pois próximo a cidade, ao norte do município de Porto Murtinho- MS está localizada a maior Reserva Indígena

Kadiwéu, a maior do estado em extensão, com 538.000 ha.

Com a expansão do turismo na década de 1990, a cidade começou a receber grandes investimentos, como por exemplo, o Hotel Zagaia, o maior resort da cidade, como também nos demais setores da atividade turística direta (hotéis, agências de viagens, transporte, restaurantes, atrativos, etc.). Esses investimentos também foram sentidos nos serviços indiretos ou auxiliares do turismo. Com a

chegada do capital externo na década de 1990, com o advento da construção de novas infra-estruturas, também foi possível verificar a demanda crescente de mão- de-obra especializada que chegava à cidade para suprir a necessidade do mercado que tinha uma expansão acelerada. A necessidade principal do mercado era a falta de profissionais do setor com o domínio da língua inglesa, esse ainda é um dos principais problemas no atendimento ao fluxo de turistas estrangeiros que chegam ao destino.

Entretanto, outras ocupações no turismo necessitam de uma maior qualificação e treinamento, como a prestação de serviços direto aos clientes. Para suprir esta necessidade se faz necessário um treinamento com os profissionais da área ou então uma política de formação de pessoas da comunidade local. Esta política não aconteceu de forma intensa e atingiu somente parte da comunidade local. Nos serviços diretos do turismo como hotéis, atrativos, agências de viagens e restaurantes, podemos verificar os cargos mais qualificados sendo ocupados por pessoas que migraram para a cidade junto com o desenvolvimento da atividade na década de noventa. É freqüente a chegada de mão-de-obra qualificada para o turismo, mas com caráter temporário devido à baixa remuneração. Esta é a dinâmica comercial do turismo e que também é um pouco do reflexo da própria sociedade atual, ou seja, o eterno conflito entre o moderno e o tradicional. Levi-Strauss (1976, p.366) já nos indicava esta tendência social quando relatava que a humanidade está

constantemente às voltas com dois processos contraditórios, dos quais um tende a instaurar a unificação, ao passo que o outro visa manter ou restabelecer a diversificação. O mesmo autor também complementava de forma bastante

esclarecedora o poder e a presença da diversidade cultural.

A diversidade das culturas humanas está atrás de nós, à nossa volta e à nossa frente. A única reivindicação que podemos fazer a este respeito, (exigência que cria para cada indivíduo deveres correspondentes) é que ela se realize de modo que cada forma seja uma contribuição para a maior generosidade das outras. (LEVI- STRAUSS, 1976, p. 366).

Por mais que possa haver diferenças culturais presentes no local, a nova dinâmica social possibilita a manifestação dessas diferenças no mesmo espaço. Portanto, será preciso conviver com as diferenças e conseqüentemente começar a construir continuamente uma nova identidade local. “A distância estrutural é a

diferentes tipos... distância política, a distância de linhagem e a distancia de conjunto etário (EVANS-PRITCHARD, 1978, p. 126). No caso de Bonito, a comunidade

laboral que chegou e se estabeleceu definitivamente deverá conviver em harmonia e construir uma nova estrutura cultural em harmonia com a comunidade local.

Apresentamos aqui, de forma breve, um mapeamento crítico da transformação sociocultural, considerando desde os seus aspectos rurais com base na agropecuária, até as suas características de urbanização da última década ocorrida devido à dinâmica socioeconômica da atividade do turismo.

A formação da estrutura cultural está em processo de recomposição face ao novo quadro populacional e de mercado de trabalho que o turismo proporcionou nas ultimas décadas. A transformação da cidade com características rurais está mudando para um destino turístico internacional, conquistando significativos benefícios com este crescimento (Figura 8). Os turistas dimensionaram as perspectivas de desenvolvimento da população que vê no turismo ecológico uma oportunidade única de valorização e de aumento da auto-estima. A produção econômica da pecuária e do turismo é importante para o quantitativo econômico da região, assim como a valorização e o respeito à natureza é importante para a população local e para a população flutuante que busca o destino e seus atrativos para a visitação.

Figura 8: Infra-estrutura de urbanização

As transformações socioculturais que acontecem rotineiramente são reflexos de sua composição causada pela implantação do mercado do turismo e que trouxe para a região novos negócios, empresários, trabalhadores, novas idéias, tecnologias, informações, e claro, novos visitantes temporários com visões e comportamentos distintos, mas muitas vezes conflitantes com os autóctones. O processo de urbanização do município também motivou a aceleração das conquistas sociais da localidade, tanto a população local, como os turistas ganharam com as melhorias estruturais.

Concordamos com Roger Kessing (1974, in: LARAIA, 1989, p. 61-63) que

cultura é um sistema simbólico que consiste em tudo aquilo que alguém tem de conhecer ou acredita para operar de maneira aceitável dentro de sua sociedade.

Portanto, ao analisar de forma crítica as transformações socioculturais da cidade de Bonito, não se pode deixar de aceitar que o seu processo de estruturação cultural está em transformação contínua. Contribuições constantes de novos elementos e novos valores chegam ao local devido à urbanização da cidade e ao desenvolvimento do turismo como elemento integrador entre o mundo global e a realidade local.