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1. A COMPREENSÃO GEOGRÁFICA DO TURISMO

2.5. Organização Local: “Voucher Único”

O fato marcante da organização do turismo em Bonito é a implantação do sistema de “Voucher Único” para a visitação dos atrativos do município e região. Este sistema implantado em 1995 através da Lei Municipal 001/95, fez com que a atividade se organizasse em cima de um instrumento de controle que beneficiam vários atores da atividade turística, como os Guias de Turismo, o Poder Público, as agências de viagens e os proprietários dos atrativos turísticos. Com certeza este é o segredo do sucesso do Voucher Único, pois consegue agregar benefício para todos e ao mesmo tempo faz com que todos os atores da atividade façam uma vigilância no correto funcionamento do mesmo, pois tem interesse econômico direto. Ë através deste sistema que os Guias de Turismo e as agências de viagens receptivas recebem o valor da comissão de cada passeio realizado e faz com que o poder público local tenha total conhecimento do quantitativo de visitantes em cada atrativo, e conseqüentemente garanta a arrecadação segura de impostos de cada visitação

paga pelo turista. Foi Idealizado por Antonio Carlos Silveira Soares (Tó), proprietário do Restaurante Tapera, com base na observação de um Voucher recebido de uma operadora de São Paulo na década de noventa.

Segundo relato do próprio idealizador, o mesmo recebia alguns turistas enviados pela operadora Freeway, quando certa vez o proprietário da operadora comunicou que iria mandar um Voucher e queria saber se ele aceitaria. O mesmo respondeu que tudo bem. Mas não imaginava que o tal Voucher se resumia a um pedaço de papel. Na sua inocente concepção, Voucher se tratava de um turista. Para sua surpresa ao receber o Voucher em mãos e sem saber o que fazer com o mesmo, não teve dúvida, ligou para São Paulo para saber detalhes do emissor, e o que representava aquilo que acabara de receber.

Após tomar conhecimento do escopo do documento, Tó passou a pensar como o mesmo poderia ser utilizado em Bonito (VIEIRA: 2003, p.45), não com a mesma função que tinha em uma agência de viagem ou operadora de outras cidades, mas sim para organizar o então incipiente turismo na cidade. Encontrou no documento uma forma de organizar e controlar três questões importantes que se apresentavam no momento. Primeira era o fato de que com Voucher seria possível saber quantas pessoas visitavam cada atrativo, ou seja, seria um instrumento fundamental de controle estatístico. Vale situar o momento temporal do turismo em Bonito na época, onde alguns atrativos operavam recebendo demanda de várias origens, mas os gestores e atores locais não sabiam exatamente quantos e de onde vinham esses turistas, ou seja, dados de demanda para serem passados a possíveis investidores não existiam.

A segunda funcionalidade pensada pelo idealizador foi que este mesmo documento poderia ser um instrumento para quantificar o número de pessoas que um determinado passeio poderia receber. Servindo assim como um controlador do fluxo máximo diário de pessoas em um mesmo local, impondo limite de visitação naquele ambiente ecológico. Isso faz surgir no município a preocupação de um estudo de capacidade de carga de cada atrativo. O limite de cada atrativo foi estabelecido já no início da implantação do Voucher único, sendo um instrumento positivo para a sustentabilidade do turismo no local.

A terceira funcionalidade pensada pelo idealizador foi a oportunidade que este instrumento daria ao poder público local para melhorar a arrecadação de impostos dos atrativos visitados, podendo atingir 100% de arrecadação possível com

a atividade do turismo. Teria assim o poder público, nas mãos, um instrumento instituído, acompanhado por todos, pois traria benefício a todos, principalmente aos cofres do município.

Confessa o idealizador que esta iniciativa seria ótima para a sociabilidade do município, pois se instalava naquele momento uma celeuma entre os pecuaristas e os agentes do turismo, onde os pecuaristas questionavam os empresários do turismo e o poder público do benefício que esta atividade traria à localidade. Com o

Voucher possibilitando arrecadação sobre todas as visitações do turismo, esta

atividade passa a ser vista pelos atores das economias já fortemente instaladas, como a pecuária, agricultura e a mineração, como mais uma força econômica possível para o desenvolvimento do município, assim como o poder público passou a ver a atividade com mais otimismo.

Inicialmente o Voucher único era adquirido diretamente na Prefeitura Municipal através das agências receptivas. Tendo assim, o poder público municipal, total controle e distribuição do mesmo, inclusive com o recolhimento da taxa de visitação no ato da retirada. A partir do Decreto Municipal Nº 041 de 02 de dezembro de 2002, o município passou a ser responsável pela impressão e distribuição para as Agências Receptivas transferindo a responsabilidade do recolhimento do imposto sobre serviço (ISS) para as Agências Receptivas. Com esta medida as agências locais ganharam poder e se tornaram a peça principal do sistema produtivo do turismo no município, conforme Figura 9.

Hoje, a Agências Receptivas recebem o pagamento pelos passeios e são responsáveis por distribuir o montante pago para os demais atores do processo. Em torno de 20% (vinte por cento) do montante pago ficam com a própria Agência Receptiva como forma de comissão, 5% (cinco por cento) são pagos a Prefeitura Municipal, referente ao imposto sobre serviço (ISS). As agências também são responsáveis pelo pagamento do valor devido aos Guias de Turismo, podendo variar conforme o passeio realizado. O restante do valor pago é a parte referente ao produto consumido, ou seja, ao passeio. O montante a ser repassado depende do passeio realizado, pois tem passeios em que a Agência Receptiva ganha uma comissão maior, como por exemplo, o passeio de bote.

Com esta nova estruturação do Voucher, realizada no final de 2002, as agências de viagens receptivas passaram a ter um papel mais importante na operação dos serviços turísticos no município e conseqüentemente uma influência

econômica na relação de poder com as operadoras, passeios e Poder Público. Este fato concretizou de vez a estabilidade funcional das Agências Receptivas no modelo de turismo no município e limitou o acesso das demais agências e operadores de fora. Todo o mercado turístico externo que quiser trabalhar com o destino Bonito necessita obrigatoriamente, passar por uma Agência Receptiva de Bonito (Figura 9). As agências receptivas locais emitem o Voucher Único para os turistas, recebe o pagamento e repassam os valores devidos para as partes envolvidas.

Figura 9: Roteiro do Voucher Único Fonte: Elaborado por ALMEIDA, N.P. (2010)

Verificamos a posição das Agências Receptivas na operação da atividade turística em Bonito no que se refere à visita aos passeios e serviços de Guias de Turismo, pois esses serviços só são possíveis ser consumidos pelo turista através do Voucher único emitido pela Agência Receptiva. Portanto, ela é a responsável pelo recebimento do pagamento do turista, da emissão do Voucher, e posteriormente do repasse do valor recebido para as partes envolvidas no processo (passeio, Guia de Turismo, Poder Público, etc.).

Diferente dos demais destinos que não têm um sistema como o Voucher, as Agências Receptivas de Bonito possuem uma garantia de canalização do fluxo

Agência

Receptiva

Turista

Prefeitura

Guia de

Turismo

Atrativo

Pagamento Voucher Único Voucher Único

turístico e com isso conseguem obter um mercado garantido e uma arrecadação total dos turistas que desejam fazer os passeios. Essa garantia as agências não conseguiram obter com os hotéis da cidade. A negociação entre as operadoras (externas) e os hotéis é feita diretamente entre as partes interessadas. O Voucher Único não conseguiu assegurar o mesmo fluxo que tem com os passeios. Portanto, um turista que chega a cidade não necessita da emissão de um Voucher para se hospedar em um hotel.