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O processo produtivo e as relações de trabalho na Fábrica de Pólvora da Estrela

2.1- O processo produtivo da pólvora: técnicas e profissionais

Dentre as várias narrativas sobre os processos de trabalho empregados na Fábrica de Pólvora da Estrela que encontramos nos ofícios daquela instituição, poderíamos resumir que a pólvora era obtida através de três processos gerais: trituração, compressão e granulação do carvão, do salitre e do enxofre, elementos que constituíam a base do explosivo. Nos países que produziam pólvora, seguiam-se diferentes esquemas de trabalho para realizar estas etapas, mas todos adotavam estes três princípios gerais de fabricação.

No início da Fábrica de Pólvora da Estrela empregava-se, com algumas peculiaridades, o modelo francês de fabricação. Este modelo baseava-se na utilização de pilões manuais, auxiliados por rudimentares equipamentos hidráulicos. O sistema demandava uma numerosa quantidade de mão-de-obra e um cuidado redobrado para a vigilância dos trabalhos, pois o impacto manual nos pilões expunha a produção a constantes riscos de acidentes. Na Inglaterra as etapas de fabricação da pólvora eram feitas através de aparelhos mecânicos mais sofisticados, utilizando-se prensas hidráulicas para triturar, comprimir e granular a pólvora bruta. A liderança inglesa neste mercado poderia ser explicada pelo constante aperfeiçoamento dos processos, que lhes garantiam pólvora de qualidade e quantidade.

Manuel Joaquim Pardal, diretor da antiga Fábrica da Lagoa e mentor do projeto da Fábrica da Estrela, deixava clara a opção pelos moinhos de pilões, observando que o seu emprego era preferencial pela preciosa economia que apresentava1. A oferta de trabalhadores

escravos e o preço do maquinário inglês, alto naquele mercado, determinaram a adoção, nos momentos iniciais da nova fábrica na Estrela, do método francês, de baixíssimo custo e manutenção interna.

Na década de 1830 o Estado ainda podia dispor de um enorme contingente de escravos, que, junto a outros trabalhadores compulsórios, conseguiam movimentar a fábrica através de longos e perigosos processos manuais. Contudo, logo após a posse de José Maria da Silva Bitancourt, em 1836, já ensaiavam aproximar o processo da fábrica à maneira inglesa,

1 Manoel Joaquim Pardal. Exposição sobre as duas Fábricas de Pólvora Nacionais; a que se extinguio a

pouco na Lagoa de Freitas, e a que se esta acabando abaixo da Serra da Estrela. Rio de Janeiro:

tanto no que tocava à composição, quanto nas etapas técnicas de fabricação. No ano de 1836, a fábrica decidiu investir na compra de uma prensa hidráulica, de modo a aumentar a produção e diminuir os riscos apresentados pelos trabalhos com os pilões.2

Podemos observar que tanto os administradores da fábrica, quanto o Ministério da Guerra, apesar das limitações orçamentárias imperiais, sempre buscaram aperfeiçoar o fabrico, porque, em última instância, o aperfeiçoamento significava menor custo de produção. Os últimos lançamentos a respeito dos maquinários da pólvora eram sempre encomendados aos militares que estivessem a serviço na Europa. A biblioteca da fábrica, desde a sua fundação, demonstra até os dias atuais as tentativas de inúmeras gestões para o aperfeiçoamento e eficácia da pólvora ali produzida.

À época, entretanto, ainda não havia um consenso sobre a melhor composição e as técnicas mais apropriadas para a produção. Como dizia o ex-diretor, Manuel Joaquim Pardal:

As experiências e análises, em que se têm ocupado muitos químicos distintos sobre todos os objetos da arte de fabricar a pólvora de guerra, e de caça, não têm sido ainda suficientes para se poder adotar decisivamente esta ou aquela composição como a melhor, e seguir este, ou aquele processo como verdadeiro aperfeiçoamento da mencionada arte; o que não admira quando os mesmos químicos discordam nas proporções das partes constituintes do salitre, que é a base de todas as composições da pólvora: Contudo, elas pouco diferem uma das outras. Pode-se dizer em geral que das três matérias de que se compõem a pólvora, salitre, carvão, e enxofre, o salitre, depois de refinado, entra nas ditas composições em quantidade de um todo (sic), pouco mais ou menos, e no outro quarto entra o carvão, e enxofre em partes iguais, ou desiguais, sendo então o carvão para mais.

Os processos empregados no fabrico da pólvora (...) reduzem-se, todos, em suma a três casos essenciais: trituração, compressão e granulação. É, portanto, na escolha acertada dos aparelhos mecânicos para as diferentes operações de manipulação da pólvora; no seu bom dessecamento, depois de granulada; no melhor método de refinar o salitre, e enxofre; e de obter o carvão; que consiste o maior aperfeiçoamento de uma Fábrica de Pólvora.” 3

Que fazer diante das imprecisões quanto às proporções de componentes da pólvora e processos de fabricação? Diante das limitações técnicas, os avanços na tecnologia da pólvora brasileira oitocentista brasileira sempre foram frutos de tentativas e erros, da mistura de processos adotados em outros países e das adaptações à realidade local. Para um melhor

2 “Relatório do estado da fábrica de pólvora, feito pelo diretor José Maria da Silva Bitancourt para o Ministro da

Guerra Barão de Lages, em 28 de novembro de 1836.” AN-IG5 2 – Série Guerra/Fundo Fábricas.

entendimento destas configurações técnicas é necessário acompanhar a organização das etapas e oficinas seguidas na Fábrica de Pólvora da Estrela

Desde sua fundação, em 1832, até meados do ano de 1854, a fábrica possuía cinco oficinas que se encarregavam de etapas distintas, que iam desde o beneficiamento dos materiais até a configuração final, quando a matéria bruta se transformava em pólvora para uso militar, de caça ou para particulares. Além deste grupo de oficinas de pólvora, havia mais um grupo organizado administrativamente em duas oficinas, que garantiam suporte às de pólvora, especificamente. Este segundo grupo, além dos serviços denominados como de “Fazenda” (o que incluía variados serviços, além dos agrícolas), compunha o que iremos chamar de serviços anexos aos da pólvora.

No primeiro grupo, o das oficinas de pólvora, encontravam-se as seguintes organizações: 1ª, a oficina de refinação e carbonização; 2ª, a Oficina de polvorização dos componentes; 3ª, a Oficina de “mistão” ou mistura; 4ª, Oficina de Trituração e, finalmente, a 5ª, Oficina de Granulação, que compreendia também uma casa para a prensa hidráulica. As sexta e a sétima oficina compreendiam, respectivamente, as atividades de carpintaria,