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471 – Série Guerra Ofícios, relações e processos sobre africanos livres Apud: Afonso Bandeira de

Florence. Entre o cativeiro e a emancipação: p, 62. Todos os casos de arrematantes privados que seguem foram extraídos da dissertação de Florence, nas páginas 62 e 63

8 A. B. de Florence. Entre o cativeiro e a emancipação, p. 62. Como o autor mesmo remete, existe uma

bibliografia que se dedicou a estudar os escravos e africanos livres retornados para a África, principalmente os trabalhos de: Manoela Carneiro da Cunha. Negros estrangeiros: os escravos libertos e sua volta

pretensões da Africana.9 Provavelmente muito assustado e contrariado com o prejuízo que

teria “caso ela obtivesse a emancipação”, resolveu atacar dizendo que Ana “não tinha condições de emancipar-se pois tinha ‘tendência para bebidas’”.10 O arrematante informava

ainda que “Antonio de tal”, um português que morava na Praia pequena numa casa “vizinha a sua chácara” e com quem Ana “nutriria um relacionamento”, havia seduzido a africana com promessas de liberdade.11 Ana, porém, havia acusado seu arrematante de maltrata-la, e José

Gervásio de Queiroz contra-argumentava, utilizando a própria petição feita pelo curador de Ana, para provar que era um bom arrematante, pois ela havia experimentado em sua casa “hum tal desenvolvimento” que havia levado ao curador a afirmar que ela era “capaz de se reger a si mesma e sobre si tratar [de] seus haveres”.12 A história ganhou um fôlego

emocionante, mas infelizmente o desfecho, como muitos, não foi favorável para Ana.

Por meio de um ofício de 11 de maio da Secretaria de Polícia da Corte para o Ministro da Justiça Honório Hermeto Carneiro Leão, sabemos que a decisão do Ministro baseou-se nas leis de 1831 e 1832 – que respectivamente criavam e regulamentavam a categoria dos africanos livres e ainda determinavam que eles fossem reexportados para a África. Entretanto, como não havia ainda casos de reexportação na Corte na década de 1840, o Ministro julgou que, naquela época, a africana livre Ana não poderia “por enquanto viver no Brasil sobre si”, como ela pleiteara em sua petição.13 Quer dizer, a despeito dos argumentos da africana (que era livre do

ponto de vista jurídico) de que já havia aprendido a ser “civilizada” e morigerada (de acordo com os postulados políticos do sistema de aprendizado utilizado por todos os países onde houve africanos livres), a despeito também do pagamento do seu aluguel, muito menor do que o arrematante conseguia ganhar a partir dos serviços dela, e também do argumento “bem visto” pelas elites dirigentes do retorno para a África, ela não conseguiu “sobre si tratar [de] seus haveres”, frase que não por acaso nomeia o capítulo de Afonso Florence.

9 “Ofício de José Gervasio de Queirós [...] para o chefe de polícia, Rio de Janeiro, 8 de abril de 1843.” AN, IJ6

471. Ofícios, relações e processos sobre africanos livres.

10 Idem; A. B. de Florence. Entre o cativeiro e a emancipação, p. 63. 11 Idem.

12

“Ofício de José Gervasio de Queirós [...] para o chefe de polícia, Rio de Janeiro, 8 de abril de 1843.” AN-

IJ6 471– Série Guerra - Ofícios, relações e processos sobre africanos livres. ; “Petição da africana livre

Ana, feita por Amador de Lemos Ornelas. Rio de Janeiro, 6 de março de 1843.” AN- IJ 6 471 – Ofícios,

relações e processos sobre africanos livres. Série Justiça.

13 “Ofício da Secretaria de Polícia da Corte, José Monteiro de Andrade, para o ministro da justiça Honório

Hermeto Carneiro Leão, Rio de janeiro, 11 de maio de 1843.” AN - IJ6 471 - Ofícios, relações e Processos

A história de Helena, de acordo com este autor, foi a que “melhor represent[ou] o que muito normalmente aconteceu” com os africanos livres no Brasil. Da mesma forma que o primeiro caso estudado por Florence, este também é muito rico e possibilita muitas interpretações. Exatamente sete meses depois da petição de Ana, em setembro, Helena entrou com uma petição em que comprovava já ter servido por 12 anos, e que por isso poderia ser emancipada. 14 Como relata Florence, no momento em que o curador de africanos livres, o Sr.

José Batista Lisboa, foi consultado sobre o assunto “relacionou inúmeros motivos para desaconselhar o deferimento da solicitação de Helena, entre eles as relações amorosas supostamente mantidas por ela com um português.” 15 Estaríamos diante de um indício de uma

rede de “agenciamentos amorosos” entre portugueses e africanas livres ou seria este um argumento muito apreciado pelos arrematantes porque era bem recebido pela Secretaria de Polícia e pelo Ministério de Carneiro Leão? Acreditamos, é claro, na segunda hipótese pois, a partir da independência, e sobretudo na década de 1840 (com a “maioridade” de D. Pedro II) estava generalizado no Império um sentimento hostil em relação a portugueses e, especialmente, quanto a africanos. No meio destes, os africanos livres.

Mas José Batista Lisboa, que muito bem poderia ter entrado em acordo com o arrematante de Helena, considerou, também, que a costumeira falta de “respeito e obediência”, de Helena a impedia também de usufruir sua liberdade. Dizia ainda que ela “passava as noites fora em companhia do seu ‘protetor’”. Como uma “carta final”, Lisboa afirmava que “julgava ser de prerrogativa do arrematante, ou dos seus herdeiros” requerer a emancipação, pois achava que eles não deveriam “ficar privados de seus serviços contra a sua vontade”.16 Ou seja,

ainda que a africana tivesse servido como tutelada por mais de 12 anos, o direito do arrematante de continuar gozando dos seus serviços deveria ser uma “prerrogativa” maior, mesmo que esta prática fosse ilegal, como destaca o próprio Florence. 17 O autor não

conseguiu encontrar o desfecho da ação de Helena, mas como ele afirma (e nós concordamos), deve ter tido um fim semelhante ao de Ana, em que prevaleceu a vontade dos tutores sobre todo “direito” das africanas livres.

14

“Petição de Helena africana livre Moçambique, Rio de Janeiro, 14 de outubro de 1843.” AN- IJ6 471 -

Ofício, relações e processos sobre africanos livres. Série Justiça.

15 “Ofício do curador dos africanos livres José Baptista Lisboa ao juiz de órfãos da Corte Diocleciano Augusto

Cesar do Amaral, Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1843.” AN - IJ6 471 - Relações e processos sobre

africanos livres.

16 Idem, p. 6

As notícias de que os africanos livres que residiam em outros pontos do Império, sobretudo na Corte, conduziam representações e petições para emancipar-se, podem ter circulado entre os africanos que foram para a Fábrica de Pólvora da Estrela. Ainda que Ana não tenha sido bem sucedida em sua petição e que não saibamos (mas podemos imaginar) o final do pedido de Helena, suas histórias e outras tentativas de africanos livres que conseguiram se emancipar podem ter sido o motivo que fez Felismina empreender seus esforços no ano de 1850, como vimos. Estes casos e os argumentos utilizados podem ter servido de modelo para elaboração de estratégias diferentes para que os africanos conduzissem as suas argumentações na fábrica.

Foi principalmente a partir da década de 1850 que encontramos as petições dos africanos livres que acompanhamos em toda esta dissertação. No nosso caso, ainda que os africanos livres da Fábrica de Pólvora da Estrela também contassem com um curador que levava suas petições para Secretaria de Polícia da Corte, e que dali seguissem para o Ministro da Justiça, elas geralmente apareciam na documentação Ministério da Guerra. A razão disso é o costume de consultas interministeriais, sempre guiadas por motivações políticas e econômicas. Possuímos, desta forma, nos documentos do Ministério da Justiça e nas minutas de ofício do Ministério da Guerra para a Fábrica, boas histórias de africanos livres que, com o cruzamento de nomes existentes nas listagens da fábrica, permitem acompanhar parcela significativa de suas trajetórias na tutela.18 Vejamos algumas delas.

Foi no ano de 1855 que Beliza iniciou sua longa jornada política e jurídica em busca da “liberdade de fato”. Sabemos que Beliza era Nagô - uma denominação para os africanos de língua iorubá, provenientes da região da chamada Costa da Mina – , e que veio em troca de uma outra africana livre que servia na Fábrica de Pólvora da Estrela desde julho de 184919.

Apesar de não contarmos com a petição original da africana, temos nas minutas do Ministério da Guerra o indeferimento de sua requisição, transmitida ao diretor pelo oficial da Secretaria de Guerra, Libânio A. da C. Mattos:

18 A bibliografia aponta que a documentação dos curadores de africanos livres ainda não foi localizada, mas

para o caso da Corte, é possível que se encontre no Arquivo Nacional, no fundo GIFI, até hojen não tratado.

19

Beliza chegou por troca da “menor africana livre de nome Quitéria, n. de juízo 70 e provisório 325”, que no seu lugar fora servir à Hermenegildo da Cunha Ribeiro Feijó em sua residência na Corte. Antes de chegar na fábrica, Beliza ficou um tempo no Arsenal de Guerra, enquanto aguardava o seu envio para a Serra da Estrela.“Minuta do ofício do Ministério da Guerra para a diretoria da Fábrica de Pólvora da Estrela, de 04 de julho de 1849.” AHE – Códice 593- Livro da Fábrica de Pólvora da Estrela 1 (1835-1850) – n-1, E-I-

2 P-8, p. 263.; “Of. N. 66 do diretor interino Luiz Guilherme Woolf para o Ministro da Guerra Manoel

De ordem de S. Excelência o Senhor Ministro da Guerra comunica-se ao senhor diretor interino da Fábrica da Pólvora, que o Sr. Ministro da Justiça a quem se remete o requerimento da africana Beliza a qual pede carta de emancipação, responde em Aviso de 3 do corrente , que o decreto N. 1303 de 28 de Dezembro de 1853 só compreende os africanos livres que estão em poder de particulares e não os que se acham nos estabelecimentos públicos.20

Vimos que a razão da não concessão de emancipação para Beliza foi o fato de que ela servia na Fábrica de Pólvora da Estrela, portanto, em um local público. E que o argumento jurídico que embasou a decisão do Ministro da Justiça, quem decidia nestes casos, fora que o decreto de 1853 não inlcluía tutelados que serviam ao governo, apenas os que estavam “em poder de particulares”. É possível que a ação sistemática de pressão pela emancipação dos africanos livres que serviam a arrematantes particulares tenha sido um dos elementos definidores da aprovação da lei de 1853. Assim como Ana e Helena, houve inúmeros casos de africanos pedindo o usufruto de suas liberdades legais e insistindo de diversas maneiras para obter este direito “de fato”. Mas e quanto aos africanos livres de instituições públicas? De acordo com os nossos registros e com a bibliografia que tratou do tema, eles encontravam mais obstáculos para alcançar a emancipação. Observemos a segunda tentativa de Beliza e as estratégias de outros africanos da fábrica que tentaram se emancipar do governo Imperial que, como já destacamos, foi o principal tutor e interessado nos serviços dos arrematados.

Em janeiro de 1856, Beliza tentou outra vez a sua emancipação. Foi através de um ofício de José Mariano da Cunha Mattos para o Marquês de Caxias, Ministro da Guerra , e desta vez pudemos saber algo mais sobre a sua história e trajetória na tutela. Mattos dizia a Caxias que

(...) esta preta já tem requerido por vezes a sua emancipação, já oferecendo dar uma escrava em seu lugar, já dinheiro por que for avaliada: que não tem dado andamento aos requerimentos, fazendo-lhe sentir que não estavam bem concebidos (...).: que talvez por isso ela se deliberou a procurar a proteção de V.Exa. quando visitou aquele estabelecimento.21

O relato sobre a insistência de Beliza - que veio no Brigue Asseiceira, em 1844 - chamou nossa atenção por vários detalhes. Pelo que consta no ofício, as estratégias utilizadas pela africana datam, provavelmente, do momento imediatamente posterior em que chegou na

20 “Minuta do ofício do Ministério da Guerra para a diretoria da Fábrica de Pólvora da Estrela, de 08 de Março

de 1855.” AHE – Códice 594 – Livro da Fábrica de Pólvora da Estrela 2 (1850-1860), p.74.

21 “Ofício do diretor José Mariano de Mattos para o Ministro da Guerra, Marquês de Caxias, em 29 de janeiro

Fábrica de Pólvora da Estrela, pois, segundo Mattos, ela tinha “por vezes requerido a sua emancipação”.

Observamos que a africana ofereceu até mesmo “dar um escravo no seu lugar”, ou um valor em dinheiro que correspondesse aos seus serviços, tendo a mesma preocupação de dar um outro trabalhador por si, como fez Felismina, sua companheira de fábrica e de senzala. Ela provavelmente possuía alguns réis, acumulados talvez ainda na casa de seu arrematante privado, porque ela havia chegado por troca em 1849. Contudo, apesar da insistência de Beliza, o diretor afirmava não dar “andamento a tais requerimentos, fazendo-lhe [a africana] sentir que não era possível enviá-los como [eles] se achavam concebidos”. Ou seja, Mattos queria convencer Beliza de que não encaminhava seus pedidos para o curador de africanos porque eles não estavam bem “concebidos” segundo as formas da lei.

Beliza, então, inconformada com a situação, aproveitou uma visita de Caxias à fábrica em janeiro de 1856 e se prostrou diante dele, implorando a sua “proteção” para que fosse emancipada. Provavelmente, o Marquês de Caxias pediu informações sobre a africana livre e essa foi a razão para que José Mariano da Cunha Mattos tenha feito o ofício citado. Ele, nas últimas linhas de seu ofício, considerou: “Nada direi sobre a justiça de semelhante pretensão, por entender ser mais que muito incontestável.” O que significava que o diretor tornara-se sensível às demandas da africana. Note-se também que este diretor foi o mesmo que se preocupou em tirar os filhos de africanos livres, “cidadãos brasileiros”, do “contato pestífero” dos seus pais e dos escravos da nação que com eles habitavam as senzalas, como vimos no último capítulo.

No mês de abril de 1856, sabemos que a história de Beliza ainda não tinha chegado ao fim. Entretanto, acreditamos que foi a partir da sua súplica a Caxias e do argumento do diretor que o Ministro autorizou que Beliza encaminhasse uma petição de emancipação para o Ministério da Justiça. Desta vez, ela utiliza um outro argumento, mais convincente, em que agrega dados de sua história na tutela e o que faria caso conseguisse a “liberdade de fato”.

Beliza, africana livre servindo na fábrica de pólvora, pede sua emancipação alegando que quer ir viver com sua irmã que tem sua casa de negócio na Corte, e ter já 12 anos de serviço. Diz o diretor da Fábrica que da carta que a acompanhou passada na Recebedoria do Município a 17 de outubro de 1844 consta que sendo africana do Brigue Asseiceira fora o seu serviço dado a Hermenegildo da Cunha Ribeiro Feijó, oficial da Secretaria de

Estado dos Negócios da Marinha; e dele veio para esta fábrica por troca de outra por aviso da Repartição da Guerra de 16 de junho de 1849.22

Neste ofício também pudemos saber que Beliza argumentava que, por contar 12 anos de serviços prestados, queria sua emancipação a fim de viver com uma irmã que tinha algum tipo de comércio na Corte. Seus cálculos condiziam com a informação porque ela havia chegado ao Brasil no Brigue Asseiceira, no ano de 1844. Foi provavelmente quando ainda servia ao oficial da Marinha Hermenegildo da Cunha Ribeiro Feijó, na Corte, que Beliza iniciou os seus contatos e viu que sua irmã, que permaneceu a serviço de arrematantes privados, conseguira a sua liberdade a partir das recomendações da lei de 1853 e apesar do prazo de 14 anos, já que provavelmente Beliza chegou junto de sua irmã no mesmo brigue. Quando em 1849 ela foi trocada por outra trabalhadora da Fábrica, viu suas chances de liberdade se esvaindo a cada pedido. Percebemos, porém, que a africana era bem articulada, pelo pedido de proteção ao Marquês de Caxias, pelos argumentos que utilizou, pelo dinheiro que poupou, e que todos estes elementos poderiam comprovar que ela podia “viver sobre si”.

Diante desta nova argumentação, o Ministro da Justiça autorizou a sua emancipação. A ordem foi transmitida ao diretor José Mariano da Cunha Mattos através do Ministério da Guerra, no dia 14 de abril de 1856:

De ordem de S. excelência o Sr. Ministro Secretário de Estado dos Negócios da Guerra se comunica ao Sr. Diretor da Fábrica da Pólvora que por aviso do 10 do corrente do Ministro da Justiça conta ter expedido ordem ao Juiz dos Órfãos para fazer passar carta de emancipação a africana livre de nome Beliza nação nagô que está ao serviço da mesma Fábrica.23

A historiografia sobre o grupo afirma que na década de 1850, e em parte da década de 1860, a maioria dos africanos livres que entrou com pedidos individuais teve pouco sucesso.24

Nossos dados confirmam isso pois, com a exceção de Beliza, os outros africanos que usaram este tipo de estratégia individualmente na Fábrica de Pólvora da Estrela não conseguiam suas emancipações ou tiveram que construir outros argumentos para obtê-la. Chama a nossa atenção o argumento, encontrado em todas estas petições, de que poderiam viver sobre si, o que se relaciona muito ao caso de escravos abordados principalmente por Sidney Chalhoub,

22 “Petição de Emancipação de Beliza Nagô. Rio de Janeiro, 08 abril de 1856.” AN- Diversos SDH - cx. 782

pc. 2-3.

23 “Minuta do ofício do Ministério da Guerra para a diretoria da Fábrica de Pólvora da Estrela. Rio de Janeiro,

Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, em 14 de Abril de 1856. AHE – Códice 594 – Livro da

Fábrica de Pólvora da Estrela 2 (1850-1860), p.97v.

Eduardo S. Penna, Elciene Azevedo e Keila Grinberg, que se intensificaram nesta mesma época em que africanos iniciavam suas petições de emancipação, na década de 1850.25 Teriam

eles tido relações com este movimento mais intenso dos escravos pela alforria “mediante pagamento do seu valor”? Voltaremos à questão no último tópico deste capítulo. Vejamos, agora, os outros modos que os africanos livres da fábrica encontraram para a emancipação do governo, seu tutor mais difícil.

4.2- Os casais formais com filhos: outra estratégia dos que poderiam “viver sobre si”.

Carolina Macúa chegou à Fábrica junto com outros companheiros de travessia no brigue Ganges, no dia 24 de junho de 1839. Ela tinha aproximadamente 13 anos quando foi para o estabelecimento e, no ano de 1846 - então com 19 anos - apareceu como “servente das oficinas de pólvora”.26 Hilário 2o – que provavelmente recebeu este numeral acrescido ao seu

nome porque havia outro homem chamado Hilário - era também um africano livre, mas “ao serviço do Arsenal de Guerra”.27

No princípio de maio de 1849, Carolina e Hilário 2o decidiram se unir num matrimônio

formal.28 Percebemos, através dos ofícios trocados entre a fábrica e o Ministério, que a decisão

dos dois acarretou uma série de obstáculos pelo fato de que a fábrica negava-se a enviar Carolina para o Arsenal da Corte, a despeito das decisões ministeriais. Entre vários ofícios sobre a sua remessa para o Arsenal, sabemos que no final daquele mês o diretor fez uma contra-proposta ao Ministério da Guerra: que levando em consideração que sua “servente das oficinas de pólvora”, a Carolina, “faria falta” ao estabelecimento, propunha então que, ao invés da africana qualificada, fosse o Hilário remetido para a fábrica e que, em troca, ela enviasse para o Arsenal um outro africano livre ou escravo da nação. 29

25 .S. Chalhoub. Visões da liberdade; E. S. Penna. Pajens da casa imperial; Elciene Azevedo. Orfeu de

Carapinha: a trajetória de Luiz Gana na imperial cidade de São Paulo, Campinas, SP: Editora da

Unicamp/Cecult, 1999.; K. Grinberg. Liberata.

26 Vimos em outros momentos que as mulheres eram escolhidas preferencialmente para os trabalhos nas

oficinas de pólvora."Listagem dos africanos livres existentes na Fábrica de Pólvora da Estrela em 09 de março de 1841." AN-IG5 2 – Série Guerra/Fundo Fábricas; "Relação de africanos livres distribuídos a fábrica de pólvora da Estrela em diferentes épocas." de 11 de abril de 1846. AN- IG5 4 – Série