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a sessão da 5 a legislatura, pelo respectivo Ministro e Secretário de Estado Salvador José Maciel.

Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1843.

81 Termo de uso militar que designa estrado mais alto na cabeceira em que dormem soldados em quartéis, postos

de guarda etc. Qualquer cama dura e desconfortável. Dicionário Houaiss eletrônico.

82 “Relatório do estado da Fabrica de Pólvora da Estrela em 1850, do diretor José Joaquim Rodrigues Lopes

para o Ministro da Guerra, em 15 de fevereiro de 1851.” AN-IG5 4- Série Guerra/Fundo Fábricas.

83 “Cálculo B- Sustento dos escravos e libertos africanos.” Op. Cit. 84

“Cálculo C- Preço do vestuário que anualmente se deve distribuir à escravatura e africanos libertos.” Idem.

que a fábrica lucrava muito com a manutenção de trabalhadores compulsórios negros, daí a opção por eles durante tanto tempo.

Entre os empregados e operários livres do estabelecimento havia formas de remuneração diferenciadas. Enquanto os empregados da diretoria, os vendedores de pólvora, o capelão e o cirurgião da fábrica recebiam ordenados ou gratificações anuais, todos os outros ganhavam jornais mensais. Existia, entre eles, também uma outra distinção, entre aqueles que venciam jornais efetivos e os outros, que venciam somente nos dias úteis. Todos os trabalhadores das oficinas de pólvora – com exceção dos serventes –, além dos feitores, do oleiro, dos arreeiros de tropa, patrões do barco, abegão, apontadores e enfermeiros ganhavam jornais efetivos, ou seja, fixos que incluíam o final de semana. Os mestres, contra-mestres, oficiais, aprendizes de carpinteiros, ferreiros, fundidores, tanoaria, etc., ganhavam apenas pelos dias úteis trabalhados. Pelo que indicam os inúmeros pedidos de aumentos de todas estas categorias, seus vencimentos sempre estiveram inferiores aos recebidos na Corte, tanto no interior do serviço público como em espaços privados. A concomitância de trabalhadores compulsórios no mesmo local de trabalho depreciava os valores pagos aos livres.86

Como recompensa pelas suas baixas remunerações, os empregados e operários livres contavam também com moradia enquanto estivessem no estabelecimento. Os casados possuíam casas para viver com as suas famílias, e os solteiros habitavam alojamentos. Como vimos, a partir da década de 1840, a fábrica passou a conceder arrendamentos de terrenos, e os funcionários foram contemplados com estas concessões. Eles também dispunham, a partir de 1841, de uma escola de primeiras letras para seus filhos e de um hospital, que também cuidava dos escravos e africanos livres, embora os funcionários livres preferissem se cuidar na Corte.87

Quando os mestres das oficinas de pólvora se acidentavam ou morriam, o Estado costumava indenizá-los ou à sua família, desde que eles não a tivessem provocado. Quando

86 Vários autores já abordaram o tema, entre eles Jr, Harold Johnson Jr.. A preliminary inquiry into money,

prices and wages in Rio de Janeiro. 1763- 1823. In: Dauril Alden (ed.) Colonial roots of modern Brazil. Berkeley; Los Angeles; London: University of California Press, 1973. APUD: Carlos O. Lima. “Sobre a lógica...” p. 14.

87 Os escravos e africanos livres também relutavam em cuidar-se no hospital, como vimos em um relatório de

José Joaquim Rodrigues Lopes: “Todavia releva observar que o ainda não foi possível vencer a antipatia, que aos escravos e africanos livres infunde a baixa para o Hospital; e persuado-me que esta he devida a vontade de se curarem fora dali, no seio de seus parentes, vontade que hei sempre encontrado não só por perniciosa à marcha da moléstia, muitas vezes desconhecida a princípio, e suscetível de agravar-se sendo tratada empiricamente como contrária à boa disciplina.”Isso demonstra a resistência dos escravos em curar- se pelos métodos impostos pela medicina oitocentista. “Relatório da Fábrica de Pólvora da Estrela referente ao que ocorreu no ano de 1850 para o Ministério da Guerra.” De José Joaquim Rodrigues Lopes, em 15 de fevereiro de 1851. AN – IG5 4 - Série Guerra /Fundo Fábricas.

houve a explosão da oficina de granizo, em agosto de 1849, a viúva do mestre João Gonçalves Magalhães, morto naquela explosão, recebeu regularmente os ordenados.88 Nota-se, também,

que enquanto a produção foi paralisada, em decorrência da explosão, seus operários foram indenizados com metade dos seus vencimentos.89

Na década de 1850, além das reformas técnicas e dos direcionamentos políticos na fábrica, observamos uma transformação muito significativa das relações de trabalhos de escravos e africanos livres. Neste momento, o governo passou a conceder gratificações diárias para os diretamente inseridos em suas atividades. Para escravos e africanos livres, que até o momento só recebiam o sustento, a conquista de salários, em equivalência daqueles que recebiam os livres, significava uma mudança estrutural em suas condições de vida, mesmo que ainda fossem escravos ou tutelados.

É ilustrativo o caso do escravo da nação Antônio Crioulo, vulgo “Canjica”, oficial de carpinteiro, que se destacou “com bastante dedicação e grande utilidade ao serviço dos maquinismos ali colocados e tem por vezes mostrado uma aptidão superior ao que de ordinário se encontra em um oficial de carpinteiro, mesmo bom”. Por isso, Frederico Carneiro de Campos julgava-o merecedor de um aumento em sua gratificação, que passou de 400 para 600 réis.90 Em 1861 ele aparece novamente em uma relação de trabalhadores da fábrica; agora

ele ocupava a prestigiosa função de mestre-maquinista, recebendo 2.500 réis mensais.91 Nesta

posição de destaque era responsável por dois aprendizes livres e um “mancebo” africano livre, chamado Cornélio, que recebia 1.400 réis, enquanto que os dois aprendizes ganhavam somente 300 réis cada um. Um outro fato observado é que o documento não o menciona mais como um escravo, o que pode indicar que ele pode ter pago pela alforria mas não se afastou da fábrica.

A partir do momento em que os escravos passaram a ganhar gratificações, encontramos um movimento de muitos pedidos de compra de alforrias, tanto daqueles que as

88 “Ofício de narra a explosão da oficina de granizo, de José Maria da Silva Bitancourt para o Ministro da

Guerra Manoel Felizardo de Sousa e Mello, em 03 de agosto de 1849.” AN-IG5 4- Série Guerra/Fundo

Fábricas.

89 “Ofício de José Maria da Silva Bitancourt para o Ministro da Guerra Manoel Felizardo de Souza e Mello, em

14 de setembro de 1849.” AN-IG5 4 – Série Guerra/Fundo Fábricas.

90 “Ofício n. 2, de Frederico Carneiro de Campos para o Ministro da Guerra Jerônimo Francisco Coelho, em 04

de janeiro de 1858.” AN-IG5 6 –Série Guerra/Fundo Fábricas.

91 “N. 5- Relação por oficinas dos empregados e operários paisanos da 1a. divisão da Fábrica da Pólvora da

Estrela.” In: “Relação nominal de todos os empregados da Fábrica de Pólvora da Estrela. Do diretor interino Antônio Trindade Figueiredo Mendes Mota para o Ministro da Guerra Marquês de Caxias, em 24 de setembro de 1861.” AN-IG5 8- Série Guerra/Fundo Fábricas.

recebiam como dos filhos e mulheres. Os africanos livres, embora já estivessem se emancipando durante esta década, ainda se viam presos legalmente ao período de tutela. Sendo assim, ao conceder salários a escravos e outros trabalhadores compulsórios (os africanos livres), é possível pensar que o Estado buscava recompensar os mais aptos e especializados e mantê-los na fábrica, como o que aconteceu no caso de Antônio Crioulo. Todavia, o primeiro movimento dos escravos foi a utilização de suas gratificações para se desligarem das atividades fabris.

Na década de 1860, quando a prática de gratificações de escravos da nação já estava consolidada, o Estado, como um incentivo às alforrias, passou a recolher um terço das gratificações para o pagamento delas. Como nos explica o Ministro da Guerra, Ângelo Moniz da Silva, falando dos escravos da nação a serviço da fábrica:

Aos adultos arbitrou-se uma limitada diária, conforme seus serviços, deduzindo-se, mensalmente, um tanto que, depositado na Caixa Econômica, auxilie a aquisição de sua liberdade.

Ponderar-vos-ei que qualquer particular, a quem seus escravos prestam bons serviços, concede-lhes a liberdade; e outro tanto não pode o governo fazer, como desejava, ainda que se tenham eles distinguido por algum serviço prestado à humanidade.

A este respeito, consultado pelo Ministério da Fazenda, declarei não objetar a menor dúvida a qualquer concessão de liberdade a escravos ao serviço do Ministério da Guerra; e já sete obtiveram a liberdade, mediante indenização do seu valor, pendendo de decisão diversos requerimentos de outros.92

No âmbito das reformulações do sistema fabril nas décadas de 1850 e 1860, a concessão de gratificações, bem como o incentivo formal de alforrias, estavam coerentes com a vontade de estabelecer relações de trabalho compulsórias baseadas na sujeição e no assalariamento. Externamente, a questão da liberdade escrava mediante a indenização de seu valor aos proprietários e os conflitos morais em torno da “primazia da liberdade” contra a “defesa irrestrita do direito de propriedade” ganhavam forca entre juristas e parlamentares. Em 1866, data do relatório do ministro, era também publicado o clássico A escravidão no Brasil, de Perdigão Malheiro, que serviu como base das ações e políticas do poder imperial, embora o

92 Brasil. Relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa na quarta sessão da décima segunda legislatura

pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra Ângelo Moniz da Silva Ferraz. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1866. p. 19.

próprio autor, tempos depois, tenha reconsiderado suas propostas em nome da “razão de Estado”.93

O ministro Ângelo Moniz da Silva Ferraz certamente participou desses debates que antecederam a lei de 187194. Além do efeito já analisado pela historiografia sobre o tema – ela

também estabeleceu que os escravos pudessem, mediante acumulação de pecúlio que lhes permitisse o pagamento de seu próprio valor, ser libertados. Esta medida da lei, como indica Sidney Chalhoub, além de gerar inúmeros conflitos entre os proprietários diante da interferência estatal direta em uma decisão que antes lhes cabia inteiramente, foi também uma conquista dos escravos na medida em que ratificava algo que era fruto de negociações com senhores e se inseria no território dos “costumes”.95

O governo antecipara-se à lei, concedendo não só os meios para que o escravo pagasse a alforria com as gratificações, como também passou a descontar uma parte delas para este fim. Desde a década de 1830, encontramos muitos casos na fábrica em que os escravos requisitavam alforrias que eram conquistadas com pagamento de seu valor.96 Não exatamente

por “filantropia” ou “impasse moral sobre a legitimidade da escravidão”, mas porque o Estado buscava a manutenção do controle e domínio sobre esta população de cativos. A esperança de manter os mais especializados sujeitos nos mesmos locais e postos de trabalho, ou em outras “estações públicas”, certamente guiava as pretensões do Estado na implantação da medida. No caso da Fábrica de Pólvora da Estrela, mesmo que essa política falhasse em alguns casos – o que não representaria grandes riscos para uma instituição que já planejava substituí-los – eles assegurariam a reprodução da mão-de-obra com o serviço obrigatório dos artífices.

No ano de 1864, o Estado também concedeu emancipação efetiva a “todos os africanos livres existentes no Império”. Vários tutelados a serviço do Estado tentavam, desde a aprovação da lei de 1853, se beneficiar com esta medida. O Estado, embora tenha concedido a alguns dos que entraram com as requisições, prolongou suas experiências de tutela, ainda que já “gratificadas”. Detalharemos esta discussão no quarto capítulo.

93 Eduardo Spiller Penna. Pajens da Casa Imperial – jurisconsultos, escravidão e a lei de 1871. Campinas,

SP- Editora da Unicamp/Cecult, 2001. Ver especialmente o capitulo 3 “Norma jurídica e razão de Estado, a coerência de Perdigão Malheiro.”, pp. 253-360.

94 Brasil “Lei 2.040 de 28 de setembro de 1871”, in Coleção das Leis do Império do Brasil, 1871. pp. 147-151 95 S. Chalhoub. Visões da liberdade.

96 “Oficio n. 49 de Jose Maria da Silva Bitancourt para o ministro da Guerra Manoel da Fonseca Lima e Silva,

em 12 de setembro de 1836”. AN- IG5 2 – Serie guerra/Fundo Fabricas. Junto ao oficio, constam os