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em 12 de setembro de 1836” AN IG5 2 – Serie guerra/Fundo Fabricas Junto ao oficio, constam os termos da avaliação da escrava Joana Conga, casada com o também escravo João Calabar Tempos depois o

G. Mamigonian To be a liberated african, pp 299-300.

XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995.

Este tipo de união, feitas na igreja ou na capela da fábrica, acontecia geralmente com africanos deslocados para outras instituições ou arrematantes privados, como no caso de Conrado e Custódia, em que o primeiro foi para o Arsenal de Guerra. Talvez porque o casamento reconhecido fosse a única maneira de os casais já unidos consensualmente se reencontrarem após as transferências ou mudanças de arrematantes. Mas há outras possibilidades para compreender as uniões formais entre os membros do grupo: na tutela, seriam transferidos juntos para outros locais e poderiam ter fogos próprios no espaço fabril; nas petições de liberdade, tinham mais chances de serem atendidos, mesmo antes da aprovação da lei de 1864 - que extinguiu juridicamente o grupo e permitiu a emancipação para os africanos do serviço público.

Isso não acontecia só na Fábrica de Pólvora da Estrela, como Afonso Florence apontou a partir das suas fontes do Ministério da Justiça – nas quais a maioria dos registros se refere às arrematações privadas. Ali, ele encontrou várias petições de casais, como a de Peregrino e Bibiana. Observemos parte da estratégia do casal para a emancipação:

Os africanos livres Peregrino e Bibiana, depois de optarem pela religião católica e decidirem contrair matrimônio, entraram com pedido de emancipação no qual, parecendo querer reiterar as opiniões expressas na petição dos africanos livres da casa de correção da corte, alegaram pretenderem viver isentos da “dura escravidão” em que se encontravam.114

Como já destacamos sobre as uniões formais ou consensuais, as africanas livres, quando escolhiam seus parceiros, geralmente davam preferência aos indivíduos do mesmo grupo ou aos livres, embora tenhamos encontramos alguns poucos casos de casamentos com escravos da nação na documentação do Ministério da Guerra. Tal como aconteceu com Rita, mãe de Mariana, cujo pai era o contra-mestre de construção da fábrica Luiz Custódio da Mota, que a reconheceu como sua filha no ato de batismo. Em junho de 1849, após a morte de Rita, o contra-mestre entrou com uma petição junto ao Ministério da Guerra para ter a posse de sua filha, no que foi atendido por Manoel Felizardo de Souza e Mello.115 O mesmo se deu com a

menor filha da africana livre Clemência e de Manoel Antônio dos Santos, que depois da morte da mãe, encaminhou um requerimento pedindo “que se lhe entregue [asse] a menor sua filha e

114 AN, Documentação Identificada GIFI 6 D 134, Petição de Peregrino e Bibiana escrita por Estacio dos

Santos, Rio de Janeiro, 8 de outubro de 1856. Apud: A. B. de Florence. Entre o cativeiro e a liberdade, p. 61.

115 “Minuta do ofício do Ministério da Guerra para a diretoria da Fábrica de Pólvora da Estrela, do dia 12 de

da finada africana liberta (...) a fim de tratá-la e educá-la”, o que também foi autorizado pelo Ministro ao qual o diretor submeteu a decisão.116

Jorge Prata observa também que as africanas que tinham filhos requeriam mais emancipação e que conseguiam com mais facilidade do que as não mães:

Entre as africanas livres nota-se uma nítida atitude de reivindicação a favor de sua liberdade antes dos prazos que a lei prescrevia, o argumento da maternidade alegado, quase sempre, assegurava às africanas livres o direto de obter suas cartas de emancipação, antes do prazo de 14 anos de trabalho compulsório se completasse. Essa peculiaridade não se encontra entre a escravaria em geral.117

Acreditamos que não só o argumento da maternidade facilitou o processo de obtenção da emancipação, como discutiremos mais aspectos no próximo capítulo. Notamos a partir destes casos que a construção de uniões formais e informais, no interior do próprio grupo ou com os livres, aproximava os africanos livres da sua “emancipação definitiva”. Os filhos nascidos destas uniões recebiam a mesma condição de seus pais, embora eles tivessem nascido no Brasil e também fossem designados como ingênuos, assim como os filhos de escravos nascidos de ventre livre, a partir da lei de 1871. A situação dos filhos, como podemos perceber, foi ainda mais ambígua do que a de seus pais, exatamente por terem nascido no Brasil e de ventre livre jurídico.

Desde a introdução dos africanos livres na fábrica, porém, seus filhos sempre causaram desconforto entre os administradores, que não sabiam como tratá-los. Como observamos a partir de um ofício do ano de 1843, feito pelo diretor João Carlos Pardal e encaminhado ao Ministério da Guerra, em julho deste mesmo ano, dizendo que não sabia como se comportar com eles e o tempo que deveria empregá-los em troca de seu sustento.

Os diferentes casais de africanos libertos, que foram dados para o serviço desta fábrica têm produzido dezenove filhos, não só para evitar dúvidas para o futuro, mas para o regime econômico no presente, preciso saber como devo considerar semelhante prole, isto é, por que tempo devem ser obrigados a servir como indenização do sustento, vestuário, e educação que recebem este objeto que ainda acho mais melindroso que o tempo de serviço que são obrigados a prestar os pais118

116 “Minuta do ofício do Ministério da Guerra para a diretoria da Fábrica de Pólvora da Estrela, do dia 28 de

setembro de 1854.” AHE- Códice 594 - Livro da Fábrica de Pólvora da Estrela 2 (1850-1859), p. 70 v.

117 J. L. P. de Sousa. “Africano livre ficando livre...” , p. 5.

118“Ofício do diretor João Carlos Pardal para o Ministro da Guerra Marechal Salvador José Maciel, de 27 de

No dia 10 de agosto de 1843, o Ministro respondeu que, segundo o parecer do Conselheiro Procurador Interino da Coroa, Soberania e Fazenda Nacional, os filhos de africanos livres, por terem nascido de ventre livre, são livres em pleno grau de direito, salvo o Pátrio Poder, enquanto forem menores. Entretanto, emitiu uma autorização para que o Juiz de Paz do Distrito de Inhomirim arbitrasse o tempo que deveriam servir como soldados, a partir da idade de 7 anos.119

Ainda que a Lei resguardasse os “direitos” de livres para os filhos de africanos livres – mais do que para os seus pais -, eles foram, como vimos, obrigados a trabalhar em troca de sustento, como soldados, aprendizes e trabalhadores domésticos cedidos sem nenhum custo monetário para os empregados mais proeminentes da fábrica e para outros arrematantes.120 Ou

seja, embora isso causasse mais desconforto do que a relação que se travava com os pais, e apesar do “melindre” do diretor, foram também postos sob tutela e em trabalho compulsório.

O sub-arredamento dos filhos de africanos livres, e antes dos escravos, foi proibido pelo Ministério da Guerra em 1845, período em que José Maria Bitancourt foi para o Rio Grande do Sul lutar contra os Farrapos. Em fevereiro de 1849, data do seu retorno, argumentava que desde 1835 esta prática vinha dando resultado, pois a fábrica havia ganho “trabalhadores prendados”, e que quando ele voltou se aplicavam “em muitos objetos de utilidade da fábrica”. Por isso mesmo, não entendia a decisão do Ministério de 1845, de que “ se não distraíssem os serviços deles no particular serviço.” Portanto, assim que o diretor reassumiu suas funções na fábrica, reivindicou o retorno da prática, baseado no argumento de que os filhos dos africanos livres seriam mais bem educados se estivessem em contato com trabalhadores livres do estabelecimento do que com os seus pais. Argumentava ainda que o emprego dos menores na casa dos empregados continuava a ser vantajoso, pois a fábrica economizaria muito com o valor que deixariam de gastar com seu sustento.121 O caso chegou ao Imperador, pois

Bitancourt foi pessoalmente pedir o retorno da prática naquele estabelecimento militar.

Os argumentos do diretor e suas articulações políticas ajudaram no convencimento do Ministro da época, Manoel Felizardo de Souza e Mello que, no dia 07 de março, considerou que diante das ordens do próprio Imperador, não tinha outra decisão a tomar.

119 Idem, no alto do mesmo documento.

120 “Ofício do diretor Luiz Guilherme Wolf para o Ministro da Guerra Manoel Felizardo de Sousa, de 12 de

fevereiro de 1849.” AN- IG5 4- Série Guerra/Fundo Fábricas.

121 “Ofício n. 20 de José Maria da Silva Bitancourt para o Ministro da Guerra, Manoel Felizardo de Souza e

Foi presente a sua Majestade o Imperador o ofício n. 20 de 12 do mês findo do Brigadeiro Diretor desta Fábrica de Pólvora, pedindo autorização para entregar a alguns empregados recomendados por suas qualidades o ensino e educação dos filhos menores (...) ali existentes, e o Mesmo Augusto Senhor se dignou de atender ao que lhe foi expedido pelo dito Brigadeiro (...).122

O argumento da civilização e educação por meio do trabalho e do contato com pessoas surtiu um efeito positivo para a consideração do Imperador, e também junto ao Ministro, mas acreditamos que o ônus financeiro de que a fábrica ficaria livre (sustento dos menores) tenha contribuído para o retorno da distribuição dos filhos de africanos livres e escravos pelos empregados. A prática deu tão certo que, apenas um ano depois do pedido de Bitancourt, quando ele já estava definitivamente afastado da direção da fábrica, o mesmo Ministro que implementou as ordens de D. Pedro II dizia ao novo diretor, Luiz Guilherme Wolf, que “a menor Francisca, africana Livre, que se acha[va] em poder do Marechal de Campo graduado José Maria da Silva Bitancourt, deve[ria] continuar a conservar-se ali.”123

No relatório da Fábrica de Pólvora da Estrela de 1855 referente ao ano de 1854, quando o diretor já era o Cel. José Mariano de Matos, temos um rico depoimento a favor da prática em função da “vida desregrada” que africanos livres e escravos levavam nas senzalas, “desvirtuando”, com isso, o caminho dos menores. O diretor propunha inclusive outros caminhos para o afastamento dos menores de seus pais, principalmente das suas mães. De acordo com a argumentação de Matos, havia na Fábrica

75 escravos e 152 africanos livres de ambos os sexos aptos para o serviço; 44 que por sua idade ou enfermidade pouco ou nada fazem e 55 menores entre os quais 44 filhos de africanos livres. Estes últimos que segundo a Constituição devem, em meu entender, ser considerados cidadãos brasileiros, não recebem aqui a conveniente educação reduzidos a mesma condição do escravo, desmoralizando-se com o péssimo exemplo e maus hábitos daqueles com quem convivem. Dentro em pouco estarão como eles corrompidos; principalmente os do sexo feminino, em cujas adultas estão a imoralidade acima de toda a expressão. Basta dizer-se que é entre elas, mães tão indignas deste sagrado e doce nome, que preferem se alimentar com seu próprio leite a dá-lo aos infelizes para os quais a natureza os destinara!! E isto, além de outras coisas que [eles] deixam em silencio, explica a desproporção que se nota entre o número de mulheres e o de crias [109 mulheres para 41 menores]. 124

122 “Minuta do ofício do Ministério da Guerra para a diretoria da Fábrica de Pólvora da Estrela, do dia 07 de

março de 1849.” AHE- Códice 593- Livro da Fábrica de Pólvora da Estrela 1 (1835-1850). p.257 v

123 “Minuta do ofício do Ministério da Guerra para a diretoria da Fábrica de Pólvora da Estrela, do dia 27 de

março de 1850.” AHE- Códice 593- Livro da Fábrica de Pólvora da Estrela 1 (1835-1850). p.280 v

124 “Relatório da Fábrica de Pólvora da Estrela, referente ao ano de 1854, feitor pelo diretor José Mariano de

O diretor buscava convencer o Ministro de que o trabalho de menores poderia ser dispensado. A sua argumentação numérica, entretanto, não é tão relevante quanto a política, pois “segundo a Constituição” e mais ainda de acordo com o “seu entender”, os filhos de africanos livres deveriam “ser considerados cidadãos brasileiros”. E que, exatamente por isso, mereciam “conveniente educação”, de acordo com a condição jurídica e política de livres. De acordo com a sua interpretação, estes indivíduos não poderiam – devido ao pertencimento ao corpo social da Nação – ser “reduzidos à mesma condição do escravo”, com quem conviviam diariamente nas senzalas.

A condição livre jurídica dos seus pais, entretanto, não impedia que eles se relacionassem e trabalhassem como escravos da nação ou junto deles, pois ambos os grupos tinham origens (ainda que ancestrais, no caso de alguns escravos) semelhantes, na África. Embora fossem livres nas leis, os africanos livres não haviam nascido no Brasil, eram estrangeiros. Vimos em momentos anteriores que houve outras razões para a não diferenciação entre africanos livres e escravos. Aqui, cabe-nos comentar que foi especialmente a partir da década de 1850 que os filhos de africanos livres começaram a ser pensados como “cidadãos brasileiros” e que isso se relacionava aos debates políticos travados em muitos pontos do Império, sobretudo sobre os escravos crioulos.

A partir das considerações de José Mariano de Matos, sabemos ainda que, segundo aquele modo de pensar, o contato (especialmente com as mulheres) seria muito prejudicial aos “cidadãos brasileiros”, pois dentro de “pouco tempo estariam [eles] corrompidos”, especialmente pelo contato com as mulheres adultas, que carregavam consigo a “imoralidade acima de toda a expressão”. O diretor não entendia o fato de que suas mães, “tão indignas deste sagrado e doce nome”, preferiam “se alimentar com o seu próprio leite a dá-lo aos infelizes para os quais a natureza os destinara!!” Este “cruel costume” das mães “além de outras coisas que [elas] deixam[vam] em silencio”, segundo ele, explicavam a desproporção existente entre o número de mulheres e o de crias”, que na época representavam apenas 41 crianças para 109 mulheres.

Quanto ao leite, vimos neste mesmo capítulo e no anterior que a alimentação dos trabalhadores compulsórios (livres ou escravos) era insuficiente sob vários aspectos. No capítulo dois observamos que isso motivou a insurreição de 53 negros que lutavam pelo aumento das rações diárias, além da folga aos domingos. Neste mesmo capítulo, indicamos que o Ministério, em 1836, determinou que se distribuísse apenas meia cota de ração para os

menores de dez anos, pois eles não “consumiam muito esforço”, já que ainda não se empregavam nos serviços da fábrica. O argumento das mães, “tão indignas deste sagrado e doce nome”, aliado às “outras coisas que elas deixavam em silencio”, ou seja, elementos de suas culturas na criação dos filhos, foram fundamentais para fortalecer a retórica do diretor:

Julgo, pois, necessário subtrair o quanto antes ao pestífero contato em que se acham. No arsenal de guerra, na qualidade de adidos à companhia de Aprendizes menores, no da Marinha, em uma bem organizada colônia, ou talvez pudessem estes infelizes receber uma educação apropriada a sua condição e tornar-se assim um dia úteis a si e ao pais.

Nos estabelecimentos pios, dirigido pelas irmãs de caridade, em casa de famílias honestas ou mesmo nestas colônias, talvez pudessem também ter educadas as menores livres, e arrancá-las assim a desgraçada sorte que as espera a permanecerem como se acham.125

Começamos a entender um pouco mais sobre a “defesa constitucional” da “cidadania brasileira” dos filhos de africanos livres. Eles se incluiriam, como “cidadãos de fato”, se “recebessem uma educação apropriada a sua condição” de livres e que assim “talvez pudessem estes infelizes (...) tornar[em]-se, um dia, [indivíduos] úteis a si e ao País.” Ser um “cidadão Imperial”, como já sabemos, pressupunha direitos mas, sobretudo, deveres, principalmente para os filhos de africanos livres.126 Para aqueles que possuíam cabedais, era mais fácil porque

não precisavam empreender grandes esforços neste sentido. Para os que não possuíam - como os filhos dos africanos livres-, o “dever” significava nada menos do que o seu trabalho, preferencialmente nas fileiras militares, no caso dos meninos.

Estas eram as condições essenciais para a cidadania de negros, índios e livres pobres na segunda metade do século XIX brasileiro, deles se exigiam muito mais “deveres” do que conferiam-se “direitos”. Entretanto, como indica a vasta bibliografia sobre os escravos imperiais, ainda que estes fossem excluídos das “proteções cidadãs” e das formas da Lei, eles e os demais grupos excluídos (ou incluídos como refugo), empreenderam inúmeros esforços para se beneficiarem de alguns destes direitos e das brechas da Lei.

Apesar de todo o esforço de José Mariano de Matos no sentido de afastar os filhos de africanos livres “do contato pestífero de seus pais”, observamos no relatório escrito pelo seu

125 Idem.

126 Como também aconteceu com os índios, com os órfãos e depois com os filhos de escravas nascidos após a

aprovação da lei de 1871. Não foi por acaso que todos estes grupos eram acompanhados por um juizado de órfãos, sob o qual nos deteremos mais no próximo capítulo.

sucessor, Frederico Carneiro de Campos, em janeiro de 1858, que suas propostas não haviam tido o efeito desejado, pois conforme destacava com relação aos africanos livres e aos escravos:

“Toda essa gente é bem alimentada e vestida; e se acham sofrivelmente alojadas em espaçosas senzalas. Em meus anteriores relatórios tenho tido a honra de chamar a atenção do governo em favor dos netos e dos filhos dos africanos livres, em não pequeno número, que aqui se acham confundidos com a escravatura, e dela recebendo o péssimo exemplo de seus vícios e imoralidade (hoje, em verdade, em muito menor escala do que vim encontrar). É certamente muito para desejar que se pudesse melhorar a sorte destes infelizes, dando-se-lhes educação mais apropriada de sua condição de livre e tutelados do governo. 127

Percebemos que Frederico Carneiro de Campos defendia com mais veemência, para os filhos dos africanos, uma “educação mais apropriada à sua condição de livre e tutelados do governo”. Talvez porque tivesse avaliado que, na turbulenta conjuntura política da época, mencionar filhos de africanos livres como “cidadãos brasileiros”, termo utilizado pelo seu antecessor, não era um bom argumento. Para Campos, os filhos de africanos livres eram “livres e tutelados do governo”, como os seus pais, mas não exatamente como eles, como queria defender. Suas idéias para o treinamento e educação formal da prole africana livre ainda não havia se tornado uma prática. Mas sabemos que a distribuição destes indivíduos pelas “casas de famílias honestas” de trabalhadores livres da fábrica foi a forma mais usual para que se “educassem” – tal como defendeu José Maria da Silva Bitancourt em 1849 - como podemos observar neste outro rico depoimento do diretor que detalha a distribuição de menores:

Desde tempos remotos, que V.Exa. não ignora, estão os empregados deste estabelecimento no gozo de uma espécie de privilégio, ou regalia, qual o de terem escravos da fábrica para o seu serviço particular, em maior ou menor número, conforme as categorias ou pessoas da família.

Quando começou este estabelecimento a receber Africanos livres, em razão do número e estado sarnoso em que chegaram, poucos cômodos para os tratar nas senzalas ou enfermarias; e o que até então se havia feito a empregados de certa ordem passou a generalizar-se a todos.

Por tal modo vim achar enraizada esta prática que não me tenho atrevido a cortar semelhante abuso. Entretanto não se pode ele continuar sem quebra do serviço hoje que comparativamente ao tempo da administração dos Srs. General Bitancourt e Comandante Lopes, em que tais concessões se fizeram em maior escala, tem o pessoal da escravatura diminuído consideravelmente com a tirada de homens para o Arsenal, para as obras públicas, para onde tem ido temporariamente, e nunca mais votaram, com a epidemia de cólera. (...)

A vista do exposto seria muito a desejar e eu ouso rogá-lo a Vª Ex.ª , encarecidamente, que se dignasse Vª Ex.ª transmitir-me suas ordens a respeito, marcando-me quais os

127 “Relatório da Fábrica de Pólvora da Estrela, referente ao ano de 1857, feitor pelo diretor José Mariano de

Matos para o Ministério da Guerra, em 31 de janeiro de 1858.” AN- IG5 6 – Série Guerra/Fundo

empregados, aos quais se devem fazer tais concessões, ou com V.ª Ex.ª julgar mais conveniente, acobertando-me assim da necessidade que me caberá, e mesmo irregularidade, se fez deliberação puramente minha destruir estas concessões de meus antecessores e mesmo do governo, ferindo tantos interesses.

A concessão dos serviços dos menores de ambos os sexos a indivíduos que tenham