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CAPÍTULO III A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, PRINCÍPIO

3.1 O que é Dignidade?

Considerando a historicidade um elemento fundamental do conceito, ensina José Luiz Quadros de Magalhães206 que dignidade “[...] é ”um conjunto de condições sociais econômicas, culturais e políticas que permite que cada pessoa possa exercer seus direitos com liberdade e esclarecimento consciente, em meio a um ambiente de respeito e efetividade dos direitos individuais, sociais, políticos e econômicos de todos e cada uma das pessoas.” E, mais adiante, afirma o Autor: “A historicidade é fundamental neste conceito uma vez que é a sua compreensão dentro de uma cultura específica que gera o sentimento de bem estar e segurança social típicos de uma situação de respeito aos direitos de todos. As necessidades de uma cultura, em um tempo e em um espaço específicos, são e podem ser muito diferentes.”

Dignidade, refere Nicola Abbgnano:207

      

204ANDRADE, José Carlos Vieira de. op. cit., p. 97.

205GARCIA, Maria. da. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da responsabilidade. São

Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 207.

206MAGALHÃES, Jose Luiz Quadros de. Dos princípios fundamentais. Artigo 1º Comentário à Constituição

Federal de 1988. Coordenadores científicos: Paulo Bonavides, Jorge Miranda, Walber de Moura Agra; coordenadores editoriais: Francisco Bilac Pinto Filho, Otário Luiz Rodrigues Junior. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 21.

Como principio da dignidade humana entende-se a existência enunciada por Kant como segunda fórmula do imperativo categórico: “Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim nunca unicamente como meio” (Grundlegung zur Met. Der Sitten, II). Esse imperativo estabelece que todo homem, aliás, todo ser racional, como um fim em si mesmo, possui um valor não relativo (como é por ex., um preço), mas intrínseco, ou seja, a dignidade. O preço pode ser substituído por alguma coisa equivalente, o que é superior a qualquer preço, e por isso não permite nenhuma equivalência, tem Dignidade’. Substancialmente, a Dignidade de um ser racional consiste no fato de ele ‘não obedecer a nenhuma lei que não seja também instituída por ele mesmo’. A mortalidade, como condição dessa autonomia legislativa, é, portanto, condição da Dignidade do homem, e a moralidade e humanidade são as únicas coisas que não têm preço.

E, em Kant, 208 a identificação desta qualidade intrínseca da pessoa humana:

“[...] No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade... Esta apreciação dá pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir sua santidade.”

Comentando a influência do pensamento kantiano, Luiz Roberto Barroso209 esclarece:

Autonomia é qualidade de uma vontade livre. Ela identifica a capacidade do indivíduo de se autodeterminar em conformidade com a representação de certas leis. Uma razão que se auto governa. A ideia central é que os indivíduos estão sujeitos apenas às leis que dão a si mesmos. Um indivíduo autônomo é alguém vinculado apenas à sua própria vontade e não àquela de alguma outra pessoa (uma vontade heterônoma). [...] A dignidade, por sua vez, dentro da visão kantiana, tem por fundamento a autonomia. Em um mundo no qual todos pautem a sua conduta pelo imperativo categórico – no “reino dos fins”, como escreveu -, tudo tem um preço ou uma dignidade. As coisas que têm preço podem ser substituídas por outras equivalentes. Mas quando uma coisa está acima de todo preço e não pode ser substituída por outra equivalente, ela tem dignidade. Assim é a natureza do ser humano. Portanto, as coisas têm um preço de mercado, mas as pessoas têm um valor interno absoluto       

208KANT, Immanuel. Fundamentos da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 140. (Os

Pensadores). p. 140

chamado dignidade. Como consequência, cada ser racional e cada pessoa existe como um fim em si mesmo, e não como um meio para o uso discricionário de uma vontade externa.

Em análise do tema, entende Ana Paula de Barcellos210 que “o conteúdo jurídico da dignidade se relaciona com os chamados direitos fundamentais humanos. Isto é: terá respeitada sua dignidade o indivíduo cujos direitos fundamentais forem observados e realizados, ainda que a dignidade não se esgote neles.”

Para Ingo Sarlet,211 dignidade da pessoa humana:

“É a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do estado e da comunidade, implicando neste sentido, um complexo de direito e deveres fundamentais que o assegurem que a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.”

Alexandre de Moraes,212 dignidade da pessoa humana pode ser assim conceituada:

“Um valor espiritual e moral inerente à pessoa que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.”

A dignidade não é, portanto, um direito que possa ser concedido ou negado ao indivíduo. A dignidade é um valor intrínseco, um atributo da pessoa humana que a torna merecedora de respeito apenas por sua condição de ser humano.

      

210BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade

da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar 2002. p. 110-111.

211SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre:

Livr. do Advogado, 2011. p.73.

Sobre valor intrínseco, parte do núcleo essencial da dignidade humana, ensina Luiz Roberto Barroso:213

“No plano filosófico, é o elemento ontológico da dignidade humana, ligado à natureza do ser. Corresponde ao conjunto de características que são inerentes e comuns a todos os seres humanos e que lhes confere um status especial e superior no mundo, distinto do de outras espécies. O valor intrínseco é oposto ao valor atribuído ou instrumental, porque é um valor que é bom em si mesmo e que não tem preço. [...]

No plano jurídico, o valor intrínseco está na origem de um conjunto de direito fundamentais. O primeiro deles é o direito à vida, uma pré- condição básica para o desfrute de qualquer outro direito. [...] Um segundo direito diretamente relacionado com o valor intrínseco de cada indivíduo é a igualdade perante a lei e na lei. Todos os indivíduos têm igual valor e por isso merecem o mesmo respeito e consideração. Isso implica na proibição de discriminações ilegítimas devido à raça, cor, etnia ou nacionalidade, sexo, idade, capacidade mental (o direito à não discriminação) e no respeito pela diversidade cultural, linguística ou religiosa (o direito de reconhecimento).

Analisando a relação entre justiça e dignidade da pessoa humana destaca Carmen Lúcia Antunes Rocha:214

[...] a dignidade humana independe do merecimento pessoal ou social. Não se há de ser mister ter de fazer por merecê-la, pois ela é inerente à vida e, nessa contingência, é um direito pré-estatal. O sistema normativo de direito não constitui por óbvio, a dignidade da pessoa humana. O que ele pode é tão somente reconhece-la como dado essencial da construção jurídico normativa, princípio do ordenamento e matriz de toda organização social, protegendo o homem e criando garantias institucionais postas à disposição das pessoas a fim de que elas possuam garantir a sua eficácia e o respeito à sua estatuição.”

E, ainda, sobre o conceito de dignidade, afirma Maria Garcia afirma:215 “a dignidade da pessoa humana corresponde à compreensão do ser humano na sua integridade física e psíquica, como autodeterminação consciente, garantida moral e juridicamente.”

      

213BARROSO, Luiz Roberto. op. cit., p. 78-79. 214ROCHA, Carmem Lucia Antunes. op. cit.

215GARCIA, Maria. da. Limites da ciência: a dignidade da pessoa humana: a ética da responsabilidade,

3.2 Desenvolvimento histórico do princípio da dignidade, atributo intrínseco do ser