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O sistema público de saúde

CAPÍTULO II SAÚDE, DIREITO FUNDAMENTAL, DEVER DO ESTADO

2.4 Políticas de saúde: sistemas de saúde público e privado

2.4.1 O sistema público de saúde

Com a estruturação de um Sistema Único de Saúde - SUS, a Constituição Federal conferiu a possibilidade de usufruir o direito de assistência à saúde, sem a correspondente obrigação ou contrapartida de qualquer contribuição direta. O SUS, então, é o instrumento por meio do qual a Constituição assegura a todos, indistintamente, o direito integral de assistência à saúde, sem quaisquer ônus.

O quadro das diretrizes constitucionais, relacionado à operacionalidade das ações e serviços de saúde, está descrito na Lei Orgânica do SUS, constituída pela Lei nº 8.080/90 - que delimita as políticas para a saúde e a organização administrativa do Sistema Único de Saúde e pela Lei nº 8.142/90, que trata da participação da sociedade, nas ações de saúde,

      

189MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 2001.

das questões financeiras de alocação de recursos do Fundo Nacional de Saúde e estabelece as condições e os critérios para efetivação dos repasses de recursos aos Estados, Distrito Federal e Municípios.

O §1º, do art. 2º, da Lei nº 8.080/90 estabelece que o dever do Estado de garantir a saúde “consiste na reformulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.” E no que diz respeito ao dever do Estado de garantir a saúde, o §2º dispõe que este dever “não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.”

O art. 4º, da Lei 8.080/90 define o Sistema Único de Saúde: “O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público”.

Em conformidade com as disposições constitucionais, o art. 5º estabelece os objetivos do Sistema Único de Saúde:

“Art. 5º - Dos objetivos do Sistema Único de Saúde-SUS:

I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no §1º do artigo 2º desta Lei;

III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.”.

Por sua vez, o art. 7º, da Lei nº 8.080/90, dispõe que: “as ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art.198 da Constituição Federal”, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;

II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;

III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;

IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;

V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;

VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário;

VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;

VIII - participação da comunidade;

IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:

a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;

X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;

XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;

XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e

XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.

Cumpre destacar que a universalidade de acesso, a integralidade das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, sem prejuízo dos serviços assistenciais; a igualdade; a descentralização, com direção única em cada esfera de governo; a participação da comunidade, entre outros, são os princípios norteadores da estruturação e funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) previsto no já citado art. 198, da Constituição Federal.

A universalidade de atendimento está diretamente vinculada à gratuidade do direito de acesso que deve ser amplo e integral, sendo assegurado que as ações e os serviços de saúde devem ser prestados a todos que deles necessitem, sem distinção ou discriminação

de qualquer natureza, vedada, em todas as hipóteses e independentemente das circunstâncias, a cobrança de valores e a exigência de contrapartida de qualquer espécie.

Ainda, o art. 9º determina que a direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo em cada esfera de governo, exercida por órgãos especiais em cada uma: no âmbito federal, pelo Ministério da Saúde e nos Estados, Distrito Federal e Municípios, pelas Secretarias da Saúde ou órgãos equivalentes.

Os arts. 16, 17, 18 e 19, da Lei 8.080/90 estabelecem múltiplas competências em favor das direções nacional, estadual, municipal, do Sistema Único de Saúde, relacionadas às ações e os serviços de saúde.

Cabe destacar que o art. 16, inciso III, “a”, atribuiu à direção nacional do SUS competência para definir e coordenar os sistemas “de redes integradas de assistência de alta complexidade” e o art. 17, inciso IX, atribuiu à direção estadual do SUS, competência para “identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas públicos de alta complexidade, de referência estadual e regional”. 190

A participação social no SUS, referida no inciso III, do art. 198, da Constituição Federal foi regulamentada pela Lei nº 8.142/91. No seu art. 1º, I, institui a Conferência de Saúde, que deverá ser realizada a cada quatro anos, com representação de vários segmentos sociais; no inciso II, cria os Conselhos de Saúde, nas várias esferas da federação, órgãos colegiados formados por representantes do governo, prestadores de serviços, profissionais da saúde e usuários, com o fim de atuar na elaboração de estratégias e no controle na execução das políticas de saúde, sendo que suas decisões devem ser homologadas pelo chefe do Poder Executivo; o §3º, dispõe que o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) terão representação no Conselho Nacional de Saúde. O art. 2º dispõe sobre a alocação dos recursos do Fundo Nacional de Saúde e as demais disposições normativas tratam das condições e critérios de repasse de recursos aos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Por sua vez, o citado art. 198, nos §1º, §2º e §3º dispõe sobre os recursos e os rateios que serão destinados ao financiamento do Sistema Único de Saúde:

“[...]

      

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre:

I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º;

II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;

III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º.

§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:

I - os percentuais de que trata o § 2º;

II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;”

No que diz respeito ao financiamento das despesas com as ações e serviços de assistência à saúde, o art. 31, da Lei nº 8.080/90 estabelece: “O orçamento da seguridade social destinará ao Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a receita estimada, os recursos necessários à realização de suas finalidades, previstos em proposta elaborada pela sua direção nacional, com a participação dos órgãos da Previdência Social e da Assistência Social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias.”.

Conforme já destacado, a proposta do orçamento da seguridade social é autônoma em relação à proposta de orçamento da União, e os recursos que a integram estão especificados e determinados no art. 195, da Constituição Federal.

A Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, que regulamentou o §3º, do art. 198 da Constituição Federal dispondo sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde, estabeleceu os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de governo.

O financiamento das despesas com as ações e serviços de assistência à saúde nas três esferas de governo deve, portanto, ser realizado com os recursos expressamente disponibilizados nos orçamentos da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios e no orçamento da seguridade social, na determinando na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional.

Não obstante, diversos setores e profissionais envolvidos direta e indiretamente com a área da saúde pública, tecem reiteradas críticas ao financiamento público na área da saúde. Segundo os críticos, a destinação de recursos financeiros ao Sistema Único de Saúde não é realizada em montante suficiente para atender a demanda social por ações e serviços de saúde. As críticas não estão adstritas apenas à insuficiência de repasse de recursos financeiros - que as três esferas de governo deixam de realizar e, nem, tampouco, se esgotam na alegada instabilidade dos repasses e transferências em razão do não atendimento das disposições constitucionais e das normas insertas na Lei nº 8.142/90.

De modo mais acentuado, as reclamações estão concentradas na falta de “vontade politica” dos congressistas para fazer prevalecer o sistema de saúde pública sobre o sistema de saúde privado. E isso se deve, segundo referem, às contribuições que as Operadoras de Plano Privados de Saúde fazem às campanhas eleitorais dos congressistas191, bem como ao

      

191Planos de saúde doaram R$ 12 milhões nas últimas eleições. Empresas ajudaram a aumentar de 28 para 38

o número de deputados federais da bancada da saúde suplementar 25/07/2012 Os planos de saúde marcaram presença no financiamento de campanhas da última disputa eleitoral. Em 2010, o setor foi responsável pela doação de R$ 12 milhões para 157 candidatos de 19 partidos. A participação das operadoras em 2010 foi mais expressiva do que nas eleições de 2006, quando as empresas do setor repassaram R$ 8,6 milhões; um acréscimo de 37,2%. Em relação às eleições de 2002, quando essas empresas destinaram R$ 1,3 milhão, o aumento foi de 746,5%. Os dados fazem parte do estudo Representação política e interesses particulares na saúde: o caso do financiamento de campanhas eleitorais pelas empresas de planos de saúde no Brasil, dos pesquisadores Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), e Lígia Bahia, do Laboratório de Economia Política da Saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os eleitos. De acordo com o levantamento, feito a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o gasto ajudou as empresas do setor a ampliarem seu espaço político em todas as esferas de governo. O apoio financeiro de 48 operadoras contribuiu para aumentar de 28 para 38 o número de deputados federais da chamada bancada da saúde suplementar. Foram eleitos também 26 deputados estaduais aliados ao setor em todo o país. No Senado, os recursos ajudaram a eleger Ana Amélia (PP-RS), Lúcia Vânia (PSDB-GO) e Demóstenes Torres (DEM-GO), que teve o mandato cassado recentemente. Quatro governadores estaduais também foram eleitos com a ajuda dos planos de saúde. Os mais favorecidos foram Geraldo Alckmin (PSDB-SP), R$ 400 mil, e Sérgio Cabral (PMDB-RJ), R$ 170 mil. Em seguida aparecem Wilson Martins (PSB-PI) e Agnelo Queiroz (PT-DF), favorecidos com R$ 1,5 mil e R$ 1 mil. Os dois principais candidatos à presidência da República também receberam financiamento do setor. A Qualicorp Corretora de Seguros doou R$ 1 milhão para a campanha da presidenta eleita Dilma Rousseff (PT) e a metade deste valor, R$ 500 mil, para a campanha do candidato José Serra (PSDB). O atual presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula e fiscaliza os planos, Mauricio Ceschin, foi presidente do Grupo Qualicorp até fevereiro de 2009. Dentre os partidos, a maior fatia de recursos para candidatos (eleitos ou não) foi para o PMDB, com 28,94% dos recursos, seguido de PSDB (18,16%) e PT (14,05%). O estudo chama a atenção, ainda, para casos concretos de interesses de planos de saúde que já foram contemplados dentro das Casas legislativas. E dá um exemplo recente. Em 2010, a Assembleia Legislativa

lobby desenvolvido por essas mesmas empresas, junto aos congressistas, no sentido de evitar a aprovação de leis que obriguem as três esferas de governo a destinar valores mais vultosos para as áreas e serviços de saúde públicos.

Outra crítica, diz respeito às despesas e aos elevados custos de saúde suportados pelo SUS - com a efetivação dos serviços de saúde de alto custo e especializados, que não são cobertos pelas empresas de plano de saúde privada. A propósito, destaca Carlos Pereira192:

“[...] O que se verifica, na realidade, nessa década, é uma explosão nunca antes vista de empresas de seguros de saúde, da chamada medicina de grupo, das cooperativas médicas e dos exames complementares que, em comunhão, absorveram uma demanda sempre crescente das classes médias, que não estavam mais dispostas a desfrutar de um serviço de péssima qualidade oferecido pelo setor público, vindo dessa forma a "privatizar pelo afastamento" um espaço público garantido através dos princípios universalistas da Constituição de 1988. Por outro lado, o setor público passa a ser o locus primordial de atenção médica para a população de baixa renda e excluída. [...] Contudo, é importante

perceber que os segmentos em melhores condições sociais não são excluídos totalmente do sistema público, pois a medicina supletiva não se responsabiliza pela provisão de serviços considerados de alto custo, direcionando esta árdua tarefa para o setor público, onde 40% dos recursos do SUS são canalizados para esses serviços, enquanto um universo extremamente limitado de usuários, da ordem de 3%, desfruta deles (Draibe, 1992). O setor público, antes de competir com o setor privado, ao atender as expectativas dos setores médios da população, oferecendo um serviço de saúde de boa qualidade, demarca um campo de complementaridade com aquele, uma vez que se responsabiliza, em uma extremidade, pelas demandas populares, oferecendo um serviço "de pobre para pobres", e na outra, pelos serviços de alto custo e especializados que não são cobertos pelos seguros saúde.

Conseqüentemente, o grande vencedor da disputa entre as alternativas ao modelo médico assistencial "privatista", na década de 1980, vem a ser justamente a medicina supletiva autônoma do Estado, que correu por fora de todo o debate da reforma sanitária AIS, 8ª CNS, SUDS e SUS durante       

de São Paulo aprovou lei que destina até 25% dos leitos de hospitais públicos administrados por Organizações Sociais de Saúde (OSS) para o atendimento de usuários de planos de saúde. Posteriormente, a medida foi suspensa pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), atendendo a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual. BENVENUTI, Patrícia. Planos de saúde doaram R$ 12 milhões nas

últimas eleições. Brasil de Fato, 25 jul. 2012. Disponível em

<http://www.brasildefato.com.br/node/10182>. Acesso em: 18 ago. 2013. O estudo pode ser acessado no endereço: SCHEFFER, Mário; BAHIA, Lígia. Representação política e interesses particulares na saúde: o caso do financiamento de campanhas eleitorais pelas empresas de planos de saúde no Brasil. Centro

Brasileiro de Estudos da Saúde. Disponível em:

<http://www.cebes.org.br/media/File/Planos_de_Saude_Eleicoes.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2013.

192PEREIRA, Carlos. A política pública como caixa de pandora: organização de interesses processo decisório

e efeitos perversos na reforma sanitária brasileira 1985-1989. Dados [online], Rio de Janeiro, v. 39, n. 3, 1996. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0011- 52581996000300006&script=sci_arttext>. Acesso em: 19 ago. 2013. (destaque nosso e do original).

quase todo o período, em razão de estar atualmente acumulando, mesmo em uma conjuntura de crise generalizada, os maiores benefícios de sua história e com os menores custos possíveis ao absorver contingentes populacionais cada vez mais crescentes. Assim, o setor privado de

medicina supletiva aposta no insucesso do SUS como estratégia para ampliar seu campo de ação, principalmente diante do insucesso da qualidade do atendimento, fazendo da inação coletiva a alternativa e estratégia maximizadora dos seus benefícios, sendo por isso o free rider

par excellence de uma reforma sanitária ineficiente e sem recursos. Além do mais, em razão de nunca ter se comprometido abertamente na defesa ou nas críticas exageradas às reformas, não acumula perdas com seu desgaste, deixando esse ônus para o setor público ineficiente e os setores reformistas que foram os seus idealizadores.”

Também são fortes as críticas a respeito das elevadas despesas que o Estado tem suportado para dar cumprimento às ordens judiciais consistentes na determinação de aquisição de medicamentos de alto custo e doenças raras que não estão incluídos na lista de medicamentos do SUS. Conquanto a intervenção do Poder Judiciário tenha sido abordada no item relacionado ao orçamento público, o problema da “judicialização da saúde” será objeto de análise, sob outro enfoque, no item 4.5.

Além dessas críticas, subsistem outros questionamentos relacionados à insuficiência de repasse de recursos financeiros ao SUS entre os quais: (i) as perdas de arrecadação decorrentes do não ressarcimento pelas operadoras de planos de saúde ao SUS (art. 32, da Lei nº 9.656/98); (ii) a renúncia fiscal ou desoneração da carga tributária em favor das operadoras de planos de saúde privada e da indústria farmacêutica; (iii) as perdas decorrentes da corrupção e desvios de recursos públicos; (iv) a má gestão dos recursos públicos.

Ao cuidar especificamente da insuficiência de recursos financeiros da saúde, Octávio Luiz Motta Ferraz e Fabiola Sulpino Vieira193, definem bem o problema:

“[...] Quando mencionamos anteriormente que a maior parte dos problemas de saúde tem determinantes multidimensionais e complexos e que, por conseqüência, demandam políticas públicas também complexas e integradas em diversas áreas, cuja escolha, desenho e implementação envolvem importantes dificuldades, não estávamos pensando apenas em problemas técnicos como a impossibilidade de se prever resultados ou a       

193FERRAZ, Octávio Luiz Motta; VIEIRA, Fabiola Sulpino. Direito à saúde, recursos escassos e equidade:

os riscos da interpretação judicial dominante. Dados [online], Rio de Janeiro, v. 51, n. 1, p. 223-251, mar. 2009. Disponível: <http://www.scielo.br/pdf/dados/v52n1/v52n1a07.pdf>. Acesso em: 26 ago. 2013. (destaque nosso e do original).

dificuldade de se aferir de antemão a efetividade de determinada política. Além dessas dificuldades, em si significativas, há ainda o problema da escassez de recursos. Ainda que soubéssemos exatamente quais políticas são eficazes para garantir o mais alto grau de saúde possível a toda a população, seria impossível implementar todas essas políticas. Isso porque, enquanto as necessidades de saúde são praticamente infinitas, os recursos para atendê-las não o são, e a saúde, apesar de um bem fundamental e de especial importância, não é o único bem que uma sociedade tem interesse em usufruir (Newdick, 2005). Isso aponta para uma distinção que é importante fazer quando se pensa em saúde diante da escassez de recursos. Poderíamos expressá-la da seguinte maneira: “escassez relativa” e “escassez absoluta”. Por escassez relativa indica-se o fato de que os recursos disponíveis ao Estado para investimento não se