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2 TEORIA E PRÁTICA NO ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO DA

2.1 O que diz a legislação acerca da teoria e da prática?

A legislação brasileira trouxe poucos contributos para estruturar a relação teoria e prática na formação do professor.

Neste tópico, vamos apresentar uma breve leitura acerca da teoria e da prática presentes na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, no parecer CNE/CP nº 9/2001, na resolução CNE/CP nº. 2/2002, no parecer do Conselho Nacional de Educação, nº 15/2005, na resolução de 15 de maio de 2006, do Conselho Nacional de Educação e, por fim, nas duas últimas deliberações do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, CEE nº 111/2012 e CEE nº 126/2014.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9394/96, esclareceu alguns termos relevantes, como “prática de ensino”, “prática”, “estágio supervisionado” e “teoria”. No título VI da referida Lei, encontramos que:

Art. 61. A formação de profissionais da educação de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: I - a associação entre

teorias e práticas inclusive mediante a capacitação em serviço; Art. 65. A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas. (BRASIL, 1996, p. 26, grifo nosso).

Isto pode ser considerado um marco em termos de legislação, pois as palavras “teorias e práticas” foram colocadas em sentido diferente de “prática de ensino”. A Resolução CNE/CP nº 2/2002 também estabeleceu que:

Art. 1º. A carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível Superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, será efetivada mediante a integralização de, no mínimo, 2800 (duas mil e oitocentas) horas nas quais a articulação teoria-prática garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes dimensões dos componentes comuns: I- 400

(quatrocentas) horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso; II- 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda metade do curso; (BRASIL, 2002,

p.7, grifo nosso).

Como vimos, esta resolução diferencia a prática e o estágio, ou seja, estes já não são mais vistos como um mesmo momento, o que ocorria em épocas anteriores, quando o estágio era considerado como o “momento da prática”. Isto também é colocado nos Pareceres CNE/CP nº 9/2001 e nº 28/2001 que fundamentam a Resolução CNE/CP nº01/2002 e nº 02/2002, pois no Parecer CNE/CP nº 9/2001 (3.2.5), é apresentado:

Uma concepção de prática mais como componente curricular implica vê-la como uma dimensão do conhecimento que tanto está presente nos cursos de formação,

nos momentos em que se trabalha na reflexão sobre a atividade profissional, como durante o estágio, nos momentos em que se exercita a atividade profissional (BRASIL, 2001, p.23, grifo nosso).

No Parecer CNE/CP nº 9/2001, a prática é considerada como conhecimento, ou seja, a prática não é mais vista como um momento empírico, mas um momento de obter conhecimento. No item 3.6, está registrado que:

Assim, a prática na matriz curricular dos cursos de formação não pode ficar

reduzida a um espaço isolado, que a reduza ao estágio como algo fechado em si

mesmo e desarticulado do restante do curso. (...) Nessa perspectiva, o planejamento dos cursos de formação deve prever situações didáticas em que os futuros

professores coloquem em uso os conhecimentos que aprenderem, ao mesmo tempo em que possam mobilizar outros, de diferentes naturezas e oriundos de diferentes experiências, em diferentes tempos e espaços curriculares (BRASIL,

O Parecer do Conselho Nacional de Educação nº 15/2005 menciona que a prática é o conjunto de atividades que podem oferecer experiências de aplicação de conhecimento para o exercício docente. A prática é colocada como parte de disciplinas que têm um “caráter prático”, mas negam as disciplinas que abordam os fundamentos.

Já em 2006, tivemos a Resolução nº1 do Conselho Nacional de Educação que trouxe a concepção de que as disciplinas do curso de formação docente necessitam articular teoria e prática em seus fundamentos (filosóficos, sociológicos, psicológicos, históricos, antropológicos, entre outros) e conhecimentos didáticos e metodológicos, sendo assim, associar o saber acadêmico com a futura prática profissional. O objetivo é articular teoria e prática e não mais enfatizar o praticismo pedagógico.

Ademais, em 2012, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo, CEE nº111/2012, fixou algumas diretrizes complementares para a formação de professores das universidades estaduais de São Paulo. Porém, no referido documento, não consta, especificamente, a temática da relação entre teoria e prática.

No entanto, em 2014, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo, CEE nº 126/2014, alterou alguns dispositivos da deliberação anterior (111/2012) e acrescentou textos acerca do que informam as pesquisas sobre formação docente no Brasil (ao final do documento). São indicados estudos que se referem à mediação inadequada entre teoria e prática existente nas propostas de muitos cursos que formam professores (ANDRÉ, 2002). Registram que os cursos não se preocupam em considerar o que é recomendado na legislação, o que prejudica a formação profissional do professor.

O texto também traz comentários das pesquisas de Gatti e Nunes (2009) e Durham (2008) que assinalam o desequilíbrio entre teoria-prática presentes nos cursos que supervalorizam a teoria, formando um profissional mais “abstrato”, longe da realidade escolar. Desta forma, o documento apresenta a preocupação em formar professores a partir de seu campo de prática, onde os conhecimentos científicos são agregados a fim de preparar, de fato, um professor.

É interessante que a deliberação procurou apresentar algumas pesquisas científicas na área da formação docente a fim de procurar avançar o discurso e proporcionar essa reflexão às instituições que formam professores e que, muitas vezes, ainda tratam estes resultados de maneira superficial.

Em suma, vimos que, desde a promulgação da LDB de 1996, do Parecer CNE/CP nº 9/2001, da Resolução CNE/CP nº 2/2002, do Parecer do Conselho Nacional de Educação nº 15/2005, da Resolução de 15 de maio de 2006, do Conselho Nacional de Educação, e das

deliberações do Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE nº 111/2012; CEE nº 126/2014) a concepção acerca da teoria e da prática foi se modificando.

No entanto, as explicações presentes nestas legislações não parecem dar conta do entendimento da questão. Precisamos avançar nesta compreensão, isto porque, de acordo com Diniz-Pereira (2000, p. 33), “[...] a relação teoria e prática foi um dos problemas que mais fortemente emergiu na discussão da formação de professor. Essa é uma questão recorrente nesse debate, e ainda hoje, não saiu de pauta.”.

Ao longo da história da formação de professores, como vimos no capítulo anterior, o binômio teoria-prática esteve presente, muitas vezes com ênfase nas teorias. Isto traz nossa atenção para pensarmos na formação docente, no currículo dos cursos que se propõem a formar o professor e no estágio curricular supervisionado, desencadeando a busca de possíveis soluções a este velho problema de separar teoria e prática.

Sobre isto, Gatti (2012, p. 2) afirma que a formação de professores nas universidades, de forma geral, ainda não considera com a devida importância a relação teoria e prática, pois “[...] a relação entre teorias e práticas colocada como necessária em nossas normatizações políticas sobre a formação de professores não se encontra refletida nos currículos praticados pelas instituições formadoras de professores.”.

Assim, a visão da relação teoria e prática, na perspectiva deste estudo, é contrária à concepção de que o estágio é o momento prático apenas, uma vez que a prática deve ser intencionada à luz da teoria e necessita ser refletida, problematizada e até repensada. Portanto, a prática não pode ser desprovida da teoria, da reflexão, uma vez que “[...] a prática é a razão de ser da teoria, o que significa que a teoria só se constituiu e se desenvolveu em função da prática que opera, ao mesmo tempo, como seu fundamento, finalidade e critério de verdade. A teoria depende, pois, radicalmente, da prática.” (SAVIANI, 2005, p. 262).

Desta forma, Saviani (2005) salienta que existem cursos que dão prioridade para a teoria, subordinando a prática à teoria, e cursos que subordinam a teoria à prática. Entretanto, teoria e prática, segundo o autor, não são excludentes, nem contraditórias, uma necessita da outra e, portanto, são indissociáveis.

Pensar a teoria e a prática no âmbito do estágio ainda é um desafio, pois, como apontam Pimenta e Lima (2006), o estágio sempre foi considerado a parte prática do curso de formação docente, em oposição à teoria. E é comum ouvir dos alunos recém-formados que “na prática a teoria é outra”; porém, nesta afirmação, é possível identificar a carência que existe tanto da teoria (pois ela não fundamenta a prática profissional) quanto da prática (pois não toma a vivência como referência para fundamentá-la teoricamente, nem refleti-la).

As autoras ainda afirmam que os currículos dos cursos, de maneira geral, são construídos como se fossem um aglomerado de disciplinas sem nexos e sem a explicitação de sua relevância, bem como de suas relações com a realidade concreta. São como saberes disciplinares desvinculados do campo de atuação profissional dos futuros profissionais do ensino.

Desta forma, a pergunta “que profissional queremos formar?” necessita ser considerada nos programas das disciplinas, em seus objetivos e métodos. Muitas vezes, nos cursos de formação docente, o estágio é visto como o momento de “prática de ensino”, onde o estagiário observa as falhas da unidade escolar e do professor regente e escreve um relatório final mencionando que a instituição e o professor são autoritários e trabalham de maneira tradicional.

Consequentemente, a distância entre a escola e a universidade aumenta e as instituições de educação básica passam a impedir a presença de estagiários, sendo que as secretarias de educação, muitas vezes, a obrigam. É preciso repensar essa maneira de fazer estágio e articular as teorias aprendidas com a prática profissional numa perspectiva de buscar solucionar os problemas e não simplesmente apontá-los.

O estágio visto apenas como o preenchimento de papéis, observação e críticas, como já apresentamos nesta dissertação, traz problemas ao formar o professor, visto que a compreensão entre teoria e prática presente neste modelo é precária. Há uma precariedade no entendimento de que o estágio é teoria e prática, e não teoria ou prática. Barreiro e Gebran (2006, p. 22) asseguram que “[...] a articulação da relação teoria e prática é um processo definidor da qualidade da formação inicial [...] porque lhe permite uma permanente investigação e a busca de respostas aos fenômenos.”.

Isto posto, explicitaremos, no tópico abaixo, os conceitos de prática e de teoria para então compreendermos sua superação através da práxis.