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O reconhecimento do sujeito e sua individualidade na esfera familiar e

A origem do conceito de reconhecimento é o primeiro conceito de ética, e visa essencialmente a mediação dos sujeitos entre o indivíduo e a comunidade. Por sua vez, esta comunidade tem duas formas: a primeira é natural e se expressa principalmente na unidade familiar determinado pelo sentimento de amor, a segunda envolve a relação do assunto em particular, através da individualidade natural e sua suas inclinações através dos desejos e instintos, evidenciando-se, assim, uma comunidade universal determinada pela razão, que se realiza na organização política do povo: o Estado.

Assim, o início da ética natural é justamente essa relação entre homem e mulher, uma ligação de par, envolvidos antes de qualquer determinação racional, pois baseia-se no sentimento indiferenciado do amor, em que cada um vê o outro como se ambos fossem o mesmo. A relação é apenas a estação inicial de um processo que continua no relacionamento também dos pais com os filhos, nesta segunda fase, o sentimento é aumentado para a intuição de em que os pais vêem seus filhos na objetivação de sua própria união. A formação da individualidade da criança na família tende, naturalmente, ao reconhecimento da criança como um indivíduo independente. O próximo passo do processo de reconhecimento refere-se a relações jurídicas e contratuais entre os proprietários, envolvendo a aceitação tanto da apropriação individual de coisas como as reivindicações e direitos associados à propriedade, que fazem parte das relações sociais que vão além do escopo da vida familiar. Assim, o reconhecimento individual é feito, mas ao mesmo tempo é limitado às relações de propriedades. (HEGEL, 2012)

A primeira dimensão de reconhecimento seria aquela que se dá no interior da família, seu modo peculiar de reconhecimento seria o afeto e aquilo que seria reconhecido seria o indivíduo como ser de necessidades concretas. O exemplo básico desse reconhecimento é a situação em que se encontra o bebê, que, em sua fragilidade e impossibilidade de prover a si mesmo sua própria segurança física, dependeria em absoluto do reconhecimento da mãe, que se tornaria, por seu afeto, a provedora das necessidades da criança.

A segunda dimensão de reconhecimento seria aquela que se dá na sociedade civil, por meio das leis. Seu modo particular de reconhecimento seria o

intelectual ou cognitivo, em que os indivíduos são percebidos em sua fragilidade em relação ao todo e, a partir disso, teriam nas leis o reconhecimento de sua autonomia formal. Esta dimensão assemelha-se aquela das liberdades civis, em que a pessoa humana é reconhecida como um abstrato universal, garantida em sua mera generalidade. (HEGEL, 2012)

Por fim, a terceira dimensão de reconhecimento seria aquela que ocorre no estado de solidariedade, cujo modo de reconhecimento peculiar seria uma intuição intelectual ou emoção esclarecida e aquilo que seria reconhecido seria o sujeito como indivíduo em sua particularidade. Nesta dimensão, as características e as particularidades de cada individualidade específica gozariam de reconhecimento em sua própria diferença.

Em todas as formas de reconhecimento percebe-se que os indivíduos se relacionam uns com os outros a partir da perspectiva de sua particularidade. A transição para o ético em si, ou a vida ética absoluta requer uma alteração qualitativa, em que a singularidade dos indivíduos são apenas partes de um todo, o conjunto da população. Porém, para Hegel (2012), para se chegar à forma de comunidade, mediada pela razão universal, os indivíduos devem passar, pelo rompimento do natural. O reconhecimento implica não só uma interação positiva entre os indivíduos que aceitam uns aos outros, mas também envolve conflito e luta pela posse de coisas, a partir de um processo de formação de consciência. O ponto de partida é a consciência empírica, que é constituída como tal em confronto com a natureza. Este confronto é feito através do que Hegel (2012) chama de "poder" do espírito na educação: a linguagem, o trabalho e a família.

Observa-se que a família está no primeiro esboço do sistema de condição básica da consciência singular, através do sentimento unificador fundamental entre os indivíduos: o amor. Novamente, é na criança que os pais reconhecem a realização objetiva de sua consciência comum, para ser educado, para se tornar totalmente independente. Ao sair do alcance da família, as crianças enfrentam os outros, o que, inevitavelmente, provocou a luta pelo reconhecimento. O indivíduo excede a sua particularidade através da vida social, através das relações com os outros, enquanto continua-se sendo ele mesmo. Neste contexto aparece a perspectiva do trabalho social, como atividade de trabalho mediada por outros, o homem trabalha não só para si, mas também para os outros. Hegel (2012) entende que a partilha não é algo acrescentado secundariamente para trabalhar, mas sim

uma condição inseparável da mesma, o que requer a interação baseada em reconhecimento.

O amor entre homem e mulher é objetivado no filho, que recolhe a independência individual através do processo educativo e separa da família para iniciar a luta pelo reconhecimento. O homem está destinado ao reconhecimento recíproco antes do estabelecimento das relações jurídicas, caso contrário, nunca chegam à convivência racional com os outros. Na luta pelo reconhecimento que o indivíduo toma consciência de ser diferente dos demais, o conhecimento da vontade de cada um é um reconhecimento universal. O reconhecimento só é possível numa base de reciprocidade, como resultado de um processo, de modo que o outro me reconheça como sujeito da relação. Os sujeitos de direitos devem ser reconhecidos por outros sujeitos de direito para que haja o respeito mútuo, o que também deve permear toda e qualquer relação familiar. Constata-se, portanto, que o conceito de reconhecimento surgiu ao longo de sua evolução como a estrutura de um processo de formação da consciência, levando a diferentes formas de interação e relações sociais, reproduzidas na família, como amor, trabalho e direito. Nesse sentido, Honneth assevera que

um indivíduo que não reconhece seu parceiro de interação como um determinado gênero de pessoa tampouco pode experienciar-se a si mesmo integral ou irrestritamente como um tal gênero de pessoa. Para a relação de reconhecimento, isso só pode significar que está embutido nela, de certo modo, uma pressão para a reciprocidade, que sem violência obriga os sujeitos que se deparam a reconhecerem também seu defrontante social de uma determinada maneira: se eu não reconheço meu parceiro de interação como um determinado gênero de pessoa, eu tampouco posso me ver reconhecido em suas reações como o mesmo gênero de pessoa, já que lhe foram negadas por mim justamente aquelas propriedades e capacidades nas quais eu quis me sentir confirmado por ele. (HONNETH, 2003, p.78)

Assim, supõe-se que o sujeito é reconhecido como pessoa a partir do momento em que torna-se único e irrepetível, um sujeito intransferível, ator e protagonista da cultura. Desse modo, o século XX assistiu à emergência de novos sujeitos sociais que reclamaram o seu reconhecimento como sujeitos e foram grandes as mudanças trazidas pela afirmação dos novos sujeitos sociais e de direito. Nas suas lutas pelos direitos políticos, as mulheres juntaram a luta pelos direitos sociais, trazendo para a cena pública as questões relegadas para a esfera privada, bem como o reconhecimento dos homossexuais, foram palco de profundas transformações, acompanhando as mudanças na família, lugar habitual da

reprodução social. Também a entrada das crianças pequenas no espaço público propiciou uma revisão das concepções a respeito da infância e da criança e a sua afirmação como sujeito social e, consequentemente, de direitos.

A politização do social e do cultural abriu o campo da cidadania para a emergência de novos sujeitos que reclamaram uma nova cidadania que, ultrapassando os marcos da cidadania liberal, exigiram o reconhecimento das suas reivindicações como legítimas na cena política. A presença desses sujeitos, antes ausentes e agora falantes, reivindicando direitos na cena política, coloca em questão os princípios universais da cidadania, já que a sua presença desestabiliza consensos e abre, através do conflito, o caminho para a justiça nas relações sociais, uma vez que interroga a medida da igualdade nas relações sociais.

Para Ranciere (1996) esse terreno do desentendimento cria em torno do conflito um cenário em que operam a igualdade ou desigualdade dos parceiros do conflito, enquanto seres falantes, ou seja, não se trata apenas de diferenças de opinião ou de interesses, mas um espaço para a efetivação de uma discussão acerca de novas realidades, que permeiam a sociedade e, consequentemente, as famílias. A criação dos direitos confere legitimidade ao conflito, uma vez que os novos direitos expressam a conquista de igualdade pelos, até então, visto como desiguais, mas que entrando no espaço público, reivindicam a sua participação nos direitos já existentes, mas sobretudo agem no sentido de criar novos direitos, que não são novos simplesmente porque não existiam antes, mas são diferentes porque fazem surgir, como cidadãos, novos sujeitos políticos, de direito e sociais que os afirmaram e os fizeram ser reconhecidos por toda a sociedade.

É fato que se tem conquistado significativos avanços na pauta de reivindicações e da implantação de políticas sociais em torno do reconhecimento de novos sujeitos de direitos. Desse modo, parece que fica claro que o argumento de se reconhecer todo e qualquer ser humano como sujeito de direito é fundamental para o campo dos Direitos Humanos, e pode ser pensado em termos de participação desses sujeitos em todas as esferas da sociedade como protagonista social. A configuração de sujeito que se apresenta a partir da ênfase social nos direitos humanos está marcada pela responsabilidade do Estado em garanti-los, afinal, falar em sujeitos de direitos é pensar em um sujeito social que se apropria e re-significa seus direitos de modos específicos e contingentes no decorrer dos tempos e a partir

de novas reformulações apresentadas nas diferentes esferas sociais, entre elas, a família.

2 A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Ao longo da história a sociedade familiar sentiu necessidade de se proteger juridicamente e passou a criar leis para sua organização, assim surgiu o Direito de Família, regulando as relações familiares e tentando solucionar os conflitos oriundos das referidas relações. Através dos tempos o Direito vem regulando e legislando sobre as famílias, sempre com intuito de ajudar a mantê-la, para que o indivíduo possa, inclusive, existir como cidadão sem uma estruturação familiar em que haja um lugar definido para cada membro e trabalhar na constituição de si mesmo com a estruturação do sujeito e das relações interpessoais e sociais, passando o indivíduo ser reconhecido não somente como sujeito de deveres, mas também como sujeito de direitos, principalmente no que diz respeito a legislação específica abarcando mulheres e/ou crianças, mas analisando-se também a evolução constitucional e civil brasileira em contexto geral.

A família ao longo da história da humanidade passou por uma profunda transformação e esse processo evolutivo inseriu inúmeras situações na seara jurídica, do qual o Direito ainda não obtém entendimento pacificado. O grande marco histórico, na conquista de direitos da família foi a promulgação da Constituição Federal de 1988. A partir desta foram reconhecidas várias situações até então não tuteladas, a família incorporou o pensamento da contemporaneidade de igualdade e afeto, à luz dos princípios trazidos pela Magna Carta

O direito de família no Brasil atravessa um período de efervescência, deixando a família de ser percebida como mera instituição jurídica para assumir feição de instrumento para a promoção da personalidade humana de acordo com a dignidade da pessoa humana. Não mais encerrando a família como um fim em si mesmo, finalmente, percebe-se que ninguém nasce e deve somente constituí-la, tratando-se de um lugar privilegiado de afeto, onde a pessoa nasce inserta e no qual modelará e desenvolverá a sua personalidade, na busca da felicidade da pessoa humana.