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Novas conformações jurídicas e sociais da família e o afeto como meio de efetivação desse direito fundamental

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

LAILA LETÍCIA FALCÃO POPPE

NOVAS CONFORMAÇÕES JURÍDICAS E SOCIAIS DA FAMÍLIA E O AFETO COMO MEIO DE EFETIVAÇÃO DESSE DIREITO FUNDAMENTAL

Orientador: Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci

Co-Orientadora:Prof. Dra. Janaina Machado Sturza

Ijui (RS) 2014

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LAILA LETÍCIA FALCÃO POPPE

NOVAS CONFORMAÇÕES JURÍDICAS E SOCIAIS DA FAMÍLIA E O AFETO COMO MEIO DE EFETIVAÇÃO DESSE DIREITO FUNDAMENTAL

Dissertação final do Curso de Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, apresentado como requisito parcial para a aprovação nos Seminários de Pesquisa. DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci

Co-Orientadora:Prof. Dra. Janaina Machado Sturza

Ijui (RS) 2014

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P831n Poppe, Laila Letícia Falcão.

Novas conformações jurídicas e sociais da família e o afeto como meio de efetivação desse direito fundamental / Laila Letícia Falcão Poppe. – Ijuí, 2014. –

97 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Dr. Daniel Rubens Cenci”.

1. Família. 2. Sociedade. 3. Direitos humanos. 4. Direitos fundamentais. 5. Afeto. I. Cenci, Daniel Rubens. II. Título.

CDU: 341.231.14 Catalogação na Publicação Frederico Teixeira CRB10/2098

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada aprova a Dissertação

NOVAS CONFORMAÇÕES JURÍDICAS E SOCIAIS DA FAMÍLIA E O AFETO COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DESSE DIREITO FUNDAMENTAL

elaborada por

LAILA LETÍCIA FALCÃO POPPE

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direitos Humanos.

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci (UNIJUÍ) ___________________________________ Prof. Dr. Neuro José Zambam (IMED)_____________________________________ Prof. Dra. Janaina Machado Sturza (UNIJUI) _______________________________

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Dedico este trabalho aos meus pais, que sempre estão ao meu lado, contribuindo no processo de minha formação, auxiliando, confortando, dando força para seguir em frente. Por terem me incentivado a estudar, compreender e pensar.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a Deus, que me deu tudo, o Dom da Vida.

Aos meus pais, Paulo e Sônia, os maiores mestres que tive, por me ensinarem a seguir pelo caminho correto e estarem ao meu lado em todos os momentos, pela paciência, compreensão e, sobretudo pelo incentivo de buscar ir sempre além. Vocês são meu alicerce, meu tudo, minha inspiração, AMO VOCÊS!

Ao Lucas, meu irmão, pelas alegrias, sorrisos, beijos e abraços, por trazer mais vida ao nosso mundo!

A minha família e aqueles amigos especiais, pelo convívio, pela lealdade quando precisei estar ausente, pelos momentos de descontração e apoio, sem os quais meus resultados não seriam os mesmos, sei que também estão vibrando por essa vitória.

Aos mestres, que com sua paciência, antes de me ensinarem, fizeram-me aprender e em especial ao meu Orientador, Professor Daniel, que foi um pouco pai, um pouco amigo, um pouco mestre e sem dúvidas, essencial na minha caminhada!

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Família é encontro, não é sujeição; é abrigo, não é cárcere. O único elo que garante a sua manutenção é o do afeto, que não se impõe, porque nasce da liberdade do bem querer. (Cármen Lúcia Antunes Rocha)

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RESUMO

A família é uma das mais antigas instituições, passando por evoluções em seus paradigmas, a partir de mudanças das condutas da sociedade, perpassando de uma família pré-moderna patriarcalista a uma concepção de família com base no afeto na contemporaneidade. A família é originariamente o lugar onde o homem se encontra inserido e nela desenvolve, mediante as experiências vividas, sua personalidade e seu caráter. O conceito de família vem sofrendo, no passar dos tempos, inúmeras transformações em face do interesse e do novo redimensionamento da sociedade. Nesse sentido, não basta pensar família em um modelo pré-definido e estereotipado, constituída em virtude da autoridade parental, mas sim em relações familiares remodeladas, fazendo alçar formas novas de conformações jurídicas e sociais da família, amparadas no afeto e na liberdade individual de seus membros, buscando a realização pessoal e a felicidade dos seus componentes. Na evolução histórica da família, além da família tradicional, formada pela união entre homem e mulher, abriu-se espaço para novos costumes e valores, através da internacionalização dos direitos humanos, a globalização e o respeito ao ser humano, tendo em vista sua dignidade e os direitos inerentes à sua personalidade, se impôs o reconhecimento de novas modalidades de família formadas na união estável, na monoparentalidade, na homoafetividade, entre outras, respeitando as intrínsecas diferenças que compõem os seres humanos. Coexiste também a família eudemonista, a mosaico, a reconstituída, demonstrando definitivamente seu caráter plural. Houve uma democratização da família e acredita-se que essas novas conformações familiares deacredita-sempenham sua função de direito fundamental e todos os dele decorrentes, não necessariamente precisando possuir um modelo pré-moldado, uma vez que independente de sua estruturação, todas são dignas de serem denominada família.

Palavras-chave: família; sociedade; direitos humanos; direitos fundamentais; afeto.

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ABSTRACT

The family is one of the oldest institutions , undergoing changes in its paradigms , from changing society conduits , passing a pre -modern patriarchal family to a conception of family based on affection nowadays. The family is originally where the man is inserted and it develops through the experiences , your personality and your character. The concept of family has been suffering in the course of time , many changes in the face of interest and the new resizing of society . In this sense , do not just think family in a pre - defined and stereotyped model arose as a result of parental authority , but in family relationships remodeled , new ways of doing raise legal and social conformations family , supported on affection and individual freedom of its members , seeking personal fulfillment and happiness of its components . In the historical evolution of the family , besides the traditional family, formed by the union between man and woman , opened up space for new customs and values , through the internationalization of human rights , globalization and respect for human beings , given their dignity and the rights inherent in his personality , was imposed recognition of new forms of family formed in the stable, in parenthood , in homoafetividade , among others , respecting the intrinsic differences that make up human beings . Also Coexist eudaimonistic family, mosaic reconstituted definitely showing its plural character. There was a democratization of the family and it is believed that these new family conformations play its role as a fundamental right and all under it , does not necessarily need to have a pre-cast model , since regardless of its structure , all are worthy of being called family.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 A FAMÍLIA OCIDENTAL E SUAS INTERFACES COM OS DIREITOS HUMANOS: CONCEPÇÕES E CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ... 14

1.1 Mudanças na esfera familiar: um olhar a partir de sua estrutura ... 14

1.1.1 A família antiga ... 15

1.1.2 A família pré-moderna ... 18

1.1.3 A família moderna ... 19

1.1.4 A família contemporânea ... 20

1.2 Sociedade, família e a efetivação dos Direitos Humanos ... 23

1.3 O reconhecimento do sujeito e sua individualidade na esfera familiar e social ... 30

2 A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 35

2.1 Um apanhado histórico da legislação brasileira ... 35

2.2 A repercussão da concepção e da instituição família na e a partir da Constituição Federal de 1988 ... 44

2.3 O conteúdo dos julgados: jurisprudências e precedentes ... 50

1.1.1 A união estável e o casamento homoafetivo ... 51

1.1.2 O reconhecimento do afeto como elemento jurídico ... 55

1.1.3 O dano moral no Direito de Família ... 57

3 A PLURALIDADE NAS CONFORMAÇÕES SOCIAIS E JURÍDICAS DA FAMÍLIA ATUAL ... 60

3.1 Casamento e família: civilidade e religiosidade ... 61

3.2 Problemas e desafios da família contemporânea ... 65

3.3 As famílias plurais ... 69 3.1.1 Família Matrimonial ... 70 3.1.2 Família Homoafetiva... 71 3.1.3 Família Monoparental ... 73 3.1.4 Família Pluriparental ... 74 3.1.5 Família Anaparental ... 75 3.1.6 Família Eudemonista ... 76 3.1.6 Família Monogâmica ... 78

3.4 As novas conformações sociais e jurídicas e a efetivação do direito fundamental da família a partir do afeto... 79

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INTRODUÇÃO

Atualmente o conceito de família está atrelado a preconceitos e tantos outros obstáculos; a sociedade, a legislação pátria e a consciência das pessoas devem compreender que a evolução da família é uma realidade, de forma que existe um novo cenário social em que estão inseridas novas configurações de famílias. Tais mudanças têm origem em diversos fatores, e faz com que levantemos o debate sobre o espaço e forma dessas novas famílias frente ao reconhecimento legal e social das mesmas para a efetivação desse direito fundamental.

Esses novos modelos de família emergem de acordo com o momento social em que vivemos, como reflexo da sociedade, muitas vezes, desestabilizando fundamentos históricos e sociais e, em última instância, a segurança da própria instituição familiar frente à sociedade, sobretudo porque sobrepõem-se ao modelo tradicional, questionando os princípios e valores que ela representará no futuro.

Nesse sentido, essas novas conformações sociais e jurídicas da família permitem a efetivação desse direito fundamental como espaço de relações de vivências e relações econômicas e socioafetivas.

Com as constantes alterações nas estruturas familiares, a família patriarcal foi aos poucos perdendo forças e novos modelos de famílias começaram a se formar, buscando agora novos objetivos, mais ligados a felicidade do que puramente laços consangüíneos e estereótipos.

O fato é que o alargamento conceitual da entidade familiar acabou ensejando o florescimento da toda uma nova concepção da família com seus diversos matizes. Ainda não temos elementos suficientes, já que trata-se de conformações novas, para dizer que a família está em crise, pelo contrário, dedutível que crise havia com a mantença de um casamento estereotipado e infeliz, o qual era chamado de família, e em que o afeto não tinha qualquer relevância jurídica ou social.

Assim, pode-se dizer que tem-se um novo conceito de família, não prevalecendo um modelo único e imutável, mas com a preocupação de predominar

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muito mais à natureza do vínculo que une seus integrantes do que ao seu formato ou modo de constituição.

A dissertação tem como escopo analisar o direito fundamental à família a partir do desenvolvimento histórico da família ocidental e dos seus direitos, com a identificação de novos elementos e estruturas que compõem a instituição familiar, a partir do desenvolvimento de um apanhado histórico das principais conformações familiares na cultura ocidental, bem como aprofundar os fundamentos sociais, religiosos e jurídicos da entidade familiar tradicional, especialmente da relação de gênero e destes com a prole, para enfim analisar o direito fundamental à família a partir das novas conformações jurídicas e sociais das novas conformações de família.

No movimento constante a que submetida à vida, depara-se o estudioso com situações e circunstancia de ordem variada, fazendo-o refletir e rever pontos de vista antes adotados, frente à necessidade de encarar o novo e buscar as soluções possíveis, conforme cada momento e especialmente, como forma de não se deixar no vácuo questões que, ontem sequer imaginadas, hoje apresentam-se em uma realidade de forma concreta e a demandar a procura do posicionamento adequado.

O comportamento social e a vida familiar evoluíram. As relações de convivência familiar e social já não são mais as rigidamente estabelecidas anteriormente, em que o modelo único de família, fundado na desigualdade e sustentado pelo patriarcado, tinha na figura do homem a concentração do poder econômico e social da família. A família contemporânea não se conforma mais com as atribuições rigidamente estabelecidas pela qualidade de ser um homem ou mulher. Ser filho não significa mais estar sujeito ao desígnio do pai, a família contemporânea não é mais o lugar da perpetuação dos laços de sangue e da preservação do nome e patrimônio dos antepassados, finalidades estas que se constituíam na razão de se nascer e permanecer em família.

Como efeito das mudanças ocorridas na sociedade, há uma modificação nos valores que esta trás consigo, prescindindo que a consciência das pessoas e a legislação reconheçam a necessidade premente de legitimação destas mudanças para o pleno atendimento das muitas questões e anseios surgidas na atualidade no tocante a mais primordial forma de convivência humana.

Dessa forma, o elemento caracterizador da família atual não deve estar relacionado ao casamento, às relações de sangue, e muito menos na diferença de

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sexo do par e sim na comunhão espiritual e de vida verdadeira que une as pessoas com mesmo objetivo de vida e comprometimento mútuo.

De extrema relevância estudar esse novo perfil familiar, que segue em direção a uma nova interpretação, a qual objetiva através do uso da reflexão acerca dos novos valores e anseios sociais desmistificar verdades tidas como absolutas e imutáveis presentes no ordenamento jurídico no tocante ao Direito de Família, que tanto obstaculiza a resolução e esclarecimento destas questões polêmicas.

Faz-se necessário, e é exatamente o que se pretende com esse estudo, compreender a família contemporânea a partir de uma visão pluralista, aberta e multifacetária, na qual esta instituição não pode ser compreendida como um fim em si mesmo, sendo, ao contrário, um instrumento que prima pelo desenvolvimento pleno de seus membros e que implica respeito pelo exercício da autonomia destes na ingerência da suas vidas, bem como o reconhecimento do novo modelo familiar escolhido, desde que este seja pautado na afetividade, respeito e comprometimento mútuo dos conviventes.

O tema de pesquisa está estritamente vinculado à temática proposta no curso do Mestrado em Direitos Humanos, na linha de pesquisa Direitos Humanos, Meio Ambiente e Novos Direitos, já que trata-se de um direito fundamental básico. A sociedade historicamente partiu, e assim continua a ser, do seu núcleo inicial, qual seja, a família. Nesses termos, o direito à família se liga de maneira irrestrita ao próprio direito à humanidade. Muitos dos direitos fundamentais são exercidos na família, sendo essa entidade o lar dos direitos humanos, de forma que se torna de extrema relevância estudar sobre os novos rumos que a família ocidental está tomando, primando pela real efetividade desse direito fundamental.

Para proceder à análise proposta se optou por dividir o trabalho em três capítulos, o primeiro contextualiza a família ocidental e sua interface com os Direitos Humanos, com a análise das mudanças na esfera familiar, a partir de sua estrutura em diferentes períodos históricos, resgatando questões relativas a sociedade, família e a efetivação dos Direitos Humanos, bem como o reconhecimento do sujeito e sua individualidade na esfera familiar e social.

Já o segundo capítulo adentra na esfera da família no ordenamento jurídico brasileiro, através de um apanhado histórico da legislação brasileira, da constituição Federal de 1988 a luz do direito fundamental a família, culminando na análise das jurisprudências e precedentes legislativos.

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O terceiro capítulo realiza o fechamento da presente dissertação, com a apreciação de conceitos atrelados a pluralidade nas conformações jurídicas e sociais da família atual. Analisa-se o casamento e a família na perspectiva de sua civilidade e religiosidade, bem como os problemas e desafios da família contemporânea e a identificação das famílias plurais, de modo que finaliza o trabalho pormenorizando as novas conformações sociais e jurídicas e a efetivação do direito fundamental da família a partir do afeto.

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1. A FAMÍLIA OCIDENTAL E SUAS INTERFACES COM OS DIREITOS HUMANOS: CONCEPÇÕES E CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Família é um conceito que estrapola a esfera jurídica, e muito antes de ser um conceito legal, assume um significado sociológico, um produto da nossa evolução socio-histórica, tendo sua concepção jurídica alterada e alargada no decorrer dos tempos, reconhecendo-a no mundo fático e atribuindo-lhe uma relevância no mundo jurídico, antes desconhecida.

A familia enquanto instituição possui uma vinculação direta e imediata com os valores vigentes e aceitos por uma determinada sociedade em momento histórico determinado. Talvez por essa característica peculiar, seja a família tendente a sofrer pressões e a sentir a tensão existente entre fato social, sua conformação e as normas jurídicas. A sociedade foi aos poucos mudando conceitos e adquirindo novos valores, a cada mudança social, seja econômica, religiosa ou cultural, foi adequando-se e ganhando novos contornos, contextualizando-se ao longo dos tempos como o mais humano dos direitos. Neste sentido, pode-se afirmar que a família apresenta-se como fruto da sociedade, e que, ao longo da história ela carrega as marcas características de cada sociedade.

1.1 Mudanças na esfera familiar: um olhar de sua estrutura a partir de diferentes períodos históricos

Para se refletir sobre a formação atual da família brasileira, faz-se necessário entender os aspectos sócio-históricos e culturais que têm marcado a formação social da família desde os tempos primórdios. As mudanças nas diferenças esferas da sociedade, advindas através de revoluções sociais, econômicas, culturais ou políticas acabaram por afetar de modo muito singular família, sendo que essa heterogeneidade da nova estrutura familiar que hoje encontramos em nossa sociedade é produto e advém de um longo cenário de mudanças conseqüentes do envolvimento da família em questões de políticas públicas, revoluções, trabalho, questões de gênero e do reconhecimento dos sujeitos que compõem a família como sujeito de direitos merecedora de atenção e proteção social, afetiva e jurídica.

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A dinâmica familiar, representada através de sua estrutura e (re)conhecimento dos indivíduos que a compõe, bem como a importância deles dentro do escopo familiar é uma forma de transmissão de padrões culturais vigentes em determinado tempo, em determinada sociedade, que através da construção de sentidos de pertença e identidade são movidos a alterar a modelagem básica e histórica das famílias estabelecidas a cada período da história, de modo que acabe por prevalecer um modelo hegemônico de família sobre as outras, sendo, de certa maneira, imposta para que seja aceita como única e ideal, o que não existe na esfera familiar, uma vez que cada família é única e singular, devendo ser tratada, aceita e reconhecida como tal.

As mudanças estruturais vividas pela família ao longo de sua existência, decorrem de conexão com mudanças no campo social, de maneira que a estruturação de novos arranjos familiares surgidos ao longo dos anos, foram concomitantes a grandes acontecimentos do campo sociológico em que cada família desenvolveu seu ciclo de vida. A família transcende as questões formais e o seu papel e contextos estão sujeitos a condições que passam através de sua estrutura formal ou informal, dentro de cenários heterogêneos e altamente complexos, determinantes, inclusive, dos valores a serem adotados pelos membros da família, seu lugar histórico e a renovação de suas conformações no decorrer dos tempos. 1.1.1 A família antiga

Dado esse cenário inicial, de maneira a contextualizar as influências pelas quais passa e decorre a família, faz-se necessário caracterizar que o termo “família” é derivado do latim “famulus”, que por sua vez significa “escravo doméstico”. Segundo Moreira (2001) Esse termo foi desenvolvido na Roma antiga, com o fim de justificar um novo organismo social que surgiu entre as tribos latinas quando essas foram introduzidas à agricultura e em decorrência houve uma institucionalização da escravidão legalizada. Esse novo organismo social tinha algumas características peculiares, uma estrutura extremamente machista, da qual decorreu a família patriarcal. A característica principal desse novo organismo era a presença de um chefe, indiscutivelmente do sexo masculino, o qual detinha todo o poder sobre os escravos e igualmente em relação à mulher e a sua prole, inclusive com poder de determinar a vida ou morte desses indivíduos, de onde também se originou o pátrio

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poder. Desde então o termo família passou a ser usado para designar instituições e agrupamentos sociais bastante diferentes entre si, do ponto de vista de sua estrutura e funções: reprodutiva, política, econômica e social. Etimologicamente, família é o conjunto dos famuli, ou seja, dos criados, servos e domésticos, na civilização romana, somente mais tarde que o termo família passou a abranger mulheres e filhos, com o agrupamento através dos laços consangüíneos.

No direito romano clássico a família natural era baseada no casamento e no vínculo de sangue e o seu agrupamento constituído apenas dos cônjuges e de seus filhos, essa família tinha como base o casamento e as relações jurídicas dele resultantes, seja entre os cônjuges ou cônjuges e a sua prole. De acordo com Cunha (2010), ao contrário dos clãs, que se formavam a partir da relação de parentesco com um ancestral comum, a família natural romana originava-se através de uma relação jurídica: o casamento. Esse conceito teve bastante influência da Igreja Católica através do direito canônico, sendo que a família natural foi adaptada pela Igreja Católica no momento em que o casamento foi transformado em instituição sacralizada e indissolúvel e única formadora da família cristã, formada pela união entre duas pessoas de diferentes sexos, unidas através de um ato solene e por seus descendentes diretos, a qual ultrapassou milênios e predomina até os dias atuais.

Por outro lado, Lévy-Strauss (2003) chegou à tese de que a família surgiu a partir do equilíbrio entre a natureza e a cultura, com a invenção do incesto. A família interessa não pelo que ela diz sobre si mesma, mas sobre a sociedade, não se atendo à família como grupo social concreto com seus problemas específicos, mas ao que esta revela do mundo social, dentro da concepção estruturalista da sociedade como um sistema de relações. Essa tese permitiu afirmar a superioridade da regra cultural da afinidade sobre a regra natural da consangüinidade, assim, a proibição do incesto está ligada a origem das regras do casamento que, por sua vez, está calcado num sistema geral de trocas ao qual se denomina exogamia, que é justamente o casamento de um indivíduo com um membro de um grupo estranho àquele ao qual pertence. A família é vista como grupo social originado em um casamento (entendido como a união de duas ou mais pessoas), constituído pelas pessoas casadas e sua prole, cujos membros são ligados entre si por laços legais, direitos e obrigações econômicas e religiosas, direitos e proibições sexuais, bem como sentimentos psicológicos, nessa perspectiva, Lévi-Strauss coloca que

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um homem utiliza o termo “pai” não apenas para o seu verdadeiro genitor, mas também para todos os outros homens com quem sua mãe poderia ter casado, e que, desse modo, poderiam tê-lo gerado. Emprega o termo “mãe” não apenas para a mulher de quem na realidade nasceu, mas também para todas as outras mulheres que lhe poderiam ter dado à luz sem transgredir a lei da tribo; usa as expressões “irmão” e “irmã” não somente para os filhos de seus pais verdadeiros, mas também para os filhos de todas aquelas pessoas com as quais as quais mantém relação de pais. [...] desse modo, os termos de parentesco que dois australianos mutuamente se aplicam não indicam necessariamente qualquer consanguinidade, como os nossos indicariam: representam relacionamentos sociais mais do que físicos. (LÉVI-STRAUSS, 2003, p. 52)

A consequência disso é garantir a vitalidade dos grupos humanos, excluindo a possibilidade de ser a família biológica um sistema fechado de relações. A família, em seu fundamento natural (a família consangüínea) precisa se desfazer para que viva a sociedade, ao mesmo tempo em que a sociedade, a existência de grupos dispostos a reconhecer seus limites e a se abrir ao outro (a aliança), é condição da existência da família. Por conseguinte, o parentesco visto com uma estrutura formal, é resultado da combinação de elementos de consangüinidade entre irmãos; de descendência entre pai e filho e/ou mãe e filho e a relação de afinidade que se dá através do vinculo. Segundo Sarti

foi através de Lévi-Strauss, através de suas estruturas elementares do parentesco que se deu o passo decisivo para a desnaturalização da família ao retirar da família biológica o foco principal e voltar sua atenção para o sistema de parentesco como um todo. (SARTI, 2003, p. 39),

Como conseqüência, o laço de parentesco foi instituído como um fato social e não mais natural, de modo que a família entra definitivamente no terreno da cultura, uma vez que o seu fundamento não está na natureza biológica do homem, mas na sua natureza social: as famílias se constituem como aliança entre grupos, ainda segundo Lévi-Strauss

O que diferencia verdadeiramente o mundo humano do mundo animal é que na humanidade uma família não poderia existir sem existir a sociedade, isto é, uma pluralidade de famílias dispostas a reconhecer que existem outros laços para além dos consangüíneos e que o processo natural de descendência só pode levar-se a cabo através do processo social da afinidade. (LÉVI-STRAUSS, 2003, p. 34)

Por sua vez, para Bruschini (2000) a família é um grupo aparentado, responsável, principalmente, pela socialização de suas crianças e pela satisfação de necessidades básicas, consistindo em um aglomerado de pessoas relacionadas entre si pelo sangue, casamento, aliança ou adoção e vivendo ou convivendo juntas. A família é considerada uma unidade social básica e universal por ser encontrada

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em todas as sociedades humanas, sendo a primeira instituição política organizada em nossa sociedade. Nos tempos primórdios, como esclarece Maria Berenice Dias (2011), as famílias formavam-se para fins exclusivos de procriação, considerando a necessidade do maior número possível de pessoas para trabalhar em campos rurais.

1.1.2 A família pré-moderna

Quanto mais membros possuíssem a família, maior a força de trabalho que se dispunha e mais riqueza seria possível extrair da terra. Tal elemento foi determinante na família pré-moderna, que tem como característica marcante o fato de que coabitavam em um mesmo espaço várias gerações: pai, mãe, crianças, irmãos e avós, todos em torno de uma unidade de trabalho, com algumas características importantes no tocante aos gêneros, a família patriarcal, em que o pai detém o poder absoluto e a figura da mãe é vista como uma mera reprodutora, de forma a ter na ordem familiar e social um lugar desprivilegiado e de submissão ao poder masculino. Esse modelo de arranjo familiar traduz o que se passa no espaço político e religioso da época, em que o pai é visto como o Deus ou Rei e o sexo feminino não tem nenhum valor, sendo as crianças vistas como adultos em miniatura, sendo a figura dos idosos importantes na medida em que eram os guardiões da memória e da genealogia. (DIAS, 2010)

Ao longo de vários séculos solidificou-se esse conceito de família patriarcal, a partir de suas raízes romanas, representadas em sua essência pelo poder paterno, razão pela qual se atribuía ao homem o papel de chefe e senhor das decisões da sociedade familiar, não admitindo qualquer contestação ou intervenção dos demais sujeitos da família. Nesse contexto, a história mostra que as mulheres sempre foram inferiorizadas, sendo a família patriarcal um espaço do homem por excelência, em que crianças e mulheres não passavam de seres insignificantes e amedrontados, cuja maior aspiração era servir e obedecer ao patriarca, a mulher nada mais é do que propriedade do homem, devendo reproduzir e educar seus filhos e subjugar-se à servidão doméstica.

A família era uma concepção compreendida na unidade de produção e patrimônio e segundo de acordo com Farias (2007) pouco importava os laços afetivos, impossibilitando a dissolução do vínculo matrimonial, pois corresponderia a

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desorganização da própria sociedade. A família patriarcal em seu extenso grupo composto pelo núcleo conjugal e sua prole legítima, também se incorporavam parentes, afilhados, agregados, escravos e até mesmo concubinas e bastardos, todos abrigados sob o mesmo teto, na casa grande ou na senzala. Essa característica senhorial foi observada também pelas famílias não proprietárias, das camadas intermediárias, formada por comerciantes, funcionários públicos, militares e profissionais liberais. A família patriarcal era uma forma dominante de constituição social e política e tinha no seu poder, o controle dos recursos da sociedade.

1.1.3 A família moderna

O declínio do patriarcalismo, trazendo a tona um novo processo ideológico de família, se iniciou ligando-se em particular ao desenvolvimento do individualismo moderno do século XIX, em um imenso desejo de felicidade. A família moderna, constituída após a revolução francesa, era caracteriza pelo fato de que os pressupostos políticos e morais da revolução francesa tinham como premissa a igualdade de direitos entre os cidadãos, ou seja, homem e mulher não poderiam mais ser estabelecidos como uma hierarquia, acarretando a saída de uma teoria do sexo único para uma teoria moderna, da diferença sexual, que implicava não somente o reconhecimento da mulher como parte integrante da família, mas uma diferença moral entre os sexos, conferindo as mulheres um papel fundamental enquanto figura de mãe e não mais de mera reprodutora, adquirindo certos poderes que ela não detinha, cabendo, a partir de então, a mulher gerir o espaço doméstico e ao homem gerir o espaço público. Nesse sentido, afirma Farias que

a família esta em constante mutação decorrente das novas conquistas da humanidade e através dessas mudanças pôde perceber-se, que no início do século XIX, surgiu uma maior preocupação legislativa com a relação concubinária, ajudando, por conseguinte, no reconhecimento de direitos advindos desta relação. E, com a filosofia individualista e igualitária da Revolução Francesa, contribuiu-se energicamente para o enfraquecimento do dogma religioso, quanto à família formada apenas pelo matrimônio. (FARIAS, 2007, p.04)

O modelo patriarcal supracitado, fundado justamente na hierarquia e no patrimônio sofreu também profundas mudanças com a revolução industrial, quando as indústrias recém-nascidas passaram a absorver a mão de obra nos centros urbanos. Com a revolução industrial e a consequente industrialização, ocorre uma

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mudança na função econômica da família que provocou o surgimento de duas esferas distintas: de um lado a unidade doméstica, de outro a unidade de produção. À mulher coube a reprodução da força de trabalho na esfera privada do lar e sem remuneração, enquanto ao homem coube o trabalho produtivo extra-lar, pelo qual passou a receber uma remuneração.

A partir de então começa a se desenvolver a família conjugal moderna, na qual o casamento se dá por escolha dos parceiros, com base no amor romântico, tendo como perspectiva a superação da dicotomia entre amor e sexo e novas atribuições para os papéis do homem e da mulher na esfera familiar. Modernizaram-se as concepções sobre o lugar da mulher nos alicerces da moral familiar e social, a nova mulher moderna deveria ser educada para desempenhar o papel de mãe e educadora dos filhos e também de suporte do homem para que este pudesse enfrentar a labuta do trabalho fora de casa, deixando de figurar apenas como peça coadjuvante. A boa esposa e boa mãe deveria ser ‘prendada’ e ir à escola aprender a ler e escrever para bem desempenhar sua missão como educadora. Essa família apresentava-se como uma família nuclear reduzida ao pai, mãe e filhos, organizada hierarquicamente em torno de uma rígida divisão sexual de papéis. (BRUSCHINI, 2000)

A partir do século XIX há também uma nova concepção acerca da riqueza de uma nação, uma preocupação com a qualidade de vida, fazendo com que apareçam outros critérios de qualificação além da educação: boas condições de saúde. Isso ira implicar em uma investidura na população desde o inicio da vida, ou seja, as crianças passam a ser objetos de investimento, trazendo a idéia da criança como representação do futuro e o poder da mulher enquanto mãe está conferido a partir do momento em que ela fica encarregada dos filhos e fazer a mediação entre família, educação e saúde. Toda a ideologia familiarista é constituída a partir dessa família nuclear, sendo que a família passa a se condensar em torno dos pais e dos filhos.

1.1.4 A família contemporânea

Nos anos 60 e 70 há uma ruptura da família nuclear, fazendo com que a mulher saia desse lugar exclusivamente maternal, movida pelo desejo de ser mais do que apenas mãe, passando a participar não somente da governabilidade privada,

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mas também da governabilidade pública, reorganizando mais uma vez a estrutura da família, trazendo novos problemas e novos personagens que não estavam presentes na família moderna: a dissolução da eternidade do casamento e a reorganização dos planos de autoridade. Neste sentido, Pereira afirma que

é notável que, quando a sociedade começou a aceitar as relações pessoais como sendo uniões sentimentais, o legislador não podia mais negar efeitos a essas relações, deixando-as à margem do Direito. Iniciando assim, a mudança nos costumes, à formação de uma ideologia voltada ao ser humano e não mais ao seu patrimônio. (PEREIRA, 2004, p.57)

Por conseguinte, a entrada da mulher no mercado de trabalho, modifica para sempre o papel do sexo feminino nos setores públicos e privados. A aglomeração de pessoas em espaços cada vez mais escassos nas cidades agravou os custos de manutenção da prole, havendo uma drástica diminuição no número de filhos em contraposição à família extensa que existia no passado. As modificações pelas quais a família passou não impediram a permanência de resquícios do modelo antigo, os quais perduraram – e alguns ainda perduram – até os dias recentes, como a inferiorização da mulher nos diversos setores da sociedade, conseqüência do patriarcalismo.

Na contemporaneidade há uma institucionalização da maternagem, de forma que as crianças vão cada vez mais cedo para as escolas por conta de que a mãe passou a ter lugares de expansão existencial, mas, em contraponto, os homens não voltaram ao lar, deslocando a família para instituições privadas. As mudanças ocorridas na família relacionam-se com a perda do sentido da tradição. Assim, o amor, o casamento, a família, a sexualidade e o trabalho, antes vividos a partir de papéis preestabelecidos, passam a ser concebidos como parte de um projeto em que a individualidade conta decisivamente e adquire cada vez mais importância social, mas é partir dos anos 90 que a família apresenta mudanças significativas em todos os seguimentos. O viver e conviver juntos, como marco dos novos relacionamentos afetivos da modernidade, de acordo com Bauman (2003) envolve, também, o sentido da família. Se, de fato, até a modernidade a família era um pilar fundamental da sociedade e os filhos o fruto mais maduro disso não é assim na pós-modernidade, usando a metáfora e chamando o mundo de mundo líquido, em que nada tem substância, tudo é fluido, os valores, assim chamados de espirituais, não têm mais força no novo contexto cultural e isso afeta também a família. Por isso, segundo Bauman

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Os filhos estão entre as aquisições mais caras que o consumidor médio pode fazer ao longo de toda a vida [...] Ter filhos significa avaliar o bem-estar de outro ser, mais fraco e dependente, em relação ao nosso próprio conforto. (BAUMAN, 2003, p. 60)

Essas novas transformações sociais e, por conseguinte, essas novas concepções em relação à família, vêm trazendo à baila novas estruturas familiares, as quais objetivam, Dias (2007), o atendimento do afeto, solidariedade, lealdade, confiança, respeito e amor. Ainda nos dias atuais, quando se pensa em família, vem à tona o modelo tradicional, representado por um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos, mas esta realidade se modificou, a autora esclarece que

O pluralismo das relações familiares – outra vértice da nova ordem jurídica – ocasionou mudanças na própria estrutura da sociedade. Rompeu-se o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento, mudando profundamente o conceito de família. A consagração da igualdade, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio, a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento operaram verdadeira transformação na família. (DIAS, 2007, P. 56)

Segundo Mioto (1997), a diversidade de arranjos familiares existentes hoje na sociedade brasileira nos leva a definir a família como um núcleo de pessoas, não mais definidos apenas como homem, mulher e filho, que convivem em um determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidos por laços consangüíneos ou afetivos em igual escala de grandeza. Ela tem como tarefa primordial o cuidado e a proteção de seus membros e se encontra dialeticamente articulada com a estrutura social na qual está inserida.

Assim, assevera-se que a família ao longo da história vai transformar não só a sua morfologia, a sua escala de grandeza, mas vamos deslocar de uma família destensa para uma família nuclear, que na contemporaneidade também é permeada por uma família monoparental, a morfologia da família se transforma radicalmente, mudando os personagens e a valência deles na família. Um exemplo é a transformação da figura da criança, do pai e da mulher na ordem familiar, desencadeando transformações na problemática da família e em sua estrutura, captando as descontinuidades históricas da família e assim as novas conformações que se articulam, devido ao entrelaçamento existente entre o que se passa em nível da intimidade moral ou psicológica dos laços familiares com o que se passa a partir de relações mais amplas com o espaço social, Farias assevera que

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[...] também é a família o terreno fecundo para fenômenos culturais, tais como as escolhas profissionais e afetivas, além da vivência dos problemas e sucessos. Nota-se, assim, que é nesta ambientação primária que o homem se distingue dos demais animais, pela susceptibilidade de escolha de seus caminhos e orientações, formando grupos onde desenvolverá sua personalidade, na busca da felicidade – aliás, não só pela fisiologia, como, igualmente, pela psicologia, pode-se afirmar que o homem nasce para ser feliz. (FARIAS, 2004, p. 208)

A família é uma instituição social que independente das variantes de desenhos e formatações da atualidade, se constituindo num canal de iniciação e aprendizado dos fatos e das relações sociais, bem como em uma unidade de renda e consumo. As famílias como agregações sociais, ao longo dos tempos, assumem ou renunciam funções de proteção e socialização dos seus membros, como resposta às necessidades da sociedade pertencente, tornando-se uma das instituições sociais mais importantes que existe, tanto para a manutenção da sociedade, como para sua transformação. O reconhecimento de tal importância nos remete à necessária desnaturalização da idéia de família nuclear como modelo ideal, pensando na família a partir de suas particularidades, o que irá desencadear diferentes formas de enfrentamento das conseqüências do processo de produção capitalista e das transformações na sociedade consumista, determinadas pelo próprio sistema de produção que repercute no consumismo, na dinâmica social, comunitária e familiar na qual essa instituição está inserida.

1.2 Sociedade, família e a efetivação dos Direitos Humanos

O direito à família como lugar privilegiado de geração e cuidados com a vida e a própria existência, emerge como um direito humano dos direitos, reproduzindo as mais íntimas relações humanas em todos os seus contextos, tratando-se de duas instituições intimamente relacionadas e interligadas entre si, a partir do momento em que se tem a família como a instituição natural que constitui a sociedade, na qual se recebe a formação humana mais integral e os direitos humanos porque recorrem a própria humanidade da sociedade, ou seja, ambos surgem da própria natureza humana. Ao fazer-se referência a família, se destaca também a relação que deve haver entre familiares, a qual é necessária e fundamental para o conhecimento, aceitação e a própria vivência dos sujeitos de direitos humanos, através do sentimento, respeito a individualidade no espaço familiar e social. A família como uma das mais antigas das instituições humanas constitui um elemento essencial

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para a compreensão e o próprio funcionamento da sociedade, através dela a comunidade não só provem seus membros, como se encarrega de prepará-los para que cumpram satisfatoriamente o papel social que lhe é correspondente.

Todos estão inevitavelmente sujeitos à família, independentemente de sua conformação, o que faz decorrer a partir dessa premissa inúmeros direitos humanos no seio das entidades familiares, dada a relevância que essas entidades têm para a vida de todos os sujeitos. Os direitos humanos são poderes-deveres, ou seja, são poderes que ao mesmo tempo são deveres, destinados a propor a todos os sujeitos condições de dignidade condizentes com o estágio atual da civilização. Estudar a percepção e a evolução dos direitos fundamentais, entre eles o de família é o caminho para se aprofundar a compreensão das relações entre justiça e cidadania e, a partir disso, entendendo sua trajetória evolutiva, não mais conceituá-los como apenas direitos dos cidadãos, mas como direitos humanos anteriores ao Estado e inerentes a todo ser humano.

Essa analise faz menção a idéia, popularizada a partir de Bobbio (1992), de que os direitos humanos só poderiam ser definidos uma vez contextualizados histórica e culturalmente, ou seja, considerando o período histórico e o nível de desenvolvimento cultural e, consequentemente, jurídico, de determinado povo, a definição para direitos fundamentais poderia resultar em diferenças de abrangência, importância, sujeitos e regulação, como se pode perceber no que condiz às conformações da estrutura familiar no decorrer dos anos. Disse Bobbio

o homem é um animal político que nasce num grupo social, a família, e aperfeiçoa sua própria natureza naquele grupo social maior, auto-suficiente por si mesmo, que é a polis; e, ao mesmo tempo, era necessário que se considerasse o individuo em si mesmo, fora de qualquer vínculo social e político, num estado, como o estado de natureza. (BOBBIO, 1992, P. 117) A era dos direitos ainda não acabou, este processo ainda vai perdurar por muitas décadas e novos direitos, bem como novos conceitos sobre velhos temas, ainda vão fomentar estudos e embates nos mais diversos ramos da ciência e dos saberes. As décadas de 70 e 80 consolidaram a força dos movimentos sociais e novos sujeitos de direitos foram incorporados ao rol dos instrumentos regulatórios. Tanto no plano interno como no âmbito internacional, mulheres, crianças e até mesmo animais passaram a figurar entre objetos de tutela jurídica, insurgindo assim, numa mudança também no âmbito familiar. Esses novos direitos ampliam o conceito de direitos fundamentais, internacionalizando-os e concebendo-os com o direito

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essencial a manutenção e Barreto retrata muito bem a mutação por que passa o direito, afirmando que

O desenvolvimento das ciências e das técnicas nos dois últimos séculos trouxe consigo desafios, que tem haver como surgimento de novos tipos de relações sociais no quadro cultural da tecno-civilização. O renascimento do debate ético em todos os domínios da atividade humana talvez encontre a sua explicação final na necessidade da consciência do homem contemporâneo em situar-se face ao fato de que, o paradigma cientifico domina cada vez mais as forças da natureza e, ao mesmo tempo, interfere de forma crescente no mundo natural, suscitando problemas que não encontram respostas no quadro da própria cultura, onde surgiram e desenvolveram-se por lidar com esse novo tipo de conhecimento. O homem contemporâneo interroga-se de forma crescente sobre as dimensões, as repercussões e as perspectivas das novas descobertas cientificas e de suas aplicações tecnológicas. (BARRETO, 1998, p. 383)

Sensível a configuração dos novos direitos, Bobbio (1992) fundamentou uma proposta de formulação conceitual. Para ele, os novos direitos resultam de uma multiplicação dos direitos decorrentes de três fatores primordiais, quais sejam: o aumento da quantidade de bens merecedores de tutelas jurídicas; a expansão de certos direitos atribuídos num primeiro plano apenas ao homem para outros sujeitos dele diversos; e a compreensão do homem não como um ser genérico ou abstratamente considerado, mas sim, visto sob o prisma da concretude do ser na sociedade, ou seja, resgatando dentro de conceitos como criança, velho, mulheres, sendo todos merecedores de direitos. Ainda que tenha o Estado o dever de regular as relações das pessoas, não pode deixar de respeitar o direito à liberdade e garantir o direito a vida, não só vida como mero substantivo, mas vida de forma adjetiva: vida digna e feliz. Nesse sentido Dias coloca que

A norma escrita não tem o dom de aprisionar e conter os desejos, as angustias, as emoções, as realidades e as inquietações do ser humano. Daí o surgimento de normas que não criam deveres, mas simplesmente descrevem valores, tendo os direitos humanos se tornado a espinha dorsal da produção normativa contemporânea. (DIAS, 2004, p. 48)

Assim, mesmo sendo a vida aos pares um fato natural em que os indivíduos se unem por uma química biológica, a família é um agrupamento de formação espontânea no meio social, cuja estruturação se dá através do direito. As modificações da realidade acabam se refletindo na lei, que cumprem sua vocação conservadora, a família juridicamente regulada nunca é multifacetada, como a família natural. A família existe antes do Estado e está acima do Direito, a família é uma construção cultural que dispõe de uma estruturação psíquica na qual todos

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ocupam um lugar e possuem uma função, que pode mudar ou alterar-se de acordo com cada momento histórico vivido, sem estarem, necessariamente, ligados biologicamente. É nessa estrutura familiar que os direitos humanos devem estar inseridos intrinsecamente, de modo a perfectibilizar a preservação do lar no seu aspecto mais significativo: espaço primário para efetivação dos direitos humanos. A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) começa com a afirmação de que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos, iguais e inalienáveis, constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, considerando que o reconhecimento dos direitos do homem é uma condição para a manutenção da paz em todas as esferas da sociedade.

Tamanha é a relevância dessa missão, que os direitos humanos devem interagir nos agrupamentos familiares a fim de proteger a humanidade desde o nascituro até ao mais idoso dos sujeitos uma vez que na qualidade de direitos humanos decorre o direito fundamental à família, a fim de concretizá-lo no grupo social. Os direitos humanos acompanham as mudanças ocorridas no escopo familiar no sentido de que assim como as atuais conformações das famílias foram construídos ao longo da história humana, os direitos humanos também sofreram interferência através das evoluções, com as modificações na realidade social, na realidade política, industrial, econômica, enfim em todos os campos da atuação humana. Embora os direitos humanos sejam inerentes a própria condição humana seu reconhecimento, sua proteção é fruto de todo um processo histórico de luta contra o poder e de busca de um sentido para a humanidade. Segundo Luño

Los derechos humanos aparecen como un conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humana, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional. (LUNO, 1999, p.48)

Pode-se afirmar que o direito humano fundamental e dos quais todos os demais irão partir é o próprio direito à família, a partir do momento que não se pode pensar na vida humana sem pensar em uma estrutura familiar, uma implica a outra, necessariamente, e por isso é que o próprio direito à vida implica o direito à família. Outros direitos humanos fundamentais também se ligam à família: a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a solidariedade, a segurança, o trabalho, a saúde, a educação e, enfim, a própria felicidade humana e tantos outros valores que são

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objeto de direitos humanos. Nessa perspectiva, o direito ao afeto deve ser validado como direito humano da família, seguido pelo direito ao lar, cuja essência deve ser o próprio afeto. Nos seus vários aspectos – o físico, o social, o econômico e o psíquico – o direito ao lar associa-se aos direitos que garantem a infra-estrutura física da entidade familiar, como o direito à moradia, mas também se associa aos direitos que protegem a estrutura social da família, como o direito a contrair o casamento ou a permanecer na união estável, o direito à igualdade entre os membros, o direito ao planejamento familiar, à assistência familiar e tantos outros que zelam pela estrutura cultural e psíquica da entidade familiar, passando pelo direito ao reconhecimento da paternidade, maternidade, adoção ou da filiação, o direito ao parentesco e à afinidade, assim como o direito ao respeito e à amizade entre os familiares.

Eis um elenco de direitos humanos que se somam para a realização e a garantia da família, contudo, levando-se em consideração um modelo de família eudemonista, carece de especial atenção o direito ao afeto, cujo objeto é o sentimento maior que garante o agrupamento humano por um laço mais forte do que uma simples conjunção de interesses e assim dá consistência aos demais direitos humanos da família. Realmente, desde sua origem, a família é um espaço de ternura e carinho, de dedicação e empenho, mas também de responsabilidade para com quem se cativa. Essa ideia do afeto como proteção o direito deve dedicar especial atenção, sob pena de por em risco a própria garantia jurídica da família. Isso, porque o direito ao afeto é imprescindível à saúde física e psíquica, à estabilidade econômica e social, ao desenvolvimento material e cultural de qualquer entidade familiar. Madaleno afirma que

Certamente, o afeto é a nota característica do direito de família e deve ser encontrado em todas as modalidades de relacionamentos familiares, seja no casamento, na união estável e nas demais conexões entre pais e filhos. Esses vínculos representam a exteriorização de cada um dos projetos de vida idealizados pelas pessoas que constituem suas ligações baseadas no amor e no afeto. São realidades construindo os nós afetivos com vocação de permanência, embora precisem aceitar eventuais fracassos extinguindo vivências projetadas para a existência vitalícia. (MADALENO, 2009, P. 27)

O direito ao amor é a máxima expressão do direito ao afeto, de modo que identifica os entes humanos, uns com os outros, tão fortemente, que gera em todos nós a solidariedade humana, que é a única força capaz de construir – dignamente – a humanidade a partir de seu grupo inicial: a família. E, mais que isso, não só

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construir, mas assegurar a humanidade construída, o que é o fim próprio dos direitos humanos. Tem-se, a partir dessa conotação, que o afeto é o laço não apenas interno, entre os familiares, mas também externo, entre as famílias, capaz de compor todas as famílias em uma só humanidade. Ele tende a construir a humanidade pela força maior da solidariedade humana, em cuja origem está a solidariedade familiar. E é por esse laço maior que se amarram entre si, inseparavelmente, os direitos humanos e os direitos integrantes da família como instituto jurídico, que por conseqüência tem por lastro o direito maior de todos os direitos humanos: o direito à humanidade.

Não há como esquecer que, por ser direito da humanidade, e de acordo com Barros (2003) o direito à família são verdadeiros direitos difusos, que não podem ser negados a nenhum sujeito humano, não comportam, nem suportam nenhuma discriminação, devendo-se promover a proteção jurídica de todas as uniões familiares, sejam de que tipo forem. Ademais e não menos importante, também a criança e o adolescente constituem objeto dos direitos humanos, sendo uma das maiores razões da existência da família. Recebem um afeto familiar enlaçado com o afeto de toda a sociedade, que se empenha em protegê-los da melhor maneira possível, como se deve proteger o ser humano na sua origem e na sua primeira evolução. Os direitos sociais, também no âmbito do direito de família, buscam a realização dos valores da existência humana digna, em equação com os padrões de civilização que a humanidade vem alcançando em sua evolução histórica.

Na prática histórica e por efeito dessa funcionalidade que as novas conformações familiares vêm enlaçando cada vez mais sujeitos e objetos no âmbito da família e essa evolução somente será integral em qualidade e quantidade, como reclama a universalidade a que tendem os direitos humanos, se alcançar a família em todas as suas manifestações. De fundamental importância para a promoção dos direitos humanos é reconhecer esses novos direitos da família, o que implica a proteção dessa entidade como parte do direitos humanos e da vida familiar, como o objetivo do seu sistema legal. A família é, portanto, um todo que não deve ser dividida no seu tratamento, isolando os seus membros, nunca deve-se colocar a família em uma posição marginal, devendo ser defendida e promovida não só pelo Estado, mas toda a sociedade, uma vez que é a partir da família que pode-se

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apresentar uma resposta global aos desafios dos riscos presentes e futuros. (BARROS, 2003)

Assim, os desafios e ameaças à sobrevivência, como a violência, a desproteção, o desemprego, discriminação e a violência só podem ser combatidos a partir de uma concepção de direitos humanos que são implantadas através da família, transformando a sociedade a partir de onde ela é gerada. Respeito aos direitos humanos é necessário para o desenvolvimento humano das pessoas na comunidade, incluindo a própria vida, saúde, conhecimento, trabalho, comunidade e religião. Todos os direitos que são exigidos pela natureza para o desenvolvimento de toda a pessoa se torna real na família de forma mais eficaz uma vez que por sua própria natureza, calcada por sujeito de direitos, a família é o elemento fundamental da sociedade, sendo a força necessárias para o pleno desenvolvimento da pessoa humana. A família é, mais do que qualquer outra realidade, o ambiente social em que o homem desenvolve-se. Assim, para promover os direitos humanos no seio familiar, deve-se, acima de tudo, valorizar da família e e seus membros de forma individual.

O reconhecimento prático dos direitos da instituição familiar no contexto do desenvolvimento dos direitos humanos não pode ignorar as palavras originais, a finalidade e o espírito da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Declaração reconhece a família como fundamento da sociedade, portanto, deve-se um tratamento especial a família, em reconhecimento do seu valor fundamental e insubstituível. Os direitos humanos – perpassando pelas crianças até os idosos – desfraldam a bandeira da universalidade não de forma abstrata, porém de forma historicamente condicionada e concreta. Admitir alguma exclusão seria negar o direito de família no seu próprio núcleo fundamental, inibindo a teoria e a prática dos direitos humanos que se pressupõem como sustentáculo da liberdade do sujeito. Entretanto, não é possível pensar em liberdade se as pessoas não puderem ser sujeitos da própria vida e do próprio destino e desejo. A verdadeira liberdade é aquela em que os sujeitos de direito estão pautadas pelo ideal de Justiça, que asseguram um direito de família que compreenda a essência da vida: dar e receber amor.

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1.3 O reconhecimento do sujeito e sua individualidade na esfera familiar e social

A origem do conceito de reconhecimento é o primeiro conceito de ética, e visa essencialmente a mediação dos sujeitos entre o indivíduo e a comunidade. Por sua vez, esta comunidade tem duas formas: a primeira é natural e se expressa principalmente na unidade familiar determinado pelo sentimento de amor, a segunda envolve a relação do assunto em particular, através da individualidade natural e sua suas inclinações através dos desejos e instintos, evidenciando-se, assim, uma comunidade universal determinada pela razão, que se realiza na organização política do povo: o Estado.

Assim, o início da ética natural é justamente essa relação entre homem e mulher, uma ligação de par, envolvidos antes de qualquer determinação racional, pois baseia-se no sentimento indiferenciado do amor, em que cada um vê o outro como se ambos fossem o mesmo. A relação é apenas a estação inicial de um processo que continua no relacionamento também dos pais com os filhos, nesta segunda fase, o sentimento é aumentado para a intuição de em que os pais vêem seus filhos na objetivação de sua própria união. A formação da individualidade da criança na família tende, naturalmente, ao reconhecimento da criança como um indivíduo independente. O próximo passo do processo de reconhecimento refere-se a relações jurídicas e contratuais entre os proprietários, envolvendo a aceitação tanto da apropriação individual de coisas como as reivindicações e direitos associados à propriedade, que fazem parte das relações sociais que vão além do escopo da vida familiar. Assim, o reconhecimento individual é feito, mas ao mesmo tempo é limitado às relações de propriedades. (HEGEL, 2012)

A primeira dimensão de reconhecimento seria aquela que se dá no interior da família, seu modo peculiar de reconhecimento seria o afeto e aquilo que seria reconhecido seria o indivíduo como ser de necessidades concretas. O exemplo básico desse reconhecimento é a situação em que se encontra o bebê, que, em sua fragilidade e impossibilidade de prover a si mesmo sua própria segurança física, dependeria em absoluto do reconhecimento da mãe, que se tornaria, por seu afeto, a provedora das necessidades da criança.

A segunda dimensão de reconhecimento seria aquela que se dá na sociedade civil, por meio das leis. Seu modo particular de reconhecimento seria o

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intelectual ou cognitivo, em que os indivíduos são percebidos em sua fragilidade em relação ao todo e, a partir disso, teriam nas leis o reconhecimento de sua autonomia formal. Esta dimensão assemelha-se aquela das liberdades civis, em que a pessoa humana é reconhecida como um abstrato universal, garantida em sua mera generalidade. (HEGEL, 2012)

Por fim, a terceira dimensão de reconhecimento seria aquela que ocorre no estado de solidariedade, cujo modo de reconhecimento peculiar seria uma intuição intelectual ou emoção esclarecida e aquilo que seria reconhecido seria o sujeito como indivíduo em sua particularidade. Nesta dimensão, as características e as particularidades de cada individualidade específica gozariam de reconhecimento em sua própria diferença.

Em todas as formas de reconhecimento percebe-se que os indivíduos se relacionam uns com os outros a partir da perspectiva de sua particularidade. A transição para o ético em si, ou a vida ética absoluta requer uma alteração qualitativa, em que a singularidade dos indivíduos são apenas partes de um todo, o conjunto da população. Porém, para Hegel (2012), para se chegar à forma de comunidade, mediada pela razão universal, os indivíduos devem passar, pelo rompimento do natural. O reconhecimento implica não só uma interação positiva entre os indivíduos que aceitam uns aos outros, mas também envolve conflito e luta pela posse de coisas, a partir de um processo de formação de consciência. O ponto de partida é a consciência empírica, que é constituída como tal em confronto com a natureza. Este confronto é feito através do que Hegel (2012) chama de "poder" do espírito na educação: a linguagem, o trabalho e a família.

Observa-se que a família está no primeiro esboço do sistema de condição básica da consciência singular, através do sentimento unificador fundamental entre os indivíduos: o amor. Novamente, é na criança que os pais reconhecem a realização objetiva de sua consciência comum, para ser educado, para se tornar totalmente independente. Ao sair do alcance da família, as crianças enfrentam os outros, o que, inevitavelmente, provocou a luta pelo reconhecimento. O indivíduo excede a sua particularidade através da vida social, através das relações com os outros, enquanto continua-se sendo ele mesmo. Neste contexto aparece a perspectiva do trabalho social, como atividade de trabalho mediada por outros, o homem trabalha não só para si, mas também para os outros. Hegel (2012) entende que a partilha não é algo acrescentado secundariamente para trabalhar, mas sim

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uma condição inseparável da mesma, o que requer a interação baseada em reconhecimento.

O amor entre homem e mulher é objetivado no filho, que recolhe a independência individual através do processo educativo e separa da família para iniciar a luta pelo reconhecimento. O homem está destinado ao reconhecimento recíproco antes do estabelecimento das relações jurídicas, caso contrário, nunca chegam à convivência racional com os outros. Na luta pelo reconhecimento que o indivíduo toma consciência de ser diferente dos demais, o conhecimento da vontade de cada um é um reconhecimento universal. O reconhecimento só é possível numa base de reciprocidade, como resultado de um processo, de modo que o outro me reconheça como sujeito da relação. Os sujeitos de direitos devem ser reconhecidos por outros sujeitos de direito para que haja o respeito mútuo, o que também deve permear toda e qualquer relação familiar. Constata-se, portanto, que o conceito de reconhecimento surgiu ao longo de sua evolução como a estrutura de um processo de formação da consciência, levando a diferentes formas de interação e relações sociais, reproduzidas na família, como amor, trabalho e direito. Nesse sentido, Honneth assevera que

um indivíduo que não reconhece seu parceiro de interação como um determinado gênero de pessoa tampouco pode experienciar-se a si mesmo integral ou irrestritamente como um tal gênero de pessoa. Para a relação de reconhecimento, isso só pode significar que está embutido nela, de certo modo, uma pressão para a reciprocidade, que sem violência obriga os sujeitos que se deparam a reconhecerem também seu defrontante social de uma determinada maneira: se eu não reconheço meu parceiro de interação como um determinado gênero de pessoa, eu tampouco posso me ver reconhecido em suas reações como o mesmo gênero de pessoa, já que lhe foram negadas por mim justamente aquelas propriedades e capacidades nas quais eu quis me sentir confirmado por ele. (HONNETH, 2003, p.78)

Assim, supõe-se que o sujeito é reconhecido como pessoa a partir do momento em que torna-se único e irrepetível, um sujeito intransferível, ator e protagonista da cultura. Desse modo, o século XX assistiu à emergência de novos sujeitos sociais que reclamaram o seu reconhecimento como sujeitos e foram grandes as mudanças trazidas pela afirmação dos novos sujeitos sociais e de direito. Nas suas lutas pelos direitos políticos, as mulheres juntaram a luta pelos direitos sociais, trazendo para a cena pública as questões relegadas para a esfera privada, bem como o reconhecimento dos homossexuais, foram palco de profundas transformações, acompanhando as mudanças na família, lugar habitual da

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