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O reencontro com as danças dos povos: a força da roda

Bernhard W osien (1908-1986), nascido na A lem anha/Polônia, fo i um bailarino clássico que reconheceu a beleza e a força das danças dos povos, que resistiam com o expressão cultural nas aldeias, e nos povoados distantes dos centros urbanos. A tento para a riqueza de m itos e poesia nelas presen­ tes, o reencontro com essas danças tradicionais levou-o a um trabalho de pesquisa, e depois de ensino, das velhas danças de roda, principalmente do leste europeu (Wosien, 2000). D esse seu trabalho floresceu o m ovim ento das Danças Circulares.

É importante assinalar alguns dados do percurso d o bailarino ao encontro das danças populares, pois revela a criação com o um fato da experiência. Profundamente ligada à vida, à experiência de sensibilidade e abertura para o mundo. N ão foi uma escola, um programa intencionalmente desenvolvido para ser aplicado. Foi vivência cultural e espiritual, sentida, entendida e am­ pliada a quantos quisessem partilhá-la. O particular percurso do mestre que deu um novo im pulso à dimensão religiosa da dança, n o s ensina algumas lições para entrar na roda, para fazer circular a dança, para dançar a vida.

N o livro Dança: um caminho para a totalidade, publicado n o Brasil em 2000, podem os entrar em contato com o universo de experiências pessoais de Bernhard W osien, um artista no sentido mais amplo da palavra, uma vez que era também coreógrafo, professor, desenhista e pintor. Ele conta que, n o início dos anos 50 em Dresden, assistiu à apresentação do grupo fol­ clórico iugoslavo Kolo, pelo qual ficou profundamente tocado, vivenciando a força da roda.

Ali estavam, primeiro, o balançar-se e o saltar entusiasmados, ligados um ao outro em círculos e correntes, o ímpeto arrebatador e a alegria vital das seqüências rítmicas dos passos, e também as melodias deli­ cadas e íntimas das canções de amor dos pastores dos Bálcãs. O que eu vivenciei foi a força da roda. (Wosien, 2000, p. 106)

Ainda em suas palavras: “O encontro com o grupo folclórico forçou o bailarino clássico em mim a reaprender. Senti-m e tocado de im ediato pela espontaneidade, que a dança popular exige, pela rítmica muito mais fortemente diferenciada, que permite ao pé tocar o chão de uma forma completamente diferente” (Wosien, 2000, p.108).

A partir desse encontro recebeu o convite para participar da fundação de um grupo de arte popular dos sérvios, envolvendo-se na pesquisa de velhos costumes e tradições desse povo. Dedicou-se a aprender e dominar os passos das danças populares as quais dizia ser um dialeto, uma arte introvertida, sem necessidade de espectadores; contraposta ao balé clássico, que seria uma linguagem erudita e extrovertida, destinada ao público.

região, nas casas e nos campos das famílias, fora, nos lugares comuns a toda a comunidade. Esta arte é introvertida. As pessoas se encontram num círculo, se olham. Eles não precisam de espectadores, nem tão pouco contam com eles. Logo reconheci o fundo religioso e ritual destas danças e essa compreensão foi ficando cada vez mais forte. (Wosien, 2000, p. 109)

O estudo e o contato com a música e a dança popular traziam-lhe o sen­ tido e a com preensão da essência de um povo. A s formas e as expressões artísticas vislumbradas traduziam aquela essência que, revelada na arte, dava-lhe a possibilidade de “ler o caráter, a imagem anímica, a vida e seus enraizamentos.” (Wosien, 2000, p.109). Sua formação humanística, assim com o os estudos de teologia da sua juventude, permitia-lhe captar os sig­ nificados sim bólicos presentes naquelas danças. N o universo de todas as danças populares pesquisadas, tinha especial admiração e entusiasm o pelas danças que estavam enraizadas na fé.

Sua preferência pelas danças que tinham um fiando religioso e ritual, co ­ nectadas com a fé, certamente está ligada a suas próprias raízes: Bernhard era filho de um pastor evangélico e seu lar espiritual original foi a com u­ nidade evangélico-cristã. Por influência de seu pai, estudou Teologia na universidade, mas abandonou o curso quando deparou com um problema relativo ao homo religiosus.

Meu pai sempre fora para mim um modelo de um homem de fé férrea; agora ele se tornara uma medida de minha própria distância da fé. Eu duvidava, autocriticamente, que eu pudesse preencher as condições, para, algum dia, me tornar, por toda uma vida, um pastor de almas a serviço da igreja. Além disso, eu já podia medir o valor da linguagem sem palavras da música e da dança. Aqui a vivenciada harmonia de corpo, espírito e alma, na área poética; lá a cientificação de antiqüíssimas verdades reveladas. (Wosien, 2000, p. 19)

N a dança, ele encontrou uma base religiosa nova e profunda, que reügava alma, corpo e espírito, na linguagem sem palavras, vivenciada diretamente pelo dançarino. Foi da consciência d o “seu problema” com o homo religiosus que decidiu seguir a carreira de bailarino profissional e, creio, n o seu per­ curso, pode estar sensível e aberto às expressões da religiosidade popular, nos cultos celebrados através das danças. A velha dança de roda dos povos fez-lhe integrar suas vivências mais interiores, mais íntimas, às vivências da técnica d o bailado. C om o ele disse, a musa da dança anunciou-lhe e indicou cam inhos que percorreu com brilho e leveza, n os palcos e na rua, dançando, aprendendo e ensinando.

E m 1960, despediu-se definitivamente da dança dos palcos e dedicou-se inteiramente à pedagogia. N o ano de 1965, foi convidado para atuar com o docente na Universidade de Marburg, “na área de Ciências Educacionais do Departam ento para E scola para Excepcionais, sob a designação Procedimentos

da pedagogia de grupo.” (Wosien, 2000, p.25).

Form ou um grupo na Escola Superior Popular de Munique, com o qual viajava durante as férias, para conhecer as velhas danças de roda européias e recolhê-las em primeira mão. Foi, por exemplo, para Creta, onde as danças de roda ainda se mantinham vivas. Essa viagem direcionou seus estudos e aprofundamentos das danças de todos os povos do leste europeu que ainda as preservavam: Macedônia, Iugoslávia, Polônia, Rússia.

D a pesquisa e da vivência das antigas danças, nas quais identificava a to­ talidade do hom em na relação com os mistérios do mundo, reafirmando sua dim ensão sagrada, podem os perceber a gênese da dança meditativa no círculo. Inicialmente partilhada com seus alunos e depois socializada com outros grupos, a prática da meditação em m ovim ento, da oração sem pala­ vras, do caminhar no silêncio chega-nos co m o Dança Circular Sagrada.

C om o ele disse: “N as formas mais antigas das danças circulares encontrei o cam inho para a meditação da dança, com o um caminhar para o silêncio. Esta meditação tornou-se para mim e m eus alunos uma oração sem pala­ vras. Sintonia dos acordes harm ônicos do espírito, do corpo e da alma.” (Wosien, 2000, p. 117).

N a dança de roda: o mundo circulado, passado