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O SEGUNDO ARTIGO: ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS DE QUATRO

CAPÍTULO I A EMERGÊNCIA DO CONCEITO DE COMUNIDADE : REALISMO,

1. INTRODUÇÃO

2.2. O SEGUNDO ARTIGO: ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS DE QUATRO

O ataque ao eu substancialista levado a cabo no artigo anterior sob a forma da sua invalidação como hipótese explicativa dos “factos internos” e da cognição faz- nos desembocar em pleno “espírito do cartesianismo”71, cujas características, em oposição à filosofia escolástica que o antecedeu, são, segundo Peirce, as seguintes: a dúvida universal como ponto de partida da filosofia; a consciência individual como teste último da certeza; um fio argumentativo único como estratégia de fundamentação e justificação, frequentemente dependente de “premissas inconspícuas”; e, finalmente, ter como resultado tornar as coisas absolutamente inexplicáveis. Peirce defende exactamente o contrário destas quatro pretensões e isto

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Este texto, cujo título original é “Some Consequences of Four Incapacities”, será a partir de agora identificado com a seguinte sigla : CFI.

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em nome das exigências da ciência e da lógica modernas72. Assim, à dúvida metódica cartesiana opõe a dúvida real, aquela que surge de facto num determinado contexto problemático, e que tanto pode ocorrer na investigação científica como na experiência quotidiana. O que se passa, segundo Peirce, é que nunca estamos realmente num estado de descrença total, nem conseguimos dispensar “com uma máxima”73

todos os preconceitos que constituem, afinal, o nosso ponto de vista, a nossa posição na relação cognitiva com o mundo ; o cepticismo radical é auto-ilusão. A dúvida será, em Peirce, resgatada das suas implicações cépticas e integrada positivamente no método; deixa de ser contraditória ou estéril, passa a produzir resultados substantivos em vez de condenar a filosofia ao formalismo74. Também a certeza individual é um “fundamento” pernicioso. Aliás, já o artigo anterior chamara a atenção para os problemas do sentimento subjectivo e para a forma como a confirmação de expectativas e da nossa própria identidade depende do testemunho dos outros: o conhecimento é um assunto comunitário e a certeza decorre do acordo sobre uma teoria posta à prova por todos aqueles que investigam.. A filosofia deveria, pois, “imitar as ciências de sucesso nos seus métodos”75

e recorrer a múltiplos e variados argumentos: um feixe ou cabo é sempre mais forte do que um único elo. Finalmente, presumir uma inexplicabilidade na base dos fenómenos que se

72 C.P.5.265 73 C.P. 5.265; W2.212 74

cf. Browning, D., “The Limits of the Practical in Peirce’s View of Philosophical Inquiry” in Moore, E.C. e Robin, R.S. eds., From Time and Chance to Consciousness, Oxford / Providence, Berg, 1994, pp.15-29, onde se discutem as ambiguidades da cocepção de dúvida em Peirce.

Este tema é retomado na famosa metáfora do pântano, de 1898, onde Peirce reafirma o seu anti-fundacionalismo : não há um ponto de vista privilegiado e neutro sobre a totalidade, estamos sempre já in media res e na posse de algum conhecimento provisório.

pretende explicar é perfeitamente injustificado, dado que o objectivo é, precisamente, explicar; é uma forma arbitrária, autoritária de travar o processo de investigação, é uma estabilização artificial.

Como de algum modo aquelas características do cartesianismo se justificam à luz de uma determinada teoria acerca da mente e do conhecimento, a sua refutação e a aceitação concomitante destas contra-propostas ficará estabelecida se continuarmos o processo de demolição desta mesma teoria da mente e do conhecimento. O primeiro dos três artigos aqui em causa, ao responder às sete questões acerca de faculdades reivindicadas para o homem permitira-nos identificar quatro incapacidades : 1) não temos poder de introspecção; 2) não temos poder de intuição; 3) não temos o poder de pensar sem signos; 4) não temos concepção do absolutamente incognoscível. Agora, trata-se de sujeitar a teste estas quatro hipóteses, de retirar consequências delas para delimitar uma alternativa consistente à res cogitans cartesiana e ao nominalismo típico de toda a filosofia moderna.

A primeira proposição implica abandonar a “via” da auto-consciência como modo de acesso cognitivo ao mundo externo (e interno). A descrição da acção mental terá, mais uma vez, o estatuto de uma hipótese que deve ser levada até às suas últimas consequências: “Por outras palavras, devemos, tanto quanto for possível sem hipóteses adicionais, reduzir todos os tipos de acção mental a um tipo geral.”76

. Afastado o conhecimento imediato, a intuição, resta o conhecimento mediato ou discursivo, a inferência; e é esta então a hipótese em causa acerca do funcionamento

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C.P.5.265; W2.213.

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mental: “(...) devemos, tanto quanto possível, sem qualquer outra suposição a não ser que a mente raciocina, reduzir toda a acção mental à fórmula do raciocínio válido.”77

As duas primeiras proposições permitem, então, identificar toda a actividade mental com o raciocínio válido e com a recensão das suas formas possíveis : pensar é inferir dedutiva, indutiva ou hipoteticamente, “ou então ele  raciocínio válido  combina duas ou mais destas características.”78

Dedução, indução e hipótese79 são três espécies diferentes de raciocínio válido, mas integram um mesmo género, partilham uma forma geral80, e esgotam toda a descrição possível da actividade mental de uma forma que não é perturbada sequer pela possibilidade do erro, pelos raciocínios falaciosos81.

A terceira proposição afirma que não podemos pensar sem signos; isto é, que a actividade mental, ou inferência, envolve a presença na consciência de uma representação - seja ela um sentimento, uma imagem ou uma concepção - que funciona sempre como um signo. Trata-se, como diz Thompson82, de especificar a natureza dos acontecimentos que ocorrem no processo mental. Este signo é, simultaneamente, “uma manifestação fenoménica de nós próprios” e “um fenómeno

77 C.P. 5.267; W 2.214. 78 C.P. 5.276; W 2.217. 79

Tanto a indução como a hipótese são “reduções da multiplicidade à unidade” - cf. C.P.5.275 para a indução e C.P.5.276 para a hipótese – logo, são formas de síntese, para usar o termo kantiano, ou de obtenção de conhecimento.

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C.P. 5.279.

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C.P. 5.280-282. Até as falácias se conformam à fórmula da inferência válida. Não há erros absolutos. Segundo Hookway, trata-se de racionalizar a irracionalidade ; a caridade é constitutiva da compreensão dos outros. cf. C. Hookway, Peirce, London, Routledge, 1985,p.32.

82

Thompson, M., The Pragmatic Philosophy of Charles Sanders Peirce, Chicago, University of Chicago Press, 1953, p.42.

de algo fora de nós”83 e constitui assim o mental propriamente ditto. Este é, então, dinâmico, ou implica, como tinha já sido afirmado no artigo anterior, temporalidade, tal como se pode compreender a partir da descrição que Peirce faz da noção de signo: “Ora, um signo tem, enquanto tal, três referências: 1º, é um signo em relação a algum pensamento que o interpreta; 2º, é um signo em relação a algum objecto do qual é um equivalente nesse pensamento; 3º, é um signo, em algum aspecto ou qualidade, que o põe em relação com o seu objecto.”84 O primeiro correlato estabelece a acção mental como um fluxo ininterrupto de acordo com a lei de associação de ideias : um pensamento-signo (“thought-sign”) é sempre interpretado ou traduzido num outro subsequente, o que desde logo decorre da nossa incapacidade para a intuição. O pensamento é um processo contínuo no tempo e a única interrupção concebível é “que todo o pensamento tenha um fim abrupto e definitivo com a morte.”85

O segundo correlato, “a coisa externa real”, é referido pela mediação de um pensamento anterior, que o denota, uma vez que cada pensamento é determinado por um pensamento anterior e não directamente - intuitivamente - por um “objecto transcendental”. E, finalmente, o terceiro correlato é o próprio pensamento, tal como é pensado no pensamento subsequente para o qual é um signo. Assim, ainda que possamos considerar duas outras propriedades dos signos, de grande importância para a teoria da cognição, designadamente as qualidades materiais do signo e a sua aplicação puramente demonstrativa, a função representativa do signo não está nem

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C.P. 5.283; W 2.223

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“Now, a sign has, as such, three references : 1st, it is a sign to some thought which interprets it ; 2d, it is a sign for some object to which in that thought it is equivalent; 3d, it is a sign, in some respect or quality, which brings it into connection with its object.” ( C.P. 5.283; W 2.223).

num nem noutro destes aspectos mas antes consiste naquilo que um signo é para um pensamento : não em si próprio ou na sua relação real com o seu objecto. O signo é, pois, irredutivelmente triádico86. O carácter-signo de todo o pensamento, a sua interpretabilidade indefinida, tem como corolário a constatação de que o sentido de um pensamento é algo de virtual, nunca completamente determinado87 , dado que um pensamento não é um objecto, uma coisa, mas um acontecimento, um acto da mente88 que envolve tempo e cujo sentido depende da relação com pensamentos subsequentes. A psicologia associacionista equivoca-se ao descrever o fluxo de pensamento como uma sucessão de imagens entendidas como representações singulares absolutamente determinadas, como se a sensação fosse uma cópia fiel de objectos dados com todos os seus detalhes, esquecendo que cada sentido é “um mecanismo de abstracção”89

e que afinal “a associação de ideias consiste nisto, que um juízo dá origem a outro juízo, do qual é o signo. Ora isto não é mais nem menos do que inferência.”90

A quarta proposição faz intervir um elemento central da alternativa proposta por Peirce à mente cartesiana e empirista: a noção de comunidade. O que ela afirma, então, é que o absolutamente incognoscível é absolutamente inconcebível. Esta é uma discussão que tanto se dirige a Descartes como à coisa-em-si kantiana. Postular

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C.P. 5.284; W 2.224

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A relação semântica, de representação, de um signo com aquilo que ele significa, depende do nosso uso ou compreensão dele como um signo dessa coisa: e ainda que um signo possa não ser interpretado de facto, só é signo por ser capaz de ser interpretado ou compreendido num certo modo. É signo de algo para alguém, envolve sempre três termos. Cf.Hookway, C.,Peirce, London, Routledge, 1985,pp.32-33.

87 C.P. 5.289; W 2.227 88 C.P. 5.288. 89 C.P. 5.306

algo como real, existente, mas inacessível ao conhecimento não faz sentido fora do quadro cartesiano do conhecimento como intuição. Dada a descrição do pensamento como processo, estamos em qualquer momento de posse de certas cognições resultando de uma “série infinita de induções e hipóteses”91

e essas cognições são de dois tipos : “as verdadeiras e as falsas, ou cognições cujos objectos são reais e aquelas cujos objectos não são reais”92

. A própria noção de real decorre de uma inferência feita a partir da nossa capacidade de auto-correcção : “É uma concepção que devemos ter tido pela primeira vez quando descobrimos que havia algo de não real, uma ilusão; ou seja, quando nos corrigimos a nós próprios pela primeira vez.”93

O facto da auto-correcção implica, por sua vez, uma distinção entre “um ens relativo a determinações internas privadas, às negações que pertencem à idiossincrasia” e “um ens tal que subsistiria no longo prazo”, ou seja, o contraste entre a experiência individual e um ideal de estabilidade, uma extensão do modo como tinha sido descrita a origem da hipótese do eu a propósito da refutação de um acesso privilegiado a uma auto consciência. Dito de outro modo, é o resultado de uma inferência e é aquilo em que “mais cedo ou mais tarde, a informação e o raciocínio finalmente resultariam, e que, consequentemente, é independente das variações

90 C.P. 5.307. 91 C.P. 5.311 92

C.P. 5.311. O sentido do termo “real” está, assim, estreitamente ligado ao sentido de termo “verdadeiro”, implicam-se mutuamente, sendo que a pretensão à verdade é simultaneamente uma pretensão ou afirmação da possibilidade do conhecimento do real. Trata-se aqui do “realismo escolástico” de Peirce, expresso mais adiante no texto, onde Peirce afirma que não conhece realidade mais profunda que o objecto de uma representação verdadeira.

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individuais”94

. Esta estabilidade em que resultaria “finalmente” a informação e o raciocínio é o ponto de vista que permite avaliar os “fracassos” individuais pontuais - e já não simplesmente o testemunho dos outros. Há que evitar cair em critérios utilitaristas quanto ao valor lógico e epistemológico dos conhecimentos. Ou seja, surge aqui já uma distinção entre o plano da experiência e o plano do ideal que conduz a nossa abordagem dessa experiência e que é a finalidade última do inquérito - tema que irá ser insistentemente abordado e desenvolvido a partir daqui em direcção a uma concepção normativa da lógica, a uma articulação entre lógica e ética, ao tema da diferença entre teoria e prática - e que tem uma expressão clara na problemática da descontinuidade entre os métodos de fixação da crença que irá ser objecto do próximo capítulo deste trabalho. Assim, a concepção de real exige a noção de uma comunidade sem limites definidos e capaz de um aumento definido de conhecimento ou de progredir em direcção à estabilidade no longo prazo95 e substituindo o sujeito cartesiano auto-contido e auto-suficiente: o indivíduo não fornece garantias suficientes de estabilidade. A noção de incognoscibilidade é posta em causa dada a admissão de que a verdade e a realidade são aquilo que seria descoberto se o inquérito continuasse suficientemente, no longo prazo. Esta admissão depende, por sua vez, de uma interpretação estatística da indução que será defendida no artigo seguinte.

A noção de realidade é, assim, o resultado de um processo de investigação e não um dado ou uma qualquer transcendência, exterior ao discurso. Pelo contrário,

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em Peirce o real é “aquilo que é representado numa representação verdadeira”96

e esta é uma descrição que corresponde a uma posição realista: “Consequentemente, aquilo que é pensado nestas cognições é real, tal como realmente é. Não há, então, nada que nos impeça de conhecer as coisas externas tal como realmente são, e é muito provável que assim aconteça em inúmeros casos,embora não possamos ter a certeza absoluta de que o fazemos em algum caso especial.”97

. Uma aplicação desta noção de real a um objecto específico como a mente mostra, e isto em função da investigação levada a cabo neste e no artigo anterior, que a realidade da mente consiste em realizar inferências ou “a mente é um signo que se desenvolve segundo as leis da inferência”; e que “a palavra ou signo que o homem usa é o próprio homem”98

. Esta parece, então, ser uma definição anti-individualista de homem: enquanto signo, não é uma entidade estática ou definitiva e absolutamente determinada, mas o seu sentido depende de interpretação num outro signo. Aquilo que uma coisa é, é aquilo que finalmente será conhecida como sendo num estado ideal de informação completa, “de modo que a realidade depende da decisão última da comunidade”99

. Todo o pensamento que se dá num determinado momento, embora aparentemente actual, é afinal apenas pensamento em potência, dependente do pensamento futuro da comunidade. A pedra de toque da verdade e da realidade

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“And so those two series of cognition – the real and the unreal – consist of those which, at a time sufficiently future, the community will always continue to re-affirm; and of those which, under the same conditions, will ever after be denied.” (C.P. 5.311).

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C.P. 5.312

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“Consequently, that which is thought in these cognitions is the real, as it really is. There is nothing, then, to prevent our knowing outward things as they really are, and it is most likely that we do thus know them in numberless cases, although we can never be absolutely certain of doing so in any special case.” (C.P. 5.311)

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deixou definitivamente de ser um momento inicial, uma qualquer fundação, do inquérito (estamos sempre já no processo - somos lançados no meio dos acontecimentos), para ser a finalidade que o orienta, um estado futuro esperado e regulador, um ideal. Assim, qualquer momento do percurso é relativizado - falível - em função dessa finalidade, o que equivale a dizer que nenhum momento está absolutamente fundado mas depende do aumento do conhecimento ou da progressão do inquérito. Também o homem individual, tal como qualquer cognição particular, é apenas negação.

O contexto de emergência do tema da comunidade é, directamente, epistemológico. Ele começa a definir-se ainda na discussão da primeira questão das QFM, quando se chama a atenção para a insuficiência de uma autoridade interna, individual, para se decidir do carácter intuitivo de uma cognição100; e atinge um ponto decisivo na resposta à segunda questão, acerca da existência ou não de uma auto-consciência intuitiva. Assim, podemos encontrar já aqui os dois critérios de validação do conhecimento, ou da admissibilidade das hipóteses, que, combinados, virão a constituir o núcleo normativo da noção de comunidade, definindo a sua função epistemológica 101: a auto-consciência é uma hipótese, o resultado de uma inferência validada pela experiência ou tendo em vista explicar os factos, por um lado, e, por outro, pelo testemunho dos outros, que confirma ou não a experiência individual. A falta de autoridade do ponto de vista individual é ainda maior se

99 C.P. 5.316. 100 C.P. 5.214-15; W.2.194-5 101

Com consequências para a teoria peirceana de verdade, que não é já uma teoria da verdade como adequação, sem ser ainda completamente uma teoria coerentista. Cf Thayer,

considerarmos a resposta à terceira questão posta no primeiro artigo, ou a terceira incapacidade identificada no segundo, isto é, o facto de que todo o pensamento é um signo , ou, que não podemos pensar sem signos. A linguagem, enquanto dimensão incontornável numa teoria do conhecimento, implica uma concepção da racionalidade como um conjunto de operações externalizáveis e submetidas a regras, coincidindo com a concepção anti-psicologista da lógica em Peirce, como disciplina cujo objecto de estudo são os produtos do pensamento tal como se manifestam em proposições e argumentos.

Mas é a propósito da definição de real, no âmbito da discussão de uma quarta incapacidade humana - a de conceber o incognoscível - que é explicitamente introduzida a comunidade, acompanhando uma afirmação anti-fundacionalista decorrente da incapacidade para a intuição : o real não é dado, é inferido como hipótese explicativa de certos factos, do erro; e falibilista: não havendo uma recepção imediata de qualquer parcela de realidade que funcione como fundamento, antes sendo esta uma concepção que resulta de uma inferência na medida em que se pretende dar conta de factos da experiência, a garantia da validade do conhecimento dependerá da confirmação experimental possível e do acordo comunitário, do testemunho dos outros num dado momento. Ou, se quisermos, a garantia é o método102 de investigação com o qual abordamos a experiência partindo de uma dúvida real, propondo hipóteses explicativas, verificando essas hipóteses e

“Peirce on Truth” ” in Caws, P., ed., Two Centuries of Philosophy in America, Oxford, Basil Blackwell, 1980, pp.63-76.

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Daí a necessidade de: 1) validar as leis da lógica; 2) afirmar a superioridade do método científico.

respeitando as regras de inferência, assegurando desse modo a convergência representada pela noção de comunidade.

É importante salientar, finalmente, o modo como as posições anti- individualistas, anti-fundacionalistas e falibilistas afirmadas até aqui por Peirce são componentes fundamentais do seu realismo: é que, se a sua definição de real no segundo artigo como dependente da decisão final a comunidade pode fazer pensar num convencionalismo afinal nominalista, é preciso considerar, em primeiro lugar, que o que está em causa é a insuficiência do indivíduo no que respeita à exigência de inteligibilidade que comanda o inquérito103; em segundo lugar, que os resultados, falíveis e aproximativos, do inquérito não são simplesmente uma versão humana e abreviada do modo como as coisas realmente são, mas que, para Peirce, o conhecimento é literalmente possível e suficientemente justificável. Desde logo, então, o passo seguinte será justificar o modo de funcionamento da razão humana no processo cognitivo, que foi nestes dois artigos identificado com a inferência.

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“The individual man, since his separate existence is manifested only by ignorance and error, so far as he is anything apart from his fellows, and from what he and they are to be, is only a negation. This is man,

...proud man,

Most ignorant of what he’s most assured, His glassy essence.” C.P.5.317

2.3. O TERCEIRO ARTIGO: FUNDAMENTOS DA VALIDADE DAS LEIS DA