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O sistema estadual de educação e suas implicações na construção do

2. Metodologia e entrelaçamento da pesquisa

3.1 O sistema estadual de educação e suas implicações na construção do

A Escola Estadual de Ensino Médio João Simões Lopes Neto, conforme já foi apontado, constituiu-se como espaço de conquista da população local, embora, em uma análise mais abrangente da escola pública brasileira, podemos analisar este espaço de acesso e conquista para a população como ainda restrito. Segundo Paro:

A escola pública mantida pelo Estado, somente o costume generalizado nos leva a chamá-la de pública, já que essa palavra constitui apenas um eufemismo para o termo ‘estatal’, ou a expressão de uma intenção cada vez mais difícil de se ver concretizada. A escola estatal só será verdadeiramente pública no momento em que a população escolarizável tiver acesso geral e indiferenciado a uma boa educação escolar, o que se conquista pelo controle democrático da escola (2000, p.17).

Ainda que a escola apresente-se como pública, o acesso da classe trabalhadora não se promoveu ao longo de sua história com facilidade para a maioria dos educandos. Tendo em vista as políticas públicas de acesso e permanência, os interesses de mercado continuam ditando as regras. Por essa razão, com o intuito de compreender o processo dialógico na escola em questão, no momento, é de fundamental importância analisar a proposta de ensino politécnico implantada no Rio Grande do Sul, no ano de 2012, bem como o regimento referência das escolas de ensino médio politécnico da rede Estadual16, proposto pela Secretaria Estadual de Educação, que hoje segue de modelo para o Ensino Médio no Rio Grande do Sul.

Para melhor esclarecimento do encaminhamento, retomamos parte do Regimento Referência:

A proposta basicamente se constitui por um ensino médio politécnico que tem por base na sua concepção a dimensão da politecnia, constituindo-se na articulação das áreas de conhecimento e suas tecnologias com os eixos: cultura, ciência, tecnologia e trabalho enquanto princípio educativo. Já a educação profissional integrada ao ensino médio se configura como

16 Documento que tem por finalidade “regulamentar e orientar” as ações das escolas de Ensino Médio

aquisição de princípios que regem a vida social e constroem, na contemporaneidade, os sistemas produtivos. (p.4)

O processo de melhoria e permanência dos estudantes na escola pública necessita inevitavelmente de uma mudança que promova a relação de integração entre o mundo vivido e o conhecimento cientifico, tornando assim o ato de construção de conhecimento um momento de prazer e realização para os educandos, porém a escola pública apresenta um quadro de calamidade no Brasil. Conforme Paro (2000), a oferta de educação permanece precária, colocando as classes populares em espaço de disputa educativa, sem que se reconheça seu valor enquanto sujeitos de sua história.

Na tentativa de compreender o significado das modificações implantadas no Ensino Médio Politécnico, retomamos Frigotto:

A questão crucial para a nova política educacional e, em especial a concepção de ensino médio integrado, é: quais são as exigências para que o mesmo se constitua numa mediação fecunda para a construção de um projeto de desenvolvimento com justiça social e efetiva igualdade, e consequentemente uma democracia e cidadania substantivas e, ao mesmo tempo responda aos imperativos das novas bases técnicas da produção para o trabalho complexo (2010, p.10).

Por meio da análise de Frigotto, observamos que o autor menciona ensino médio integrado, porém a definição e o uso do termo estão gradativamente preenchendo o espaço destinado ao Ensino Politécnico, por uma questão de nomenclatura.

A proposta em questão, ou seja, o ensino médio politécnico prevê, dentre seus objetivos, ‘Possibilitar formação Ética, o desenvolvimento da autonomia intelectual e o pensamento crítico do educando’. (Regimento Referência das Escolas de Ensino Médio Politécnico, 2011, p.4), o que vem ao encontro da necessidade de diálogo no interior da escola.

No entanto, devido à falta de discussão da proposta,de condições insuficientes de pessoal e de estrutura da escola, o ano de 2011 foi marcado por reuniões com professores e com a comunidade escolar, com a intenção de discutir a implantação do novo modelo na escola. Devido à precariedade de condições, a comunidade escolar optou pela não implantação do mesmo, resultado que pode ser analisado nas atas de reuniões do conselho dos meses de abril a novembro.

Nas falas dos professores e da comunidade, é possível observar um grande descontentamento com a abrupta mudança anunciada pela Secretaria de Educação,

falas essas que resumem-se à seguinte ideia: ‘será mais uma proposta de governo, que tende a ser engavetada’17

. Os professores despreparados para trabalhar com o novo modelo não conseguem sequer reunir-se para um estudo detalhado da implantação, devido à própria estrutura da Escola.

Ao final do ano de 2011, no dia 04 de novembro, estiveram presentes na escola, o professor Círio Machado de Almeida, coordenador de educação da 5ªCoordenadoria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, juntamente com a assessoria pedagógica da mesma. Naquela oportunidade, tendo reunido a comunidade escolar (cerca de 250 pessoas, inclusive com um grande número de educandos), para ouvir angústias e anseios da comunidade escolar e analisar a viabilidade da proposta de modificação do Ensino Médio para o denominado Ensino Médio Politécnico. Ocorre que a comunidade, naquele momento, optou pela não implantação da proposta e não obteve respaldo da coordenadoria que, por sua vez, justificou-se, acentuando a necessidade de modificação do Ensino Médio, por representar a política Estadual de Educação.

Entre as justificativas da comunidade, estava a incerteza quanto à avaliação, a inviabilidade do turno inverso, devido à impossibilidade de transporte escolar que atendesse aos alunos, que em sua maioria são da zona rural. O outro motivo apresentado foi a necessidade que os alunos têm de trabalhar na lavoura, o que impede a presença na escola nos dois turnos.

A passagem do texto de Paulo Freire, a seguir, ilustra o ocorrido naquela ocasião na escola:

As massas passam a exigir voz e voto no processo político da sociedade. Percebem que outros têm mais facilidade que eles e descobrem que a educação lhes abre perspectiva. Às vezes, emergem em posição ingênua e de rebelião e não revolucionária ou se defrontam com obstáculos. Começam a exigir e criar problemas para as elites. Estas agem torpemente, esmagando as massas e acusando-as de comunismo. As massas querem participar mais na sociedade. As elites acham que isto é um absurdo e criam as instituições de assistência social para domesticá-las. Não prestam serviços, atuam paternalmente, o que é uma forma de colonialismo. Procura-se tratá-las como crianças para que continuem sendo crianças (1985, p.37).

No momento em que a comunidade escolar propõe-se a discutir a proposta do governo do Estado e também a confrontá-la com sua realidade de modo a fazer com que a agência estadual (5ª coordenadoria), enquanto representação, perceba a

inviabilidade de implantação da mesma, ocorre uma reflexão sobre a ação pedagógica que indaga a respeito das formas de dar voz às massas para que estas possam escolher o modelo educativo para seus filhos. Todavia, esta questão gerou desconforto por parte dos representantes da coordenadoria e da própria secretária de educação, que já haviam pensado e discutido uma proposta em nível estadual para a educação, sem ouvir as comunidades locais.

A educação que se pretende para o povo deve ser construída com ele, no sentido de fazer surgir o compromisso do profissional com a sociedade, como nos alerta Freire:

Em primeiro lugar, a expressão “o compromisso do profissional com a sociedade” nos apresenta o conceito de compromisso defendido pelo complemento “do ato profissional”, ao qual segue o termo “com a sociedade”. Somente a presença do complemento da frase indica que não se trata do compromisso de qualquer um, mas do profissional. A expressão final por sua vez, define o polo para o qual o compromisso se orienta e no qual o ato comprometido só aparente terminaria, pois na verdade não termina [...] (1985, p.15).

O ato educativo comprometido, no sentido de realizar uma reforma de base na educação, discutida com as comunidades e que leve em conta suas especificidades, proporcionaria um sentimento de responsabilidade com a mudança e de compromisso dos profissionais e da sociedade, fazendo com que a realidade orientasse a prática, pois, conforme destacado acima, as massas querem discutir e participar das propostas de políticas públicas. A falta de compreensão da necessidade de participação torna “o compromisso [...] uma palavra oca, uma abstração, se não envolvesse a decisão lúcida e profunda de quem o assume. Se não se desse no plano concreto”(Freire, 1985,p.15).

Diante da implantação da proposta educativa, mesmo com as manifestações contrárias da comunidade escolar, o ano de 2012 representou um momento muito conturbado para a escola, levando em conta as adaptações necessárias à proposta de trabalho. Em nossas observações, e mesmo em nossa prática, a mudança apresenta-se como necessária, porém a discussão sobre a qualificação das escolas do campo fez-se imprescindível em diversos momentos. Qualificação essa que esbarrou negativamente nas condições estruturais da escola, como por exemplo, o transporte escolar e a falta de contratação de funcionários e professores para um bom andamento do ano letivo.

Adquirir ou alcançar o diálogo efetivo que permite a construção da proposta, seria o caminho para fazer acontecer a mudança necessária para uma real aplicação da politécnica, o que envolve a participação da comunidade nas tomadas de decisões, é um processo a ser conquistado. Sabemos, entretanto, que existem exigências burocráticas que muitas vezes inviabilizam a efetivação plena da gestão. E também salta aos olhos e aos ouvidos de quem vê, vive e escuta a escola pública o quão perdida está quanto a sua finalidade. É tempo da escola repensar as atividades-meio e atividades-fim, pois “a democracia só se efetiva por atos e relações que se dão no nível da realidade concreta” (PARO, 2000, p.18).

Contribuindo para nossa reflexão, trazemos a análise sobre a medida e o modo como a ética do livre mercado e do consumo conseguem penetrar o sentido do currículo. O horizonte de mudanças desse contexto aponta para a modificação das práticas escolares e compreende a predominância das mercadorias culturais e relações sociais e pedagógicas transformadas. Sobre a gestão democrática na escola, Boaventura de Souza Santos nos diz:

é aqui compreendida, como um processo político no qual as pessoas que atuam na/sobre a escola identificam problemas, discutem, deliberam e planejam, encaminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola na busca da solução daqueles problemas. Esse processo, sustentado no diálogo, na alteridade e no reconhecimento às especificidades técnicas das diversas funções presentes na escola, tem como base a participação efetiva de todos os segmentos da comunidade escolar, o respeito às normas coletivamente construídas para os processos de tomada de decisões e a garantia de amplo acesso às informações aos sujeitos da escola (2009, p.125).

A administração da escola pública diferencia-se em sua concepção das demais por sua finalidade pedagógica, o que torna insustentável o uso de métodos e técnicas empresarias, representando um antagonismo às necessidades da escola pública. (Paro, 2000). Em tal processo, a gestão democrática implica a participação da comunidade, e assim, necessariamente participação na execução das decisões, “mas não a tem como um fim e sim como um meio, quando necessário para a participação propriamente dita, que é a partilha do poder, a participação na tomada de decisões” (PARO,1997, p.11).

Essa característica comprova-se pela necessidade de participação da comunidade na escola, tendo em vista os órgãos representativos da comunidade na tomada de decisão, como o Conselho Escolar e o Círculo de Pais e Mestres, que possuem como finalidade envolver-se nas questões administrativas de modo a

controlar as verbas recebidas do Estado e gerar receitas outras, em caso de insuficiência, ampliando seu papel, promovendo e criando mecanismos de entrada de recursos para ampliação de materiais e melhoria nas condições de trabalho. Relembramos aqui a ação do Conselho Escolar, realizada no ano de 2011, em promoção de jantar realizado na Semana Farroupilha no município, quando as verbas arrecadadas foram destinadas à construção da quadra de basquete da escola18.

Processo que se apresenta na proposta do Regimento do Ensino Médio Politécnico, visto que, em sua redação, podemos observar:

O Projeto Político Administrativo e Pedagógico é resultado da construção coletiva de toda a Comunidade Escolar, com a participação e aprovação do Conselho Escolar, respeitando as disposições legais e a Gestão Democrática do ensino, considerando a realidade onde a escola se localiza e suas relações para além deste espaço. Neste sentido, complementam-se Projeto Pedagógico, Regimento Escolar e Plano de Direção: “O projeto Pedagógico é sonhado, idealizado. O regimento Escolar é a diretriz orientadora. O Plano de Direção ou Global, é a agenda de trabalho” (Parecer CEED RS nº 323/99). O Projeto Político Administrativo e Pedagógico completa a fase de desenvolvimento e a possibilidade de construção de projetos de vida, elegendo como referências: o trabalho como princípio educativo e a politecnia, compreendida como domínio intelectual da técnica (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO, 2013, p.8).

Quanto à ampliação das condições para a qualificação da proposta, em observação participante, realizada como representante do conselho escolar, notamos a falta de infraestrutura do Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2012, para dar o suporte necessário à efetivação da proposta, causando, desta forma, uma sobrecarga em professores e funcionários da Escola Estadual de Ensino Médio João Simões Lopes Neto.19

Na proposta da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul, observamos uma preocupação em superar as contradições impostas no interior da escola, tendo em vista a emancipação dos sujeitos que dela fazem parte. Em sua filosofia, ressaltamos a seguinte passagem:

A democratização da gestão, como o direito de todos à Educação, representa a garantia de acesso à escola, do acesso ao conhecimento com qualidade social; do acesso e permanência com aprendizagem; do acesso ao patrimônio cultural e, especificamente do acesso a cidadania(SECRETARIA DA EDUCAÇÃO, 2013, p.3).

18 Fonte: “Diário de Campo”. 19

Nesse sentido, ou seja, na ampliação e democratização da educação, a dialogicidade encontraria espaço de avanço para a nova proposta de ensino, porém no momento de efetivar este espaço, levando em conta os anseios da comunidade escolar, a coordenadoria de educação fez acontecer a política não dialógica, o que em nossa compreensão, reflete na gestão escolar e na autonomia da escola.