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O Terapeuta enquanto variável negligenciada na investigação em psicoterapia (Garfield, 1997)

Quer I quer II têm que cumulativamente cumprir os seguintes critérios:

3. O Terapeuta enquanto variável negligenciada na investigação em psicoterapia (Garfield, 1997)

Se a evolução da investigação em psicoterapia se revelou profícua em avanços metodológicos notáveis (Beutler, et al., 2004; Hill & Lambert, 2004) e numa preocupação genuína pela validação empírica da prática psicoterapêutica, o estudo das características dos participantes, nomeadamente no que respeita às implicações dos psicoterapeutas, foi todavia negligenciado. Apesar do terapeuta ser considerado um agente de primordial importância para o desenvolvimento do processo psicoterapêutico (Beutler et al., 2004; Norcross, 2002a; Wampold, 2001, 2006) e do reconhecimento por parte de psicoterapeutas e investigadores de diferentes inspirações teóricas de que o terapeuta traz mais para a terapia do que a sua formação profissional (Reupert, 2006), a utilização de ensaios clínicos randomizados inerente ao movimento dos TES contribuiu para uma subvalorização nas últimas duas décadas desta componente na investigação, em detrimento dos estudos realizados com os modelos psicoterapêuticos (Beutler & Castonguay, 2006; Beutler, et al., 2004). Tal poderá dever-se ao facto de a investigação das TES se centrar no estudo das terapias enquanto conjunto de métodos, técnicas e procedimentos, que são eficazes, por si só, no tratamento de desordens psicológicas e psiquiátricas (Orlinsky, 1989), sendo a influência dos elementos pessoais ou dos processos subjectivos da experiência humana e das relações entendidos enquanto fonte de erro a ser eliminada ou controlada na investigação (Orlinsky & Rønnestad, 2005).

Esta tentativa de laboratorizar/manualizar a investigação em psicoterapia é desacreditada por investigações que relevam a variabilidade inter-terapeuta enquanto factor determinante no domínio da eficácia diferencial, a saber:

(i) investigações que demonstram que psicoterapeutas da mesma orientação teórica, usando a mesma terapia manualizada, treinados, monitorizados e supervisionados no mesmo contexto, produziam diferentes resultados (e.g., Castonguay, Goldfried,

(ii) meta-análises que sustentam que a variabilidade dos resultados psicoterapêuticos era melhor explicada pelo psicoterapeuta do que por componentes específicas do tratamento (sendo que a variabilidade dos psicoterapeutas explica de 6 a 10% dos resultados (Ahn & Wampold, 2001; Kim, Wampold, & Bolt, 2006; Wampold, 2001); (iii) investigações que atestam a existência de psicoterapeutas que apresentam resultados

consistentemente positivos e psicoterapeutas que apresentam resultados consistentemente negativos (e.g., Orlinsky & Howard, 1986);

(iv) estudos que identificam características dos psicoterapeutas como potenciadores de efeitos iatrogénicos tais como ausência de empatia, subvalorização da severidade do problema do cliente, contratransferência negativa ou dificuldades na gestão da contratransferência (e.g., Hayes, Riker, & Ingram, 1997; D. C. Mohr, 1995);

(v) investigações e meta-análises que sustentam as implicações diferenciais das características dos psicoterapeutas como importantes contributos nos resultados das psicoterapias (e.g., Beutler, Machado, & Neufeldt, 1994; Beutler, et al., 2004; Luborsky, Mclellan, Woody, Obrien, & Auerbach, 1985).

Neste último ponto, destacamos o contributo incontornável das revisões do corpo dos principais estudos realizados acerca do impacto das características dos psicoterapeutas nos resultados das diferentes psicoterapias e que têm sido publicados no Handbook of Psychotherapy and Behavior Change ao longo dos últimos 30 anos (e.g., Beutler, Crago, & Azrimendi, 1986; Beutler, et al., 1994; Beutler, et al., 2004; Parloff, Waskow, & Wolf, 1978). No entanto, apesar da preocupação, nomeadamente no que respeita às últimas duas edições (Beutler, et al., 1994; Beutler, et al., 2004), de incluírem na sua revisão características extraterapêuticas (traços) e características específicas à intervenção (estados), os autores concluem que nos últimos 20 anos se verificou uma acentuação no declínio de investigações de características dos psicoterapeutas não associadas a efeitos específicos do tratamento ou à sua implementação:

Observable and inferred traits of the therapist have seen the greatest decline in research interest, even though several factors within these clusters of variables have, over the years, been viewed as being very promising predictors of treatment outcome. (Beutler, et al., 2004, pp. 289-290)

Paradoxalmente, se bem que os investigadores sublinhem a importância de se considerar características dos psicoterapeutas que não se encerrem nas suas opções teóricas, encorajando mesmo à realização de investigações que substituam os TES por empirically validated psychotherapists (Lambert & Ogles, 2004, p. 169), efectivamente os estudos das características dos psicoterapeutas permanecem como ilhas isoladas (Orlinsky & Rønnestad, 2005) no largo espectro de investigação em psicoterapia.

Adicionalmente várias limitações (e.g., Gelso & Hayes, 2002; Lambert, 1989; Orlinsky & Rønnestad, 2005; Reupert, 2006) têm sido dirimidas às investigações neste domínio, a saber: (i) a maioria dos estudos se limitarem a psicoterapeutas dos Estados Unidos da América; (ii) as amostras escolhidas serem constituídas na sua maioria por psicoterapeutas em formação, em detrimento de psicoterapeutas experientes ou em exercício da prática clínica; (iii) o leque de variáveis estudadas centrar-se em características, tais como idade, classe social, ou tipo de personalidade, em detrimento das características internas e pessoais dos psicoterapeutas; (iv) a maioria dos estudos sobre o self do terapeuta se focalizar numa perspectiva teórica, em detrimento da investigação transteórica das experiências dos psicoterapeutas. Esta última limitação é ainda reforçada por investigações que sustentam que a própria escolha da orientação teórica é inerente à pessoa do psicoterapeuta, sendo inseparável da sua personalidade, experiências, valores e filosofias pessoais (e.g., Norcross & Prochaska, 1983; Vasco, 1992), constatação esta já enunciada por Strupp (1978):

The person of the therapist is far more important than his theoretical orientation ... techniques are inert unless they form an integral part of the therapist as person... (p. 314). In the end, each therapist develops his or her own style and the ‘theoretical orientation’ fades into the background. What remains salient is a unique personality combining artistry and skill. (p. 317)

Muito recentemente Reupert (2006), no seu artigo The Counsellor’s Self in Therapy: An Inevitable Presence, refere que não se sabe ainda o que os psicoterapeutas trazem pessoalmente para os seus clientes ou como as suas qualidades e características se relacionam com os processos e resultados psicoterapêuticos, positiva ou negativamente.

Conscientes do percurso negligenciado do psicoterapeuta (Garfield, 1997) enquanto variável incontornável do processo psicoterapêutico e do facto, já há muito constatado pelos clínicos, de que alguns psicoterapeutas são simplesmente melhores do que outros (Gelso & Hayes, 2007), duas grandes linhas de investigação de carácter metodológico diferenciado centraram-se no estudo do desenvolvimento do psicoterapeuta, procurando relevar desta feita representações acerca de experiências de carácter pessoal e profissional sentidas como relevantes no seu desenvolvimento. O estudo do desenvolvimento dos psicoterapeutas, poderá relevar-se fundamental na compreensão da complexidade inerente à eficácia da psicoterapia, dado permitir-nos uma compreensão sustentada na experiência e na integração dos diversos dispositivos passíveis de interferirem na evolução do processo psicoterapêutico, nomeadamente os dispositivos relacionais. Por outro lado, na génese destes estudos encontra-se, à semelhança da clínica propriamente dita, um genuíno interesse nos arquétipos acumulados dos psicoterapeutas, quer como mecanismo para a diferenciação progressiva dos elementos consubstanciados como determinantes no processo psicoterapêutico, quer numa compreensão dos meios preferenciais para o desenvolvimento de psicoterapeutas humanos e potencialmente competentes.

If a more accurate and comprehensive conceptualization of therapist counselor development is attained, we can better arrest the negative avenues of professional development such as incompetence, impairment, burnout, and disillusionment. (Rønnestad & Skovholt, 2003, p. 6)

A primeira linha de investigação que será objecto de análise assenta num projecto internacional organizado por membros da Society for Psychotherapy Research (SPR, rede de investigação colaborativa). O estudo pretende analisar à luz de uma metodologia quantitativa as características, práticas e experiências de psicoterapeutas. A segunda linha de investigação assenta numa metodologia qualitativa e tem sido desenvolvida por Shovholt, Rønnestad, Jennings, Sullivan e colaboradores (1995, 2003, 2005) no sentido de estudar as diferentes representações de desenvolvimento dos psicoterapeutas com diferentes graus de experiência e de diferentes orientações teóricas, destacando-se os estudos no domínio de expertise em psicoterapia.

Trata-se de estudos que não acedem aos resultados da psicoterapia, demarcando-se assim de estudos de eficácia diferencial, mas que procuram relevar a importância da pessoa do psicoterapeuta, sublinhando através das continuidades e descontinuidades desenvolvimentais o mito da uniformização dos psicoterapeutas (Kiesler, 1966). Estes estudos não pretendem de todo negligenciar a importância de outros factores, tais como as características dos clientes e os procedimentos subjacentes às diferentes orientações teóricas, mas procuram relevar uma compreensão holística dos psicoterapeutas enquanto importante contributo para a compreensão da psicoterapia. Adicionalmente, o estudo das representações dos psicoterapeutas parece ser um dos caminhos de acesso privilegiado à sabedoria que muitas vezes permanece encerrada nos gabinetes de intervenção psicoterapêutica e que a investigação parece escamotear.

Knowledge of how therapists’ backgrounds, personalities, and experiences affect their work with patients has been based almost exclusively on therapists’ personal reflections and anecdotes. Therapists often share their experiences and knowledge with trusted colleagues with whom they work closely, but much of this valuable clinical wisdom accrues, and atrophies, in the offices of individual therapists. It has been difficult to generate and retain a collective, cumulative wisdom about the person of the therapist because this information is transmitted so infrequently in public forums (e.g., symposia, workshops, and professional books and articles). (Gelso & Hayes, 2007, p. 113)

Dado que estes dois corpos de investigação assumem especial relevância no presente doutoramento pelo carácter compreensivo dos seus pressupostos e pela sua diversidade metodológica, de seguida apresentaremos uma síntese dos seus principais resultados, precedida por uma breve introdução dos principais condicionalismos que norteiam as opções metodológicas inerentes ao estudo do desenvolvimento dos psicoterapeutas. Adicionalmente, serão também apresentados estudos que, não estando veiculados às linhas supracitadas, oferecem informação complementar às mesmas.