• Nenhum resultado encontrado

TRABALHAR E ESTUDAR, EIS A QUESTÃO: O QUE OS ESTUDANTES

4.3 O trabalho no cotidiano escolar do estudante trabalhador

4.3.1 O trabalho na época da escolarização básica

Para Anderson, o trabalho esteve presente na sua vida desde muito cedo, ele relata que, desde os doze anos, já conciliava estudo e trabalho:

É porque, mesmo com doze anos assim, eu estudava, igual que eu falei com você de banda, assim, com doze anos, assim eu já tocava em eventos também. Então eu já fazia bastante coisa! Mas eu conseguia conciliar. Mas era isso, né? Às vezes, tomava minha tarde inteira para dedicar a isso. Trabalhar com isso (Anderson, Museologia noturno, 5º período).

Contudo, observa-se que as primeiras atividades de trabalho de An- derson não foram exatamente vinculadas ao trabalho braçal ou opera- cional, que não exigem muito saber técnico, conforme ocorre com a maioria dos jovens trabalhadores que acaba por se inserir em atividades de baixo prestígio social e com vínculo de trabalho instável.

De acordo com Zago (2000, p. 28), os jovens sem escolaridade, na maioria das vezes, acabam por se inserir em atividades que “geralmente rejeitam” e marcadas pela informalidade:

Sem formação adequada para as exigências do mercado de trabalho (não raro o Ensino Médio e novas qualificações como a informática), não resta outra alternativa senão “pe- gar o que aparece” [...] quando tentam inserir-se na vida ativa, o fazem em ocupações bastante variadas como de office-boy, servente de pedreiro, auxiliar mecânico, balco- nista, babá, empregada doméstica, entre outras.

As considerações de Zago (2000) levam também a questionar a rela- ção desses estudantes para com o trabalho, considerando as suas ambi- ções pela posse de bens de consumo, que são socialmente determinados,

e a necessidade de realizarem atividades com as quais não se relacionam em nada com suas perspectivas futuras.

A trajetória de trabalho precoce de Anderson é marcada por uma modalidade de trabalho que demanda habilidades específicas e voltadas para a execução de atividades ligadas diretamente ao campo da cultura e aquisição de símbolos que acabam por proporcionar uma diferenciação social aos indivíduos.

Conforme o exposto, constata-se que, além de deter um conheci- mento musical que o levou a tocar em eventos desde a idade precoce e manter uma banda até a presente data, as demais atividades de Anderson estavam vinculadas ao campo das artes plásticas, a um conhecimento de restauração, o que demanda, além de habilidades técnicas, elevado conhecimento sobre História e Artes:

Então! Eu já, já ajudava, porque eu trabalhava com uns amigos artistas lá em Mariana. Aí, eu ajudava ela a fazer uns trabalhos de acabamento assim... Ajudava a fazer po- licromia, essas coisas. Porque em Mariana tem muitos ar- tistas, né? É, eu ajudava eles pra ganhar um dinheiro e trabalhei, durante um tempo, no Sacolão Center, aquele negócio de “Posso ajudar” lá. Que fica ajudando as pessoas a embalar, aí eu, eu trabalhava nessas questões, mesmo es- tudando aí no período da tarde, eu ia para esse atelier ou, às vezes, para esse Sacolão Center, que tem lá em Mariana (Anderson, Museologia noturno, 5º período).

É evidente que, ao longo dos anos, as atividades profissionais do estudante foram se diferenciando conforme sua necessidade material, passando a trabalhar, formalmente, como embalador e, atualmente, como professor de Informática e, ainda, desempenhando a atividade de músico, vigente até a presente data, e tendo o contato com as artes. Tais experiências proporcionaram a esse estudante um significativo acúmulo de capital cultural mediante mais aquisição de símbolos socialmente re- conhecidos pela classe dominante, pois:

Segundo Bourdieu, essa transfiguração das hierarquias so- ciais em hierarquias simbólicas permitiria a legitimação ou justificação das diferenças e hierarquias sociais. O [...] in-

divíduo tende a acreditar que sua localização social não se deve a uma estrutura de dominação, mas que, ao contrário, se justifica por suas qualidades culturais intrinsecamente superiores: conforme o caso, sua inteligência, seu conheci- mento, sua elegância ou seu refinamento social. Por outro lado, essa transfiguração das estruturas de dominação so- cial em hierarquias culturais faria com que os indivíduos localizados nas posições dominadas da sociedade tendes- sem a admitir sua inferioridade e a reconhecer a superiori- dade dos dominantes (NOGUEIRA, 2004, p. 46-47).

Para Bourdieu, a posse de certo capital cultural favorece o aprendi- zado dos códigos escolares, pois, na escola, são demandados conheci- mentos e posturas condizentes com as vivências das classes dominantes.

Assim, ao passo que a posse de capitais culturais diferencia os su- jeitos socialmente, levanta-se a hipótese de que o estudante Anderson tenha adquirido um maior capital cultural que, possivelmente, tenha influenciado de forma positiva sua longevidade escolar, inclusive na es- colha dos cursos de História e Museologia, que têm muita relação com a área de artes e cultura.

A trajetória escolar de Reginaldo foi perpassada pelo trabalho agrí- cola, desde a primeira infância, intensificando-se a partir do ensino fun- damental:

Desde a formação de 4ª série, tirando o ano que eu vim pro Dom Bosco, quando eu voltei, aí já tinha uma rotina mais seguida de trabalho. É, eu vim estudar à noite, e já começava a trabalhar sete e até as três e meia, quatro horas trabalhando, depois desse horário que eu pegava o ônibus de cinco e meia. Largava, tomava banho e já vinha direto para a escola! Aí, já não tinha esse intervalo duran- te a semana mais, aí já teria que ser no final de semana ou aproveitar bem as aulas dentro de sala. Aí já não tinha! Já chegava em casa, era em torno de meia noite, meia noite e meia... Então já não, cansado! Porque ia pra roça, trabalho pesado, pedreiro, é arrancar pedra. Capinar mi- lho mesmo! Então você não conseguia estudar mesmo! Dormia, no outro dia, acordava, no outro dia, seis horas. Sete horas você estava na roça (Reginaldo, Estatística no- turno, trancou o 5º período).

A estudante Josiane relatou que começou a trabalhar após concluir o ensino médio, quando foi reprovada na admissão de um curso técnico no IFMG. Assim, permaneceu oito anos sem estudar e, posteriormente, fez curso técnico em instituição particular e agora está cursando o ensi- no superior.

Fernanda mencionou que se casou aos 17 anos e parou de estudar, iniciou trabalho na área de comércio como vendedora e, depois, como gerente de loja. Cursou o ensino médio na EJA e depois optou pelo Magistério, ambos trabalhando no comércio. Após o ingresso no ensino superior, decidiu por estudar e trabalhar, informalmente, como vende- dora de lingerie.