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SEÇÃO 3 AS SINGULARIDADES DO CANTO INDÍGENA:

3.5 O vocativo como convocação, chamado e invocação

“Bora pra luta”37.

Na construção dos poemas de Potiguara e Graúna, um elemento linguístico recorrente é o que denomino “chamado”. Trata-se de uma maneira de o eu etnopoético trazer a atenção do leitor, de um “personagem” e/ou de seres superiores para o texto. Sendo assim, estabeleço três configurações que tornam evidentes essas formas nos poemas. São elas:

Convocação: quando esse chamado aparece em forma de exortação a fim de convencer o leitor da importância da luta indígena;

Diálogo ou chamado para a escuta: as autoras usam o vocativo retoricamente para se fazerem ouvir pelos interlocutores;

Invocação: em forma de oração, Potiguara e Graúna invocam as forças superiores para que seja possível vencer os obstáculos.

Partindo para a análise dos poemas de Graúna e Potiguara, será possível observar como essas três formas estão presentes em suas composições.

a) Convocação38

Desperta, Cunhã! Descruze os braços e suspenda as barras da saia.

A primeira configuração dos vocativos analisados será a que infere uma ideia de convocação. Nos poemas de Potiguara, frequentemente, os vocativos são utilizados com a função de convocar o “possível leitor” para lutar pelos direitos usurpados. Para a análise

37 Epígrafe da própria autora.

38 Como afirma a própria Potiguara, “Eu convoco homens e mulheres — cidadãos, cidadãs do mundo — a refletirem sobre a ideia errônea de que as mulheres são exemplos de estereótipos de santas, anjos ou demônios”

(2019, p. 141, grifo nosso). Ou seja, a poética de Potiguara tem a intenção de convocar a sociedade para pensar sobre a realidade que envolve homens e mulheres indígenas. Esse é um dos motivos para a recorrência do uso do vocativo.

desses poemas, tomo por base o conceito de vocativo abordado por Guimarães ao afirmar que

“a enunciação vocativa não é simplesmente a marcação do TU da cena enunciativa; é o modo de constituição de alguém como aquele (um lugar social) para quem se fala na cena” (2016, p.

173). Nesse sentido, compreendo que os vocativos usados por essa autora marcam um lugar social constituído mediante o processo histórico que envolve toda a nação brasileira. No caso da mulher indígena, trata-se de uma posição mais baixa na hierarquia social.

Passo para a leitura do poema “A denúncia” que faz parte da obra Metade cara, metade máscara:

A denúncia Ó mulher, vem cá Que fizeram do teu falar Ó mulher conta aí...

Conta aí da tua trouxa Fala das barras sujas Dos teus calos na mão O que te faz viver, mulher?

Bota aí teu armamento.

Diz aí o que te faz calar...

Ah! Mulher enganada

Quem diria que tu sabias falar!

(POTIGUARA, 2004, p. 73)

Esse poema está dividido em três estrofes. As duas primeiras são tercetos e a última, um quinteto. Os versos são heterométricos e as rimas são agudas, pois as palavras são oxítonas, e, portanto, o acento recai na última sílaba, em “cá”, falar”, “calar”, e externas, tendo em vista que as palavras que rimam estão no final do verso; os verbos “calar” e “falar”

expressam duas ações opostas, deixando subentendida a situação das mulheres na sociedade, mais acentuadamente as circunstâncias em que se encontra a mulher indígena.

O advérbio de lugar “cá” presente no poema indica o lugar social da mulher, seu lugar de fala, termo empregado por Djamila Ribeiro em sua obra O que é lugar de fala? (2017). O lugar de fala é um espaço social de poder de uma coletividade: negros, indígenas, mulher branca, mulher negra, mulher indígena, de forma específica. Todos os grupos subalternizados têm lugar de fala, uma vez que estão situados em um espaço na sociedade, porém não têm representatividade nos espaços de poder. O escritor indígena Munduruku (2019), em entrevista dada à BBC News Brasil, afirma que a literatura indígena é um importante

instrumento de construção de lugar de fala, permitindo que a sociedade possa esboçar outros olhares sobre os povos indígenas.

A primeira estrofe é iniciada por uma apóstrofe, enfatizando o chamado às mulheres, revelado por meio do vocativo. Considero que o eu poético faz um convite para que elas possam explicar o motivo do silêncio pelo uso dos verbos “vem” e “conta”, pois são marcas de persuasão. É possível notar nesse poema um diálogo com a obra Pode o Subalterno falar?

(2010), de Gayatri Spivak. A autora indiana descreve os subalternos como aqueles que fazem parte das “camadas mais baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão do mercado, de representação política e legal, e da possibilidade de se tornarem membros plenos no estrato social dominante” (2010, p. 12). Nessa obra, a estudiosa traz como exemplo de subalterno as viúvas indianas que eram incentivadas pelas tradições culturais a praticarem a autoimolação e se jogarem na pira onde queimavam os restos mortais dos maridos. Logo, os indígenas brasileiros ocupam uma posição de subalternidade, em razão de os colonizadores terem transformado as diferenças étnicas em desigualdades. O surgimento da literatura indígena pode ser visto, dessa forma, como o rompimento com esse silêncio imposto que o impede de falar de si mesmo, por si mesmo.

Na segunda estrofe, aparece a metonímia, visto que “tua trouxa”, “barras sujas”, “calo nas mãos” substituem “o cotidiano” dessas mulheres. Esses vocábulos são formas que representam as tarefas desenvolvidas por elas, a quem a voz foi negada e para quem o eu se dirige. A fim de melhor entender o termo locutor e alocutário, recorro mais uma vez a Guimarães, levando-se em conta que são termos relevantes na compreensão da postura de convocação das autoras:

Locutor é, na cena enunciativa, o lugar que diz (seu correlato é o Alocutário); alocutário-x é o lugar do qual se diz (seu correlato é o alocutário-x); enunciador é o lugar de dizer. Tomando estas definições, o vocativo agencia alguém (designado por um nome, por exemplo) como o correlato do lugar social do qual se diz (GUIMARÃES, 2016, p. 177).

Desse modo, a voz presente no poema cumpre o papel de locutora e enunciadora e, assim, utiliza os vocativos com o objetivo de solicitar à leitora que faça uso das palavras e mostre que sabe falar. Logo, a locutora desse poema representa um lugar semelhante ao espaço ocupado pelas mulheres a quem está se dirigindo. Ambas possuem posições subalternizadas, porém pela voz poética se percebe que alguns passos já foram dados para a conquista do direito de fala desse grupo.

Na terceira estrofe, o eu do poema retoma outro questionamento, embora de cunho mais filosófico: “o que te faz viver, mulher?”. O uso da interrogação parece ser uma tentativa de fazer com que a interlocutora se expresse por meio da resposta dada, levando-a a refletir sobre a situação em que se encontram as mulheres indígenas. Depois de uma pausa, representada pelo uso das reticências, descobre-se que essa mulher sabe falar. Mas será que está sendo permitido que essas mulheres utilizem os espaços sociais para se pronunciar?

Spivak (2010), em sua obra, chega à conclusão de que o subalterno não pode falar e argumenta alegando que à mulher não é dado nenhum valor e nenhuma prioridade, por isso convoca as intelectuais a representarem essas vozes subalternizadas. Em seu poema, Potiguara afirma que a mulher sabe falar; além disso, faz um apelo para que falem: “contem, denunciem aquilo que te faz calar”. Porém, o “saber” não pressupõe que o direito de fala esteja sendo efetivamente respeitado na sociedade.

Em outros poemas também fica explícito esse convite, como, por exemplo, em

“Mulher” (2004, p. 76-77). Nesse poema, mais uma vez são as mulheres que recebem o chamado para gritar ao mundo a história silenciada delas. Até mesmo no poema intitulado

“Homem” (2004, p. 132-133), o apelo, por meio do vocativo, é para que o homem faça a defesa das mulheres. Essa reivindicação da voz feminina, esse convite para que as mulheres se pronunciem, é uma estratégia de descolonizar um povo que sofreu o jugo da escravidão dos colonizadores.

Era muito comum, até o início do século XX, muitos escritores construírem a imagem do indígena como atrasada em oposição à imagem dos civilizados europeus. Essa imagem permeia toda a obra de Gilberto Freyre Casa grande & senzala, como é possível perceber neste trecho: “Principia a degradação da raça atrasada ao contato da adiantada” (2004, p.157).

Ao se tratar da mulher indígena, essa imagem ainda é mais desvalorizada e coisificada, como se verifica neste fragmento:

O europeu saltava em terra escorregando em índia nua; os próprios padres da companhia precisavam descer com cuidado, senão atolavam o pé em carne.

Muitos clérigos, dos outros, deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram as primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas pernas desses que supunham deuses. Davam-se ao europeu por um pente ou um caco de espelho (FREYRE, 2004, p. 161).

A expressão utilizada pelo autor, “atolar o pé em carne”, denota uma concepção preconceituosa, racista e sexista, dado que as indígenas são concebidas pelo autor como uma classe inferior, considerando-as como selvagens, o lodo da sociedade, a lama onde se enfia o

pé. O europeu civilizado é a personificação da superioridade, por isso tem o poder de domínio. A identidade da mulher indígena delineada aqui é de devassa, vulgar, fácil e interesseira, pois mantém relações sexuais com os brancos em troca de qualquer objeto sem valor.

Os colonizadores interpretavam o ato de não usar vestimentas como um convite e uma afirmativa: “estou disponível a ter relações sexuais”. Muitas vezes, a vontade dessas mulheres não era levada em consideração, ou seja, era comum os casos de estupro, como é assinalado por Freyre:

O furor femeeiro do português se terá exercido sobre vítimas nem sempre confraternizantes no gozo; ainda que se saiba de casos de pura confraternização do sadismo do conquistador branco com o masoquismo da mulher indígena ou da mulher negra (2004, p. 113).

Mesmo tratando dessa violência cometida pelos colonizadores e levado por uma concepção etnocêntrica, o autor denomina as mulheres negras e indígenas como masoquistas, ou melhor, como mulheres pervertidas que sentiam prazer em se submeter ao sofrimento causado pela relação sexual, sendo, assim, tratadas de forma humilhante.

Diante da exposição dessas abordagens feita sobre as considerações de Freyre em relação às mulheres indígenas, entende-se a importância da convocação dessas mulheres para que expressem seus pensamentos, suas ideias, suas reivindicações e reafirmem suas identidades de mulheres guerreiras.

À vista disso, o vocativo utilizado com a finalidade de convocação caracteriza a etnopoética de Potiguara como combativa, ideológica e política. Há uma indicação no texto de incentivar as mulheres indígenas a ocuparem seus lugares de fala, desmontando esse discurso sexista e preconceituoso que mancha as suas identidades. Enfim, se há uma tentativa de abafamento dessas vozes, é necessário que se fortaleça o alarido para assegurar que as mulheres se façam ouvir pelos demais, uma vez que a questão não é apenas garantir que o subalterno possa falar, mas que seja ouvido, como salienta Suzane Lima Costa: “Precisamos criar movimentos/manifestos pela escuta agora, para, ao invés de perguntarmos sobre quem pode falar, questionarmos sobre quem está disposto a ouvir (em um sentido muito lato) o outro” (2014, p. 87).

b) Diálogo ou chamado

Escuta, irmãos, palavra de índio é palavra boa, é palavra viva, é palavra que voa como pássaro.39

A segunda característica dos vocativos percebida nos poemas analisados figura uma ideia de diálogo ou de chamado, com a sugestão de assegurar que o eu do poema está sendo ouvido pelo outro. Dessa forma, parto do princípio de que o vocativo é utilizado fazendo com que o narrador de uma história ou o eu lírico de um poema se dirijam a seus leitores, conforme versa Maria Helena de Moura Neves, em Gramática de Usos do Português (2011).

Levando-se em consideração essa colocação, acredito que o vocativo utilizado nos poemas que serão citados e analisados a seguir possui esse propósito, como se nota no poema

“Pankararu”, analisado anteriormente:

Pankararu

Sabe, meus filhos...

Nós somos marginais das famílias Somos marginais das cidades Marginais das palhoças...

E da história?

Não somos daqui Nem de acolá...

Estamos sempre ENTRE Entre este ou aquele Entre isto ou aquilo

Até onde aguentaremos, meus filhos?...

(POTIGUARA, 2004, p. 60)

Esse poema está estruturado em três estrofes: a primeira e a segunda são quintetos e a última estrofe é composta por apenas um verso, um monóstico. O título do poema faz referência direta a uma etnia indígena específica: “os Pankararu”. Esses povos estão distribuídos nos estados de Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo, com uma população de 8.184 habitantes, de acordo com os dados do Instituto Socioambiental (ISA). Ao intitular seu poema com o nome de uma etnia, como é recorrente em textos de Potiguara, infere-se que há uma particularização dos seus leitores, como ocorre nos poemas de Jorge Luis Borges, que, segundo Leyla Perrone-Moisés, também “não visa um leitor ‘universal’ que deva ser

39 Referência à fala do grande líder do povo Tukano – Manoel Fernandes Moura.

convencido com argumento; visa um interlocutor de qualidade, particular e conivente, que partilhe de antemão os seus valores” (1998, p. 149).

Na primeira estrofe, a voz poética se dirige aos leitores por intermédio do vocativo

“meus filhos”. De acordo com Moura Neves (2011), o pronome possessivo acompanhando o vocativo indica afeto ou intimidade; dessa forma, o locutor se dirige a seus alocutários de modo íntimo por estar falando do mesmo lugar onde se encontram esses leitores, deixando transparecer a ideia de pertencimento étnico e “parentesco”, expressão muito utilizada pelos povos indígenas.

O chamado aqui feito é para tomada de consciência da situação de subalternidade que se confirma nas três repetições do adjetivo “marginal”, salientando, assim, uma posição ocupada por esses povos: às margens da família, das cidades, das palhoças e da história. Há também a repetição das reticências, o que pode indicar uma hesitação, levando-se em conta que a afirmação feita no poema é muito grave.

Ainda conforme aponta Guimarães, “Os nomes significam não porque referem.

Significam por identificar, produzir uma ‘partilha’ do mundo. E é a partir desta partilha que o vocativo funciona, e mais que isso, o vocativo pode afetar o próprio modo como a partilha se dá” (2016, p. 173-174). Nessas circunstâncias, o vocativo “meus filhos” representa a constituição do TU, ou seja, do leitor com quem o locutor compartilha uma cosmogonia, ou seja, os princípios religiosos, míticos e científicos que regem o universo. O pronome possessivo “meus” e o substantivo “filhos” representam uma nomeação que cria uma ideia de identidade. Além disso, trata da descrição pelo adjetivo marginal e da referência ao espaço ocupado por eles: às margens das cidades (favelas), e as palhoças complementam o quadro de uma situação social vulnerável. E se conclui a estrofe questionando: “somos marginais da história?”.

Na segunda estrofe, a presença dos advérbios “aqui” e “acolá” é o reconhecimento de viver no entre-lugar. A preposição “ENTRE” está destacada com letras maiúsculas, enfatizando o sentido em que está sendo empregada. Nesse caso, “ENTRE” não está sendo empregada com a acepção de conectivo, mas de advérbio de lugar, com a finalidade de demarcar um lugar de exclusão e opressão. Enquanto isso, os demais “entre” repetidos com letras minúsculas na estrofe funcionam como preposição.

No último verso do poema, a autora apresenta outra inquietação: “Até onde aguentaremos, meus filhos?...”. Nota-se que o vocativo foi utilizado no primeiro verso do poema e no último, dando a impressão de que o eu retoma para ter certeza de que está sendo

realmente ouvido. As reticências pressupõem que se teria algo a mais para dizer, ou mesmo representa uma pausa como se pretendesse ouvir a voz do seu alocutário.

Potiguara se apropria do vocativo nessa perspectiva em outros poemas da obra Metade cara, metade máscara (2004), como “A velha e o moço”, “Revendo o amado”, “UNI-ÃO”,

“O criador, a identidade e o guerreiro” e “Fantasias desertas”, tornando-se, assim, um estilo marcante de suas escrituras.

Nos poemas de Graúna, também é recorrente a presença do vocativo a fim de se fazer ouvir pelo alocutário, parecendo chamar sua atenção para o conteúdo do que está sendo abordado, como é possível verificar pela leitura do poema “Pedagogia”, que faz parte da obra Tear da Palavra:

Pedagogia

— Mãe, o que é oprimido?

— Sofrido, excluído.

— Igual a tu, é?

— Assim, como nós somos.

(GRAÚNA, 2007, p. 18)

Percebe-se que esse poema faz uma referência à obra Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. De acordo com o pensamento freireano, a pedagogia do oprimido deve ser forjada com o oprimido enquanto povo que luta pela reconstituição de sua humanidade, sendo capaz de refletir sobre as causas dessa opressão, levando-o ao engajamento na luta pela libertação (FREIRE, 1987). Assim, o sujeito tem consciência da sua situação de excluído.

Nesse caso, o vocativo é “mãe”. Nota-se a construção de um alocutário que partilha da mesma visão de mundo do locutor, situados ambos no mesmo espaço de enunciação. A estrutura rompe com o estilo do gênero poético, já que se dá em forma de diálogo. Sobre a ruptura das formas, Campos (2013) afirma que um dos principais fatores que permitiram essa dissolução da pureza dos gêneros foi incorporar, aos poemas, elementos da linguagem prosaica e dialogal, como ficou perceptível no texto anterior de Graúna.

É importante frisar que Graúna comumente não usa pontuações, porém, nesse texto, evidencia essa pontuação para que, assim, possa melhor estruturar a linguagem conversacional. Dessa forma, utilizou os travessões, marcando o discurso direto e separando uma fala da outra; a vírgula, para separar o vocativo; as interrogações, na elaboração dos questionamentos, construindo uma abordagem reflexiva; e, por fim, o ponto final, encerrando o diálogo e, consequentemente, a explicação do conceito de oprimido. A forma como a autora

abordou essa temática merece destaque, pois o tema da opressão foi refletido pelo próprio oprimido, ou seja, esse grupo subalternizado possui suas próprias vozes e elabora seus próprios discursos, assumindo uma postura de protagonista. Essa ideia contribui para compreender a relevância de pensar sobre a literatura indígena como instrumento de emancipação desses povos e valorização de suas culturas. De acordo com Guimarães:

[...] o vocativo agencia alguém em alocutário-x na cena enunciativa do acontecimento de enunciação. Nesta medida, um nome como vocativo não é simplesmente um outro modo de dizer TU. O vocativo sobrepõe o funcionamento da designação como modo de constituir aquele que é agenciado como alocutário-x. Isto é claramente um funcionamento afetado pela história (2016, p. 179).

Nesse contexto, há uma “cena” construída a partir do diálogo entre o filho e a mãe. É o filho que agencia o vocativo “mãe” ao questionar sobre o significado da palavra “oprimido”, porém, nesse caso, semanticamente ambos são locutores e alocutários, pois se trata de uma conversa em que os papéis são vivenciados pelos dois.

Como se pôde perceber, assim como na escrita de Potiguara, Graúna também explora bastante o uso dos vocativos, como se pode observar nos poemas da obra Canto Mestizo (1999), tais como: “Tecelã”, “Aldeia”, “Cantiga”, “Canto mestizo”, “Answer” e “Dores da África”.

Esse chamado feito pelas poetas intenciona vivenciar esse processo dialógico de troca, reconhecimento das alteridades e reconstrução de identidades, tendo em vista que “a identidade é um conceito que não pode afastar-se do de alteridade: a identidade que nega o outro, permanece no mesmo (idem). Excluir o outro leva à visão especular que é redutora: é impossível conceber o ser fora das relações que o ligam ao outro” (BERND, 1992, p. 15). O

“outro” é chamado para o diálogo, é reconhecido como sujeito que tem voz e que assim tem a contribuir nesse processo de reconstrução identitária por meio de um processo de transculturação.

c) Invocação

Jaci, Ceuci, Tupã, protegei os povos indígenas desse país!40

40 Epígrafe da própria autora.

Nessa terceira perspectiva, o vocativo aparece como apóstrofe e tem a função de clamar por auxílio às forças superiores para a resolução dos problemas dele. Esse tipo de vocativo é menos utilizado pelas autoras do que os demais abordados anteriormente. O poema

“Oração pela libertação dos povos indígenas” é um dos mais longos da obra Metade cara, metade máscara. Possui 51 versos, distribuídos em duas estrofes, por isso foi feita a transcrição apenas de alguns trechos em que aparecem as apóstrofes:

Oração pela libertação dos povos indígenas

Oração pela libertação dos povos indígenas